Autores

Silva, G.A. (INSTITUTO DE GEOGRAFIA UFU) ; Nishiyama, L. (INSTITUTO DE GEOGRAFIA UFU)

Resumo

No Cerrado, desde os anos 1970, políticas de desenvolvimento de atividades agropecuárias tem contribuído para a ocupação e uso deste bioma, o que pode resultar em impactos negativos como as feições erosivas (sulcos, ravinas, voçorocas), que expressam na paisagem a simultaneidade de acontecimentos naturais e/ou humanos. Esta pesquisa se desenvolve a partir da demanda pelo estudo de um manancial, a Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço (BHRSL), apropriando-se de técnicas de geoprocessamento, ou seja, mapeamento de feições erosivas a partir de análise de fotografias aéreas e imagens de satélite, além de trabalhos de campo. O trabalho levantou um número de 1.773 ravinas e 104 voçorocas, sendo que o material litológico, o uso e ocupação, a declividade e os materiais inconsolidados foram determinantes para tais ocorrências destes processos erosivos.

Palavras chaves

processos erosivos acelerados; mapeamento; fluxo superficial

Introdução

No meio rural, embora tenha havido grande saída de contingente humano, o desenvolvimento das técnicas e a tecnologia tem proporcionado maior intensificação da produção na agropecuária, exploração mineral e de materiais para construção civil, dentre outros. O homem enquanto agente transformador tem aumentado as áreas exploradas e gerando maior pressão sobre os recursos naturais, seja para alimentar os povos, ou então, para suprir as indústrias com o fornecimento de matéria- prima. No Cerrado, especialmente após 1970, foram criados programas para proporcionar ocupação racional e ordenada de suas áreas. O resultado foi avanço da tecnologia no campo e aumento da produtividade, mas também gerou diversos impactos negativos, como: o empobrecimento genético; compactação e erosão dos solos; contaminação química das águas e da biota; rebaixamento do lençol freático nos vales das “veredas”; alteração no equilíbrio hidrogeomorfológicos das vertentes; sedimentação nos fundos de vales e diminuição da vazão dos mananciais (BACCARO, 2012). As feições erosivas (sulcos, ravinas, voçorocas) ocorrem em vertentes e expressam na paisagem a simultaneidade de acontecimentos naturais e/ou humanos. Podem se desenvolver em condições naturais, mas, na maioria dos casos, resultam da interferência humana. Além disso, é um grave problema ambiental e pode colocar populações em risco e gerar perdas financeiras. Embora se saiba que as intervenções do homem provocam transformações na base das atividades humanas (meio físico), pouco se tem realizado no intuito de minimizar seus efeitos danosos. Desta forma, é importante que o uso e aplicação de ferramentas modernas utilizadas nas variadas formas de uso e ocupação sejam estudados com rigor, de forma a analisar sua adequação ao meio ambiente, gerando mais benefícios do que prejuízos às populações. São necessários estudos que tenham como objetivos, conhecer os processos erosivos acelerados e as feições que deles derivam. Desta maneira, se podem realizar medidas corretivas e preventivas. Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço (BHRSL) possui grande importância para o abastecimento de água da cidade de Ituiutaba (MG), localizada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A captação realizada pela Superintendência de Água e Esgoto – SAE de Ituiutaba (MG) é oriunda, principalmente, do ribeirão São Lourenço. Além disso, a economia do município de Ituiutaba (MG) tem forte vínculo com a agropecuária, com presença marcante de frigoríficos e usinas sucroalcooleiras, sobretudo, na área da bacia, para os quais a água se constitui no recurso natural essencial para o seu desenvolvimento. Neste cenário, a pesquisa se desenvolve com a utilização das geotecnologias com o objetivo de mapear e diferenciar as feições erosivas ocorrentes na BHRSL, a qual se encontra a oeste do estado de Minas Gerais, na região do Pontal do Triângulo Mineiro, a sudeste da cidade de Ituiutaba (MG), delimita pelas coordenadas geográficas 49º27’ de longitude oeste e 18º56’ de latitude sul e 49º08’ de longitude oeste e 19º07’ de latitude sul. A bacia hidrográfica tem extensão aproximada de 295 km².

