Autores
Bini, G.M.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA) ; Gerente, J. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS) ; Ribeiro, S.R.A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA) ; Pellerin, J.R.G.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA)
Resumo
O objetivo deste trabalho é comparar os resultados da aplicação da técnica de segmentação de imagem baseada em Análise Orientada a Objeto Geográfico (GEOBIA) - utilizada ainda de forma incipiente no Brasil, no ramo da geomorfologia - com a técnica de vetorização por fotointerpretação no mapeamento de cicatrizes de movimentos de massa. Neste trabalho, utilizou-se como material de base uma imagem orbital Rapideye, tomada em março de 2009- quatro meses após a ocorrência dos movimentos de massa. Pela aplicação do teste de t-Student, foi verificado que não houve diferenças significativas entre os resultados obtidos a partir dos métodos supracitados. Desta forma, conclui-se que o método de segmentação apresentou bons resultados, pois possibilita mapear mediante uma técnica menos subjetiva e menos exaustiva que o processo de vetorização.
Palavras chaves
Análise Orientada ao Objeto Geográfico; Segmentação; Mapeamento de Cicatrizes de Movimento de Massa
Introdução
Os movimentos de massa são considerados como um processo geomorfológico que pode ser definido como transferência de massas de solos e/ou rochas, encosta abaixo seguindo a componente da gravidade(CROZIER, 1986). A ocorrência dos movimentos pode ser mapeada por técnicas vetoriais e/ou matriciais associadas ao geoprocessamento. Na vetoriazação o processo de delimitação da cicatriz acontece mediante a interpretação da imagem pelo operador que desenha os limites da cicatriz sobre a imagem na tela. Apesar de muito utilizada, nesta técnica, as áreas não são localizadas com alta acurácia. Segundo Longley, et al. (2013), a aparente precisão da vetorização não é real e, por esta razão, as técnicas matriciais passam ser mais atraentes para representações de fenômenos geográficos. Dentre as técnicas para matriciais para mapeamento das cicatrizes de movimentos de massa, habitualmente é utilizada a classificação da imagem orbital. A classificação ocorre mediante um conjunto de pixels atribuídos pelo operador como um padrão para identificação de outras cicatrizes. Além da classificação, a segmentação baseada em Análise Orientada ao Objeto Geográfico (GEOBIA) também pode ser utilizada para este tipo de mapeamento. A GEOBIA é um campo dedicado ao desenvolvimento de métodos automatizados para particionar pixels em objetos (Hay & Castilla, 2008). Na aplicação da GEOBIA no sensoriamento remoto, a definição do objeto é fundamentada em características espectrais, espaciais e de textura da imagem. A segmentação da imagem é decorrente de dois índices: homogeneidade interna e separibilidade entre os segmentos vizinhos. Em seguida, é aplicada uma função para seleção de parâmetros de fusão que definirão o objeto. Vários trabalhos foram desenvolvidos utilizando segmentação e classificação baseada em AOO, porém, não é comum encontrar trabalhos de GEOBIA associados à temática de geomorfologia com enfoque ao mapeamento de cicatrizes.Dentre os trabalhos baseados em GEOBIA para mapeamento de cicatrizes de movimentos de massa, pode-se citar Bini et al (2015), no qual é apresentado o mapeamento por segmentação baseada em GEOBIA de 20 cicatrizes de movimentos de massa ocorridas numa microbacia do município de Gaspar, Estado de Santa Catarina. No entanto, ainda que o trabalho citado tenha apresentado bons resultados, as propostas foram iniciais, sendo, portanto, necessários outros estudos similares. Diante do contexto, este trabalho pretende comparar as técnicas de segmentação de imagem orbital baseada em GEOBIA com a de vetorização por fotointerpretação para mapeamento de cicatriz de movimento de massa. O intuito é de avaliar a eficácia da técnica de segmentação baseada em GEOBIA, utilizada ainda de forma incipiente, no Brasil, no ramo da geomorfologia, como já citado. Cabe salientar que neste trabalho, a delimitação da cicatriz corresponde apenas ao seu perímetro, não levando em consideração a complexidade que envolve os diferentes setores associados ao processo do movimento, como zonas de ruptura, transporte e deposição. As cicatrizes mapeadas neste trabalho localizam-se no médio vale do rio Itajaí-Açu, situadas nos município de Gaspar, Ilhota, Blumenau e Luís Alves, Santa Catarina. Elas são decorrentes do desastre ambiental ocorrido em Novembro de 2008, o qual causou centenas de movimentos de massa e inundações em diversas localidades do Vale do Itajaí/SC, gerando grandes prejuízos econômicos, ambientais e sociais. As maiores cicatrizes ocorreram em áreas de geologia do Complexo Luís Alves, associado às litologias máfica- ultramáfica, enderbítica e metassedimentares, também com várias falhas e fraturas resultantes de eventos geológicos marcantes (Fornari, 1998). Para este trabalho, foram escolhidas oito grandes cicatrizes pertencentes a esse complexo geológico.
