Autores
Braz, A.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL) ; Boni, P.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL) ; Gradella, F.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL)
Resumo
O Pantanal é reconhecido por ser a maior planície inundável continental do mundo e por sua ampla variedade de fauna e flora. As inundações anuais são determinantes no equilíbrio de sua dinâmica natural e distribuição das unidades de vegetação, influenciadas pelas características dos solos e relevo controladas pelo clima. A região da Nhecolândia destaca-se por sua fisionomia singular, caracterizada por inúmeras lagoas, em meio aos extensos campos limpos e sujos e formações densas de vegetação, chamadas de cordilheiras. Esta região passa por alterações na vegetação com a implantação de pastagens exóticas. Através da fotointerpretação de imagens de satélite e trabalho de campo, foi possível realizar este trabalho, cujo principal objetivo é compreender a interação relevo-vegetação da porção leste da Nhecolândia. Notou-se diferenças topográficas importantes, superiores a algumas descritas na literatura, inclusive diferenciação na vegetação densa, a qual ocupava áreas não elevadas.
Palavras chaves
Geomorfologia; Vegetação; Sensoriamento Remoto
Introdução
As áreas pantaneiras apresentam conhecimento científico pouco expandido, pois as inundações anuais e o material arenoso solto em superfície realizado por estradas sem pavimentação abertos em meio aos conjuntos arbóreos e campos dificultam o acesso. Do ponto de vista geomorfológico, as incógnitas científicas são fartas no Pantanal, pois a pesquisa sistemática se esbarra na maioria das vezes na necessidade de adaptação de metodologias e técnicas, além da busca por avanços tecnológicos que permitam trabalhar nessa extensa área plana, que segundo Silva e Abdon (1998) ocupa área de aproximadamente 138.183km², sendo que 35,36% (48.865 km²) estão na porção SW de Mato Grosso e 64,64%(89.318 km²) na porção NW de Mato Grosso do Sul. Um dos motivos das inundações anuais é devido ao regime climático, que de acordo Soriano (1996), na região pantaneira conhecida como Nhecolândia o clima é de duas estações bem definidas, classificado como Awa segundo Köppen, com inverno seco e verão chuvoso, sendo que os anos mais chuvosos podem chegar a 1513,5 mm. Um segundo motivo é a baixa declividade que provoca dificuldade de escoamento dos sistemas fluviais e também da drenagem subterrânea, ocasionando afloramento de águas em meio à planície (GRADELLA, 2008). O acúmulo sedimentar ocorre em decorrência de o Pantanal ser uma bacia sedimentar, que está localizada no interiormente na Bacia do Alto Paraguai (BAP), ocupando em território nacional brasileiro área de 361.666 km², além de ocupar parte da região norte do Paraguai e leste da Bolívia. O rio principal que nomeia a bacia é o Paraguai, com 2.612 km de extensão, sendo que 1.683km estão no Brasil ou nos limites com a Bolívia e o Paraguai (ANA et al., 2004). Devido a ampla variedade em relação aos aspectos físicos, diversos autores realizaram divisões do Pantanal mato-grossense. Uma dessas divisões é a do projeto RADAMBRASIL, quando Franco e Pinheiro (1982) o dividiram em oito, sendo: Pantanal do Corixo Grande-Jauru-Paraguai; Pantanal do Taquari; Pantanal do Jacadigo-Nabileque; Pantanal do Cuiabá-Bento Gomes- Paraguaizinho; Pantanal do Negro; Pantanal do Paiaguás; Pantanal do Itiquira-São Lourenço-Cuiabá e Pantanal do Miranda-Aquidauana. Uma das principais características do Pantanal são as áreas formadas por leques aluviais, que segundo Assine (2003) a paisagem do Pantanal sofre mutação em resultado da dinâmica sedimentar nos leques aluviais. A paisagem muda continuamente em leques aluviais por conta da sedimentação que se processa através da construção e abandonos de lobos deposicionais. Dentre os pantanais de Franco e Pinheiro (1982), o do Taquari recebe duas nomeações advindas da cultura local, que é a região da Nhecolândia (porção sul do leque) limitada ao norte pelo rio Taquari e ao sul pelo rio Negro, e a do Paiaguás (porção norte do leque) limitada ao norte pelo rio Piquiri e ao sul pelo rio Negro. Segundo Cunha (1980) os solos do Pantanal da Nhecolândia são formados por sedimentos arenosos, 2 a 4% de argila, resultante do leque aluvial do rio Taquari, e são submetidos em parte a acentuado hidromorfismo. A Nhecolândia representa uma das mais importantes regiões de criação de gado da região (RODELA et al., 2007) e vem passando por um intenso processo de desmatamento, no qual as regiões de vegetação arbórea estão sendo transfor¬madas em pastagens destinadas à pecuária. Diante do exposto, esse trabalho propõe expandir conhecimentos científicos da interação relevo-vegetação do Pantanal da Nhecolândia, em particular da porção leste. De modo a interpretar a dinâmica natural que é singular e rica, com poucos registros científicos. Portanto, o conhecimento limitado desta região impulsiona a realização deste trabalho, o qual tem como objetivo compreender a evolução da vegetação associada à variação do relevo da porção leste na região da Nhecolândia.