Material e métodos

O mapeamento das feições erosivas originou-se de uma análise direta por interpretação de imagens de satélite e fotografias aéreas, trabalhos de campo e procedimentos em SIG. As imagens orbitais foram geradas pelo satélite Rapideye, em junho de 2010, cuja resolução espacial é de 5 metros. Cinco imagens compuseram toda a área: 2230321, 2230322, 2230222, 2230223 e 2230323. Estas imagens, já processadas em uma composição colorida de cor natural, foram cedidas pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). Em relação às fotografias aéreas, utilizaram-se um mosaico de vinte fotografias aéreas, na escala 1:8.000, de novembro de 2005, cedidas pela Prefeitura Municipal de Ituiutaba. Nishiyama (1998) conceitua estes processos erosivos como acelerados por apresentarem formas que evoluem em curto espaço de tempo, horizontal e verticalmente, produzindo feições profundas do tipo ravinas e voçorocas, a partir de contribuições humanas. Nas áreas onde não foi possível observação em campo, a decisão pelo tipo de erosão (ravinas ou voçoroca) se deu pela observação dos seguintes critérios: sinais ou não de fluxo de água no interior da feição linear; presença ou não de vegetação no interior da forma e existência de sedimentos à jusante da feição erosiva. Nos resultados, consta o quadro 1, o qual representa a base para a conceituação e diferenciação das feições erosivas (laminar, ravinas e voçorocas), sobretudo para a distinção das duas últimas formas, pois elas podem apresentar estágios muito parecidos e nem todos os processos envolvidos na sua evolução podem ser identificados por avaliação de imagens. Considerou toda a bacia como potencial ao escoamento laminar, mapeando individualmente as demais feições no relevo (ravinas e voçorocas).

Resultado e discussão

O mapeamento das feições erosiva na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço, baseado no quadro 1, resultou num número de 1.773 ravinas e 104 voçorocas. Em algumas áreas houve uma grande concentração de ravinas, as quais estiveram relacionadas a características particulares da rocha (baixa permeabilidade) ou do material inconsolidado (matriz siltosa). Dentre estes locais pode-se destacar: as vertentes escarpadas; as porções de topo dos relevos residuais; arredores de terracetes e estradas; zonas de fraqueza (fraturas) do basalto no baixo curso; em rupturas de barreiras e curvas de nível mal executadas; e por exsudação por deslocamento de lateral no topo de camadas menos permeáveis. A alta declividade nas escarpas dos relevos residuais é susceptível a processos erosivos uma vez que favorece o escoamento de alta energia, ou seja, de grande velocidade. Além disso, o volume de água é ampliado por receber contribuições das porções de topo dos residuais, cujos elevados níveis de cimentação carbonática reduzem a capacidade de infiltração da água das chuvas, disponibilizando-a para o escoamento em superfície. Ainda há algumas áreas que exercem função de coletoras de fluxo superficial de água por apresentarem no relevo uma tendência de convergência do fluxo superficial para um único ponto, assemelhando-se aos anfiteatros. Desta forma, a encosta apresenta concavidade seja no perfil vertical quanto horizontal, tais características favorecendo o fluxo (transporte/erosão) no declive e deposição no fundo de vale. Grande número de ravinas foi observado em áreas de pastagem, seja nos caminhos feitos pelos gados (terracetes) ou então em locais com práticas de curvas de nível. Naturalmente os gados direcionam-se para locais onde há acumulo de água como: represas, córregos e lagos. Por serem locais topograficamente rebaixados, os caminhos gerados pelo pisoteio do gado tende a intensificar o escoamento superficial pela compactação do solo e remoção da vegetação nestas áreas topograficamente rebaixadas, gerando processos erosivos mais evoluídos (Figura 1). Já nas áreas de terrações em nível, por fotointerpretação identificou-se locais onde estes terraços não acompanham a cota altimétrica, ou seja, direcionando o fluxo de água para áreas mais baixas. Outras ocorrências estão vinculadas às zonas de grande concentração de água pluvial, provocando a ruptura da barreira construída a partir da curva de nível. Nas áreas do baixo curso, em particular, onde o relevo está estruturado pelo substrato geológico, a ocorrência de ravinas está condicionada pelos planos de fraqueza da rocha, as fraturas, que são comuns nas rochas basálticas. Há áreas singulares onde se acham presentes ravinas e outras feições erosivas mais evoluídas (voçorocas) (Figura 2). Materiais inconsolidados transportados apresentam variações de permeabilidade entre as camadas devido às características granulométricas e de cimentação. As camadas menos permeáveis funcionam como assoalhos que condicionam o nível de água subsuperficial. A exsudação de água, que na maioria das vezes originam cabeceiras de drenagem, é condicionada pela presença de níveis menos permeáveis subjacentes gerando processos erosivos pelo fluxo de água Embora as voçorocas se distribuam por praticamente toda a extensão da área em estudo, há predominância de ocorrências sobre os materiais residuais e transportados arenosos da Formação Marília. Apenas cerca de 2 % das voçorocas ocorrem em coberturas superficiais mais coesas e argilosas, como é o caso do material residual da Formação Serra Geral. As voçorocas típicas da área afetam espessos pacotes de material inconsolidado, com concentração de 60 % de areia pouco coesa e mais de 90 % delas estão em fase ativa. Os relevos residuais apresentam grande número de cabeceiras de drenagem. Estas por sua vez são grandes responsáveis pela ocorrência de erosões. Nas áreas de bordas dos relevos residuais, nota-se uma forte tendência ao fluxo rápido do escoamento superficial que é o gatilho para evolução e agravamento dos processos erosivos. A reduzida permeabilidade entre camadas resulta, dentre outros fatores, na diminuição da migração de água de infiltração e até mesmo na sua retenção vertical. Por outro lado, as águas retidas tendem a se tornar fontes naturais pela exsudação lateral, que na maioria das vezes coincide com o contato entre substrato rochoso e material inconsolidado. Ressalta-se que, além dos fatores comuns que ocasionam e intensificam os processos erosivos, e amplamente estudados, como: ausência de vegetação, altos índices de declividade e episódios chuvosos de grande intensidade, características particulares da área em estudo possibilitam maior ocorrência de ravinas e voçorocas na área, como podem ser notadas na Figura 3.