Material e métodos
A segmentação baseada em GEOBIA ocorre mediante os níveis de segmentos dados numa escala que vai de 1 a 100. Cabe ao operador decidir o quanto à imagem será particionada, de acordo com o objeto que deseja identificar. A escala pode aumentar ou diminuir até que o objeto pretendido seja isolado. A repartição e posterior fusão da imagem orbital são abordagens que ocorrem pelo algoritmo conhecido como Full Lambda Scudele Algoritm – FLSA. O resultado desta técnica de segmentação é o agrupamento de pixels em forma de região (ROBINSON; REDDING; CRISP, 2002). Ou seja, a segmentação ocorre mediante a fusão de segmentos adjacentes, baseando-se em combinações espectrais, espaciais ou de textura que apresentem semelhanças entre si. Para o procedimento de fotointerpretação baseado em GEOBIA e de vetorização foi utilizada a imagem RapidEye tomada em março de 2009, quatro meses após a ocorrência dos movimentos de massa na área de estudo. A imagem Rapideye apresenta cinco bandas espectrais (Red, Green, Blue, Edge, Near IR), tamanho do pixel ortorretificado de 5 metros, radiométrica de 1 bits e sensor multiespectral. Foram escolhidas oito cicatrizes para interpretação visual e vetorização da imagem orbital em tela. Cada cicatriz foi interpretada em um nível de segmentação diferente. A segmentação é o primeiro passo da GEOBIA e a escolha da escala acontece por meio do observador e de testes de acerto e erro. Essa dinâmica multiescalar tem como propósito a aproximação da visualização pelo olho humano, ou seja, da maneira como o fotointerpréte faz a interpretação da imagem. Nesse contexto, considerou-se os valores descritos na Figura 1 como os mais indicados diante do conhecimento prévio da área de estudo. A segmentação foi realizada no programa “ENVI-EX” e armazenada na extensão “shp”, formato que possibilita a exportação do vetor para sistema de informação geográfica – SIG. Foi utilizado o programa “ArcGis 10.2” para vetorização das cicatrizes, mediante a interpretação da imagem, desenhando a cicatriz em tela. A sobreposição das cicatrizes, também no programa “ArcGis 10.2” auxiliou na observação dos resultados. Para comparar melhor os resultados, foi gerado o cálculo dos valores em área por metros quadrados. Os valores expressam a área vetorizada e segmentada e o que foi nulo em ambos os processos. Para verificar as diferentes áreas foi realizado o teste T no programa Statistic.
Resultado e discussão
Para este trabalho, foram escolhidas oito grandes cicatrizes pertencentes ao
complexo geológico Luís Alves. Optou-se em segmentar em diferentes escalas
para obter maior êxito na segmentação. As escalas da segmentação são
observadas na Figura 1. As oito cicatrizes identificadas por interpretação
visual, vetorizadas e segmentadas são mostradas na Figura 2 (cicatriz
1,2,3,4,5,6,7 e 8). Observa-se que a maior discrepância entre as duas
interpretações se encontram nas cicatrizes 6 e 7.
A partir da segmentação é gerado um banco de dados referente a cada objeto
(cicatriz) identificada na imagem. Esse banco de dados pode ser aplicado no
auxilio do entendimento do fenômeno ou em trabalhos e modelagem espacial. A
Figura 3 apresenta o banco de dados gerado para uma das cicatrizes
segmentada neste trabalho. Os descritores extraídos da imagem que aparecem
no banco de dados são do tipo espectral, espacial e textural. No banco de
dados relacional ao objeto identificado na imagem, são gerados 37
descritores. O comportamento espectral dos alvos na imagem corresponde
aos atributos espectrais. Informações como a média dos números digitais por
banda, ou seja, a média dos números do pixel que compõem o objeto na imagem
em cada uma as bandas; o desvio padrão da média dos números digitais; o
valor máximo de pixel e o valor mínimo de pixel por banda são os descritores
espectrais fornecidos mediante o objeto geográfico (cicatriz).
