Autores
Morais, F. (UFT) ; Pereira, G.C. (UFT) ; Lima, P.S. (UFT) ; Costa, H.G. (UFT)
Resumo
Um estudo integrado foi realizado na área da Caverna da Fumaça, nas proximidades de Miracema do Tocantins, onde foram realizados a exploração e o mapeamento espeleológico, além da caracterização da caverna, e execução de ensaios de geofísica para analisar possíveis controles geológicos na espeleogênese desta feição. Os resultados mostraram que a cavidade possui sua morfometria e características espeleológicas semelhantes às encontradas para outras cavernas em arenito em outras partes do mundo. Os ensaios de eletrorresistividade apontaram que o desenvolvimento da caverna se dá sob controle de fraturas na rocha arenítica, além de contribuições dos gradientes hidráulico e topográfico. Os resultados indicaram ainda que a integração de várias técnicas conjugadas pode ser mais eficaz nos estudos espeleogenéticos, sendo que os métodos geofísicos podem contribuir para levantamentos indiretos, principalmente de condutos cársticos inacessíveis.
Palavras chaves
Geomorfologia cárstica; Geofísica aplicada; Caverna em arenito
Introdução
As cavernas têm sido objeto de estudo da evolução do relevo desde os prelúdios da história da Geomorfologia. O próprio William Morris Davis, fez uma tentativa de aplicação de seu paradigma cíclico à evolução do relevo de regiões predominantemente carbonáticas (DAVIS, 1930). Vistas como as principais feições do relevo cárstico, as cavernas têm sua origem relacionada à dissolução de rochas carbonáticas (GAMS, 1993; FORD e WILLIAMS, 2007). Contudo, há algumas décadas formas tipicamente cársticas começaram a ser observadas em maciços não carbonáticos (VITEK, 1983; WRAY, 1997; THIRY, 2007, WILLEMS et al., 2008; YOUNG et al., 2009). No Brasil, vários trabalhos têm buscando a compreensão da gênese e evolução deste tipo de cavidade natural (WERNIK et al., 1976; HARDT, 2004; MELO; GIANNINI, 2007). Até algumas décadas, os estudos geomorfológicos relacionados às cavernas constituíam-se, prioritariamente, de caracterização morfométrica do endocarste, além da compartimentação geomorfológica dos maciços hospedeiros. Contudo, com o advento da abordagem interdisciplinar e a necessidade da utilização de métodos alheios à Geomorfologia, a Geofísica vem ganhando espaço nos estudos relacionados aos processos de intemperismo, erosão, denudação, além de processos de encosta (VAN DAM, 2012). Tais métodos geofísicos analisam as propriedades físicas dos diferentes materiais componentes do ambiente, associando as variações em tais propriedades às características geológicas locais (BRAGA, 2007). No tocante à aplicação dos métodos geofísicos na investigação de ambientes cársticos, alguns autores realizaram trabalhos de revisão, destacando as vantagens e desvantagens de cada técnica adotada (PUEYO-ANCHUELA et al., 2010; CHALIKAKIS et al., 2011). Dentre as aplicações mais frequentes encontradas na literatura, a detecção de cavidades, a definição da geometria interna de dolinas, e a delimitação do contato sedimentos/embasamento têm sido as mais frequentes utilizações dos métodos geofísicos, com destaque para os métodos elétricos (SMITH; RANDAZZO, 1986; VERESS, 2009; METWALY; ALFOUZAN, 2013). Ainda que a geofísica seja utilizada para estudos do carste há mais de meio século (ARANDJELOVIĆ, 1966), sua referência para investigação de cavernas areníticas ainda é bastante escassa na literatura, sendo encontrado apenas o trabalho de Dourado et al. (2001) para o Brasil. Na poção central do Estado do Tocantins, Morais e Souza (2009), estudando o Planalto Residual do Tocantins, observaram que os arenitos da região apresentam várias cavernas adjacentes aos vales dos tributários do rio Tocantins. Situada na zona rural do município de Miracema do Tocantins, a caverna da Fumaça, foi batizada com este nome pelo fato de no dia 07 de maio de 2010 ter chamado atenção da imprensa nacional, após ser constatado que a mesma passou mais de 30 dias expelindo fumaça do seu interior (G1, 2010). Em novembro do mesmo ano foi realizado o mapeamento espeleológico da cavidade. Contudo, tal mapeamento não contemplou a totalidade da feição pelo fato de uma de suas galerias apresentar um longo trecho de aproximadamente 2 metros de profundidade ainda preenchido pelas cinzas da queima do guano, dificultando sua exploração de maneira saudável a partir deste ponto. Assim, o presente estudo versa sobre a caracterização espeleológica da caverna da Fumaça, além de contemplar a aplicação da geofísica para constatação da continuidade do conduto principal da caverna e possíveis controles geológicos na sua conformação. A caverna da Fumaça está situada na zona rural do município de Miracema do Tocantins, TO, num contexto de rochas areníticas da Bacia Sedimentar do Parnaíba, que, por sua vez, é composta por coberturas Cenozóicas, Complexos Metamórficos e Faixa de dobramentos do Meso e Neoproterozóico. Esta bacia é caracterizada por uma deposição predominantemente siliciclástica, além de ocorrências de calcário, anidrita, sílex, diabásio e basalto, que ocorrem de forma subordinada (GÓES; FEIJÓ, 1994).