Material e métodos
A região da Nhecolândia exibe um sistema de distribuição da vegetação de extrema singularidade, com unidades de vegetação dispostas em mosaico, intercalando cerradões e florestas estacionais nas “cordilheiras”, campos úmidos e sazonais nas partes alagáveis e circulando lagoas, cerrados e campos nas partes intermediárias do relevo (RODELA et al., 2007). As formas de vegetação são fortemente influenciadas pela topografia local e pelos diferentes níveis de inundação ou alagamento, porém algumas associações vegetais destacam-se na Nhecolândia por sua contínua presença na paisagem (BAZZO et al., 2012). O trabalho foi realizado na porção leste do Pantanal da Nhecolândia, região que vem sofrendo fortes alterações na cobertura do solo, representando uma ameaça à sustentabilidade desse e de outros ecossistemas, especialmente quando há conversão de formas de vegetação nativa em áreas antrópicas (FILHO et al., 2014). Inicialmente, para compreender o estado atual da região, foram utilizadas imagens do satélite Landsat 8, imageadas pelo sensor OLI, disponibilizada pelo Serviço Geológico Americano (USGS) distribuídas pelo Earth Explorer. Nesse momento definiram-se duas áreas utilizando com critério a fitofisionomia e os elementos do relevo, assim, escolheram-se áreas onde apresentavam alteração no tipo de vegetação e diversidade no relevo, sendo estas áreas que retratam a similitudes com outras áreas da região. Após definida as áreas, foram selecionadas duas imagens do satélite Landsat 5 imageadas pelo sensor TM, e duas imagens do Landsat 8, imageadas pelo sensor OLI. Foram realizadas análises temporais com uso de técnicas de fotointerpretação das imagens dos dias 19/07 e 29/06 de 1985 com as bandas R5G4B3, e dos dias 20/06 e 29/06 de 2015 utilizando as bandas R6G5B4, das órbitas ponto 226/73 e 225/73. As imagens são do período seco, pois possibilita identificar com maior clareza os elementos em superfície. Foram utilizados os dados altimétricos SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) 30 m para auxiliar na interpretação do relevo. Foi realizado um trabalho de campo entre os dias 21/09/15 e 24/09/15. Nesse trabalho, auxiliado com GPS (Global Position System) foram visitados pontos de interesse essenciais para esclarecer dúvidas que surgiram durante a interpretação das imagens. Também foram realizados levantamentos topográficos, fotográficos e descrição da paisagem. As fotografias digitais tomadas em campo foram de grande valia para refinar a descrição e interpretação. O levantamento topográfico foi realizado nas duas áreas utilizando um nível topográfico. Esses serviram para comparar com os dados de elevação SRTM. Após o trabalho de campo, os dados coletados foram analisados e tratados em gabinete, assim como a elaboração de perfis topográficos.
Resultado e discussão
O estudo foi realizado na porção leste do Pantanal da Nhecolândia. A
primeira área localiza-se no quadrante com as coordenadas 55º46’20’’W
18º53’50’’S e 55º43’50’’S 18º57’20’’S. A segunda área está localizada no
quadrante de coordenadas 55º45’20’’W 18º57’06’’S e 55º42’42’’W e
19º00’43’’(Figura 1).
Durante o processo de fotointerpretação foram identificadas três classes:
vegetação arbórea, gramíneas e área úmida.
Na imagem do ano de 1985 (Figura 2. A imagem A é do ano de 1985 e a imagem B
é de 2015. Em destaque de amarelo é o local onde foi realizado o
levantamento topográfico e tiradas as fotos) nota-se maior presença de
vegetação arbórea, tomando grande proporção. As áreas úmidas, identificadas
presumivelmente como lagoas, estão localizadas nas partes mais baixas do
relevo. Partes das lagoas estão brevemente circundadas por um cinturão de
vegetação arbórea.
As imagens de 2015 comparadas com as de 1985 apresentaram mudanças
significativas em todos os aspectos identificados. As áreas de gramíneas
tiveram aumento considerável. A vegetação arbórea, consequentemente, sofreu
diminuição importante. Em relação à área úmida, nota-se que aparentemente
está reduzida, porém, sem uma análise do regime hídrico completo não é
possível aferir essa hipótese.