Como atributos espaciais são caracterizados como descritores as formas. A
área do polígono segmentado; o comprimento (perímetro) do polígono, a
compacidade que é uma medida que indica o quão compacto é o segmento; a
convexidade que corresponde a uma medida que revela o quanto o polígono é
côncavo ou convexo; a solidez que comparara a área do polígono com a área do
fecho convexo no entorno do polígono; a circuncidade; o fator forma; o
alongamento; a direção principal em graus do eixo maior do polígono em
relação ao eixo x; eixo menor e eixo maior em relação a um retângulo
envolvente em torno do polígono; número de furos (buracos no polígono) e por
último o descritor que relaciona a área/furos do polígono.
Os atributos texturais podem ser escritos de forma qualitativa, como:
uniformidade, grosseira, média, regular ou fina. São descritores de textura
o intervalo, a textura média, a variância da textura e a entropia da
textura. Todos os atributos descritos por banda.
Tais descritores complementam o estudo de cada cicatriz e podem auxiliar na
construção de modelos estatísticos ou matemáticos de prevenção de desastres
causados por movimentos de massa. Neste trabalho, como as cicatrizes foram
segmentadas uma a uma, gerou-se oito banco de dados contendo todos os
descritores anteriormente citados.
Como resultado da comparação entre as duas técnicas obteve-se tanto a
informação temática quanto a quantificação das áreas segmentadas e
vetorizadas (Figura 4).
Em relação à diferença de área de cicatriz de movimento de massa mapeada
pelo método de vetorização e pelo método de segmentação, entende-se, de modo
geral, que não houve grandes diferenças. Somente a cicatriz número 05
apresenta uma porção maior de área segmentada em local que não foi
considerado cicatriz de movimento de massa na vetorização. As cicatrizes
(06 e 07) apresentaram uma maior área vetorizada em relação à segmentada, ou
seja, estas porções foram consideradas pelo intérprete como cicatriz de
movimento de massa ao passo que pela segmentação não. As demais cicatrizes,
com destaque para as cicatrizes 01 e 03, tiveram menor relevância em relação
à discrepância entre o que foi considerado cicatriz de movimento de massa
por ambas as técnicas.
Além da análise visual (através da figura 04), realizou-se a quantificação
geral de todas as cicatrizes, a fim de averiguar a quantidade de área total
da vetorização e da segmentação, a quantidade de área considerada cicatriz
na vetorização, porém não considerada como tal pelo método de segmentação
(Nulo | vetorização) e vice-versa (Segmentação | nulo), e, por fim, a
quantidade de área considerada como cicatriz de movimento de massa tanto
pela vetorização quanto pela segmentação (Vetorização | segmentação).
As quantificações totais das áreas vetorizadas, segmentadas e da matriz
cruzada em área total correspondem: Vetorização = 597.252,95 m²;
Segmentação = 482.425,00 m²; Nulo | vetorização= 128.373,89 m²; Segmentação
| nulo = 39.267,52 m² e Vetorização | segmentação = 443.187,42 m². Conforme
pode ser observado, a área total das cicatrizes mapeadas por vetorização é
de 597.252,95 m² enquanto que a das cicatrizes mapeadas por segmentação é de
482.425,00 m². Ainda em relação à tabela, percebe-se que no total, uma área
de 443.187,42 m² foi mapeada como cicatriz de movimento de massa por ambas
as técnicas (tanto por meio da vetorização quanto da segmentação esta
quantidade de área foi mapeada como cicatriz).
Em relação às divergências entre técnicas, percebe-se que a menor diferença
relaciona-se com a técnica de segmentação. Por meio desta técnica 39.267,52
m² foram considerados como cicatriz de movimento de massa pela segmentação,
porém não pela vetorização. Por outro lado, uma área de 128.373,89 m² foi
considerada como sendo cicatriz a partir do método de vetorização, enquanto
que pelo método de segmentação esta mesma área não foi mapeada como
cicatriz.