Material e métodos
Como dito, o desenvolvimento do estudo se deu a partir da denúncia, por parte da população do assentamento agrário, próximo à área, de que uma caverna vinha expelindo fumaça por mais de 20 dias. Na ocasião, membros do Tocantins Espeleogrupo – TEG foram convidados por redes de televisão locais para tentar esclarecer o fenômeno. A partir da exploração de parte da cavidade, constatou-se que se tratava da combustão de depósitos de guano no interior da mesma. O grupo de estudo supracitado aguardou alguns meses para novas explorações, em melhores condições de segurança, visando à coleta de informações para uma caracterização detalhada da cavidade. Passado este hiato temporal, foram realizados prospecção, mapeamento e caracterização da cavidade, adotando-se o método de trena e bússola com grau de precisão BCRA 4C (DASHER, 1994; RUBBIOLI; MOURA, 2005). Para a caracterização da caverna utilizou-se uma ficha de campo com detalhamento das características espeleométricas, condições hidrológicas e hidrogeológicas, aspectos bioespeleológicos, paleontológicos, arqueológicos e condições de conservação, segundo Dias (2003). Foram feitas ainda anotações sobre os condicionantes geológicos intervenientes na espeleogênese da feição, além de memorial fotográfico da mesma. Contudo, no decorrer do mapeamento, a equipe defrontou-se com um fosso de aproximadamente 2 m de profundidade, completamente tomado pelas cinzas do guano. Considerando as condições hostis para a continuidade do mapeamento do conduto principal, decidiu-se pela interrupção da topografia da caverna no ponto denominado “Mar de cinzas”, demonstrado na figura 1. A partir da digitalização do mapa da cavidade e da integração deste mapa a um sistema de informações geográficas, com informações de geologia, hipsometria e imagens de satélite, foi feita uma análise integrada das informações, sendo, então, considerada a possibilidade de desenvolvimento da cavidade para além do limite estabelecido nos trabalhos de campo. Assim, optou-se pela realização de caminhamentos elétricos transversais ao eixo imaginário de desenvolvimento da caverna (Figura 1). A adoção deste método se deu em função, dentre outros fatores, da comprovação já bastante aceita de sua efetividade para delimitação de condutos cársticos em condições pouco propícias à investigação direta (CHALIKAKIS et al., 2011; METWALY; ALFOUZAN, 2013), e também em função da disponibilidade do aparelho de geofísica, no Laboratório de Análises Geo- Ambientais, da Universidade Federal do Tocantins. O método da eletrorresistividade consiste em medir a diferença de potencial (ΔV) que uma determinada corrente elétrica (I) apresenta, após ser injetada ao solo por meio de dois eletrodos (corrente) e, tendo percorrido um dado espaço em subsuperfície, sair por outros dois eletrodos (potencial) (ORELLANA,1972). Tomando-se por base a lei de Ohm, e utilizando-se do conhecimento de (I) e (ΔV), é possível calcular a resistividade elétrica do meio investigado utilizando-se a equação: ρ = (ΔV/I).K (Ω.m), onde K = 2π.Gx sendo que o fator geométrico K depende da forma de disposição dos eletrodos de corrente (AB) e potencial (MN) no terreno. Neste caso, x corresponde ao espaçamento dos dipolos AB e MN adotados; e “n” ao nível ou profundidade investigada, considerando para o arranjo dipolo-dipolo, utilizado neste trabalho, G = 1/[(1/n)-(2/n+1)+(1/n+2)]. Mais detalhes acerca do métodos e arranjos geofísicos podem ser encontrados em Telford et al. (1990) e Reynolds (1997). Foram realizados dois caminhamentos elétricos, com 100m de extensão cada um. Para tais levantamentos, foi utilizado o eletrorresistivímetro SYSCAL Junior, fabricado pela IRIS Instruments (França). Este dispositivo vem equipado com 12 eletrodos de aço inox, quatro rolos de fio e cabos para conexão. A saída da corrente pode alcançar intensidade de até 1.250 mA, com voltagem de até 400V (800V de pico a pico) e potência de até 100W, possuindo filtros para 50 e 60 Hz, com redução de ruído.