No segundo ponto (Figura 3. A imagem A é do ano de 1985 e a imagem B é de
2015. Em destaque de amarelo é o local onde foi realizado o levantamento
topográfico e tiradas as fotos.), na imagem de 1985, a área estudada é
dominada por vegetação arbórea, áreas de gramíneas ainda apresentam pequena
ocupação. Identificaram-se pequenas lagoas no perímetro da área. Nas imagens
de 2015 ocorre uma drástica redução da vegetação arbórea, dando espaço para
uma extensa área de gramíneas. As lagoas, que eram visíveis, assim como na
primeira área também se apresentam com tamanhos reduzidos.
Constatou-se que atualmente a presença da vegetação arbórea e arbustiva é
disseminada sobre parte extensa de área de gramínea. Esta área é circundada
por capões de vegetação arbórea-arbustiva, ocupando as áreas mais elevadas e
também as áreas planas.
No trabalho de campo com o levantamento topográfico (Figura 4) na segunda
área, no sentido nordeste-sudoeste, para uma melhor concepção do relevo,
identificou uma forma no relevo com pequenas elevações e de perímetro de
pouca extensão, apresentando em média 80 cm de altura e no máximo 7 m de
extensão. Essa característica foi encontrada somente nesta área, a
morfologia não foi possível de ser identificada durante a fotointerpretação.
Com os produtos extraídos do SRTM (Figura 4) notou-se que a vegetação
arbórea habitava as áreas mais elevadas do relevo e as áreas úmidas nas
porções mais baixas, porém, as imagens SRTM apresentam efeito dossel,
criando formas artificiais de relevo, como já sugerido por Zani (2008) e
Valeriano (2008).
Na primeira área foi identificado um notável desnível no relevo, o que é
algo incomum nesta região, pois as variações topográficas no Pantanal são,
por vez, insignificantes. Para obter dados mais detalhados nesse ponto
realizou-se o levantamento topográfico, sentido leste-oeste (Figura 4. Em 1A
e 2A são as hipsometrias das áreas 1 e 2 consecutivamente. Em 1B e 2B são
imagens Landsat. Os destaques em amarelo são as áreas que foram desmatadas
após o levantamento da missão SRTM. P1 é o perfil topográfico da área 1 e o
P2 é o perfil topográfico da área 2. Os destaques em vermelho são os
transectos dos perfis topográficos.
). O desnível calculado foi de 230 cm. Na parte elevada em 1985 era ocupada
por vegetação arbórea. No entanto, em 2015 a área apresenta pouca vegetação
arbórea, estando ela de forma rala em meio à implantação de gramíneas.
As áreas úmidas localizam-se nas porções mais baixas do relevo. Comparando
as imagens de 1985 e 2015 nota-se diminuição na dimensão das lagoas.
Entretanto, durando o trabalho de campo, nota-se que nesta área úmida,
denominada durante a fotointerpretação como lagoa, são apenas corpos d’água
intermitente.
A área elevada apresenta vegetação arbórea distribuída de forma dispersa
perante o vasto campo limpo, cercado por um cinturão de vegetação. A
presença de vegetação arbustiva é mínima, entretanto há uma quantidade
significante de bromélias balansae (caraguateiro) ocupando esta área.
Conforme se aproxima da área úmida, região com baixa declividade, a
vegetação arbórea se extingue totalmente.
Os trabalhos em campos foram indispensáveis para a execução deste trabalho,
pois foi possível identificar morfologias que não eram visíveis através das
imagens de satélite e esclarecer impasses que surgiram durante a
fotointerpretação.
Figura 1. Localização da Nhecolândia no contexto Brasil e do leque do Taquari. Em destaque em amarelo as áreas estudadas.
Figura 2. Imagens e fotos da primeira área estudada.
Figura 3. Imagens e fotos da segunda área estudada.
Figura 4. Hipsometria com os dados SRTM e os perfis topográficos.
Considerações Finais
Através das imagens de satélite foi possível realizar uma análise temporal da cobertura do solo do Pantanal da Nhecolândia entre dos anos de 1985 e 2015, demonstrando as mudanças sucedidas no local. Notou-se que a vegetação arbórea e arbustiva habita não só as áreas mais elevadas do relevo, mas também as áreas planas. As áreas úmidas encontram-se nas áreas mais baixas. Foi identificada a diminuição da vegetação arbórea e das áreas úmidas, esta podendo associar a quantidade de precipitação que a região sofreu, e o aumento das áreas de pastagem, devido à pecuária, que está se intensificando rapidamente na região pantaneira, alterando sua cobertura vegetal nativa e apresentando uma ameaça a este ecossistema.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul-FUNDECT pelo financiamento do projeto. Agradecem também a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul pela concessão de bolsa de iniciação científica, infraestrutura e logística.
Referências
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