Gerente (2015), ao analisar os movimentos de massa ocorridos na bacia do rio
Serafim, em Luís Alves/SC, uma bacia próxima à área de estudo deste
trabalho, comenta que devido ao fato dos movimentos de massa ocorridos no
desastre de novembro de 2008 terem passado por mecanismos complexos de
ruptura, transporte e deposição, aliado ao alto valor pluviométrico do
episódio, houve em muitos casos, completa liquefação dos materiais. Desta
forma, o mapeamento das cicatrizes de movimento de massa decorrentes deste
desastre se torna uma tarefa ainda mais dificultosa, justificando assim o
estudo comparativo entre diferentes técnicas, até mesmo para a validação da
fotointerpretação
Pela subjetividade de cada vetorização manual, é muito provável que mesmo
entre especialistas existam divergências em relação ao perímetro das
cicatrizes, pois muitas vezes é difícil avaliar remotamente o que é deposito
originado pelo movimento de massa e o que é material já existente. Além
disso, outras questões relativas ao uso de imagens de satélite para este fim
podem ser citadas, tais como: resolução espacial e temporal, presença de
nuvens, grau de regeneração da mata, etc.
A partir destas incertezas intrínsecas ao processo de interpretação visual
humana, a técnica de segmentação baseada em GEOBIA aparece como uma
alternativa semi-automática e de suporte para avaliação das áreas em sua
discrepância. O teste T pareado resultou no valor de T=0,596 o que mostra
que as áreas não são diferentes no nível de significância de 5%.
Apesar das técnicas remotas não substituírem a necessidade de inventários a
campo, elas aparecem como uma opção barata, útil e com alta capacidade de
resposta principalmente para locais inacessíveis.
Fig. 1 - Diferentes níveis de escala para identificação do objeto no processo de segmentação das cicatrizes. Fonte: autor.
Fig. 2 – Limite da cicatriz: em vermelho por meio e segmentação e em amarelo mediante a vetorização. Fonte: autor.
Fig. 3 – Cada coluna no banco e aos mostra atributos espectral, espacial ou textural em termos o valor do pixel. Fonte: autor.
Fig. 4 – Apresentação das áreas e vetorização, segmentação e nula no processo e interpretação o limite a cicatriz. Fonte: Gerente, 2016.
Considerações Finais
A segmentação tem como objetivo preparar a imagem para uma futura classificação temática. Para essa investigação recomenda-se a classificação por textura, processo posterior a segmentação. A técnica de segmentação de imagem para mapeamento de cicatrizes de movimento de massa apresenta melhor resultado quando mapeada cada cicatriz (uma a uma). De forma geral, percebe-se que o método de segmentação subestimou a quantidade de área considerada como movimento de massa se comparado à técnica de vetorização (interpretação visual). Destaca-se a importância da verificação da interpretação subjetiva do analista, pois mediante ao resultado deste trabalho, comprovou-se que não houve diferença estatística significativa entre o mapeamento mediante vetorização e segmentação. Apesar do bom resultado apresentados neste trabalho pelo método de segmentação, recomenda-se a sobreposição de layers como declividade, forma de encosta e ainda a classificação por textura para estudos futuros. Isto ajudaria em muito na identificação dos limites da cicatriz e até mesmo das diferentes zonas (ruptura, transporte e deposito e materiais) dentro da própria cicatriz.
Agradecimentos
Referências
BINI, G. M. P., GERENTE, J., LUIZ, E. L., PELLERIN, J.J. M. Segmentação de imagem orbital baseada em GEOBIA para mapeamento de cicatrizes de movimentos de massa em encosta. In: VII Congresso Nacional de Geomorfologia, Lisboa: Associação Portuguesa de Geomorfólogos, 2015. v. IX. p. 407- 413.
CROZIER, M. J. Landslide: causes, consequences & enviroment. Sidney, Crom Helm Ltd.,1986.
FORNARI, A. Geologia e metalogênese da porção meridional do Cráton Luís Alves/SC. 1998. 136p. Tese (Doutorado em Geociências). Programa de Pós-Graduação em Geociências da Universidade de Campinas. São Paulo, 1998.
GERENTE, J. Análise dos movimentos de massa na bacia do rio Serafim, Luís Alves/SC: Condicionantes e Mecanismos de ruptura. 2015. 129p. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Curso de Geografia, Florianópolis, 2015.
HAY, G.J., CASTILLHA, G. Geographic Object-Based Image Analysis (GEOBIA): A new name for a new discipline. In: Blaschke, T., Lang, S., Hay, G. (Eds.), Object Based Image Analysis. Springer, Heidelberg, Berlin, New York, 2008, p. 93-112.
LONGLEY, Paul A, et al. Sistemas e ciência da informação geográfica. Tradução: André Shaneider, et al. Porto Alegre: Bookman, 2013, 540 p.
ROBINSON, D. J., REDDING, N. J., CRISP D. J. Implementation of a fast algorithm for segmenting SAR imagery: Scientific and Technical Report, Australia: Defense Science ant Tecnology Organization, 2002, 42 p