Resultado e discussão
A área está situada a 25km (em linha reta) da margem esquerda do rio
Tocantins, e possui sua geomorfologia dominada por feições de topos
aplanados entrecortadas por vales de fundo plano, na Depressão do Tocantins
(BRASIL, 1981). Geralmente, na média encosta dos vales que entrecortam as
feições relacionadas ao Planalto Residual do Tocantins, nota-se o
desenvolvimento de cavernas de variadas dimensões, sendo as mais conhecidas
na região, aquelas situadas à margem direita do rio Tocantins (MORAIS;
ROCHA, 2011). Por se tratar de uma área sem mapeamentos geomorfológicos de
detalhe, as descrições do relevo local foram realizadas durante os trabalhos
de campo.
O clima predominantemente úmido subúmido com moderada deficiência hídrica,
com média anual de precipitação de 1500-1600 mm/ano e temperatura média
anual variando de 26-28ºC (MORAIS; ROCHA, 2011).
A área em questão pertence ao bioma Cerrado, com predomínio de vegetação
semidecidual com forte antropização nas porções mais planas, onde a
vegetação primária vem sendo progressivamente substituída por agricultura e,
principalmente, pastagens (SEPLAN, 2005).
No tocante à geologia, a feição estudada está hospedada por arenitos da
Formação Longá, sobrepostos às rochas, também sedimentares, da Formação
Cabeças, na Bacia do Parnaíba. A caverna possui um desenvolvimento de
176.79m, tendo sua boca situada nas coordenadas S 09º 40' 32,4" e W 48º 35'
31,1", no contato de um estrato mais resistente (crosta laterítica) e um
arenito mais friável, onde predomina o processo da carstificação (dissolução
do cimento carbonático e, posterior, instalação da erosão física). O mapa da
caverna, apresentado da figura 1, mostra que a mesma possui seu principal
conduto se desenvolvendo no sentido NE-SW. Após aproximadamente 70 m de
desenvolvimento, este conduto migra para o rumo Sul. A partir do mapa da
cavidade, é possível inferir que a mesma é controlada por fraturas maiores
(NE-SW), além de algumas NW-SE, responsáveis pelo desenvolvimento de
pequenos condutos laterais.
Sobre a gênese da caverna da Fumaça, entende-se que a mesma constitui uma
feição condicionada por grandes fraturas, sendo a mais significativa
desenvolvida na direção NE-SW. A feição foi escavada no arenito, tendo seu
teto suportado por um estrato mais resistente (siltito ferruginoso e
cobertura laterítica). Pelo fato de ter-se observado uma nascente a
aproximadamente 10 metros a jusante da boca da caverna, pode-se inferir que
esta possui sua gênese condicionada pela junção do controle estrutural e o
gradiente hidráulico da encosta arenítica. Após a abertura do conduto,
atuaria o processo arenização, com remoção do cimento da rocha encaixante e,
posterior, alargamento das galerias subterrâneas (CARREÑO; URBANI, 2004;
WRAY, 2009). Notou-se, ainda, uma é grande ocorrência de feições do tipo
“Bell holes” que, diferentemente das cúpulas de dissolução, não possui
correlação com circulação hídrica, sendo formadas posteriormente à abertura
das galerias.Os caminhamentos elétricos foram realizados utilizando-se o
arranjo Dipolo-Dipolo, e os dados foram processados (inversão geofísica) com
uso do software Res2Dinv. Os resultados são apresentados numa figura tripla,
onde a parte superior representa os valores obtidos diretamente em campo,
enquanto que os gráficos do meio e inferior representam os valores do modelo
teórico assumido (no caso os mínimos quadrados) e o produto da inversão,
respectivamente. Este procedimento transforma os dados quantitativos em
informações qualitativas, auxiliando na interpretação da pseudo-seção de
resistividade aparente (LOKE; BARKER, 1996). A linha CE-1 foi realizado nas
proximidades do final da caverna, buscando apontar a existência de vazios
que respondessem pelo desenvolvimento da cavidade neste ponto da encosta. Os
valores de profundida são baseados no modelo teórico de Edwards (1977).
Na figura 2, é possível notar que os valores mais elevados de resistividade
aparente (acima de 13.000Ω.m) estão situados nos primeiros 5 metros de
profundidade, o que, pelas observações de campo, pode ser atribuído à
cobertura laterítica, que sustenta o teto da cavidade. Já as duas zonas de
baixa resistividade, uma entre 20 e 43m da linha, e outra a partir dos 45m
até o final do caminhamento, corresponderiam às zonas de maior porosidade,
mas preenchidas por água (fraturas?). Fato que equilibraria seus valores de
resistividade de maneira mediana, tendo em vista que, apesar da presença de
água, a composição predominantemente quartzosa da rocha condiciona valores
de resistividade elétrica relativamente elevados (entre 5.000 e 10.000Ω.m).
No segundo caminhamento (Figura 3), é possível notar que a cavidade,
indicada pelos altos valores de resistividade (superiores a 13.500Ω.m),
ficou deslocada para o início da linha. Isso se deveu às dificuldades
impostas pelo terreno para se plotar o caminhamento de maneira que a
cavidade ficasse situada exatamente no centro do ensaio. Destarte o citado
deslocamento, é possível notar que o conduto principal da cavidade foi
detectado pelo levantamento geofísico, estando a mesma caracterizada pelos
altos valores, situados do início da linha até 50m. Vale ressaltar que a
variação da profundida das zonas atribuídas a presença da cavidade, deve-se
ao fato de haver um desnível de 4m entre as linhas CE-1 e CE-2.
Figura 1 – Mapa da caverna estudada com a situação dos ensaios geofísicos realizados.
Pseudo-seção do caminhamento à montante da caverna, CE-1.
Pseudo-seção do caminhamento realizado sobre a caverna, CE-2.
Considerações Finais
O presente estudo visou evidenciar possíveis controles estruturais no desenvolvimento de uma caverna arenítica na zona rural do município de Miracema do Tocantins. Dentre as possibilidades de análise de tais controle, os métodos geofísicos têm sido bastante utilizados em regiões de rochas carbonáticas. Contudo, as rochas areníticas ainda constituem minoria dos alvos de estudos espeleológicos e de Geomorfologia Cárstica, de maneira geral. A partir do mapeamento espeleológico, das observações de campo e dos ensaios de eletrorresistividade, é possível considerar que: (1) o gradiente hidráulico associado à variação na porosidade e, por consequência, na condutividade hidráulica das rochas das escarpas do Planalto Residual do Tocantins, induz a migração dos fluxos hídricos de maneira lateral, carreando o cimento carbonático da rocha arenítica, e desencadeando os processos de carstificação; (2) depois de abertos os condutos, a desenvolvimento das cavernas nesta região é controlado por processos de arenização (arenization) e incasão; em alguma zonas em que se supõe a ocorrência de condutos, mas que apresenta dificuldades, ainda hostilidade, à exploração direta, a geofísica se mostrou eficaz para detecção de condutos, além de confirmação do controle geológico estrutural. Finalmente, ressalta-se a necessidade da realização de mais ensaios geofísicos em outras cavernas na região, para evidenciar os condicionantes espeleogenéticos aqui enfatizados.
Agradecimentos
O presente estudo foi desenvolvido com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Tocantins, através do Programa de Pesquisa em Recursos Hídricos, processo nº 2014.20300.000009. Os autores agradecem ainda aos integrantes do Tocantins Espeleogrupo – TEG, pela ajuda nos trabalhos de campo.
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