Quadro 1

Matriz conceitual para definir as feições erosivas

Figura 1

Exemplos de processos erosivos na BHRSL

Figura 2

Voçorocas em vários estágios

Figura 3

Mapa de Registros de Feições Erosivas

Considerações Finais

Em áreas com relativa estabilidade do material superficial, foi mapeado grande numero de feições erosivas, que sugere que estas podem estar vinculadas a outros fatores que predispõem o solo ao fluxo concentrado de água, como: pouca ou inexistente cobertura vegetal, compactação da superfície do solo, elevada declividade, pequena espessura do solo, dentre outros. O elevado número de feições erosivas presentes na bacia hidrográfica mostra que a carga de sedimentos que chega ao canal principal tende a ser elevada. Contudo, especialmente na época das chuvas, a carga sedimentar na água é muito maior, podendo resultar em maior custo para o tratamento da água. Em razão da importância deste canal fluvial para o abastecimento público de Ituiutaba (MG), acredita ser de extrema necessidade um plano de gestão de recursos hídricos na bacia hidrográfica do ribeirão São Lourenço. Neste âmbito, o trabalho aqui elaborado, pode ser base para este projeto indispensável e para novos estudos. Frente ao mapeamento executado, as características levantadas e descritas neste trabalho e aos diversos usos deste curso d’água, fica evidente a necessidade de elaboração de um ordenamento da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Lourenço.

Agradecimentos

Agradeço o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio financeiro para a realização da pesquisa de mestrado.

Referências

BACCARO, C. A. D. Processos Erosivos no Domínio do Cerrado. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S.; BOTELHO, R. G. M. Erosão e conservação dos Solos: conceitos, temas e aplicações (Org.). 8.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p.195-227.
NISHIYAMA, L. Procedimentos de mapeamento geotécnico como base para análises e avaliações ambientais do meio físico, em escala 1: 100.000: aplicação no município de Uberlândia – MG. 1998. São Carlos, 2v. 363f. Tese (Doutorado em Geotecnia). Escola de Engenharia de São Carlos. Universidade de São Paulo, 1998.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITUIUTABA. Mapeamento por fotografia aérea do município de Ituiutaba (CD-room).
SUPERINTENDÊNCIA DE ÁGUA E ESGOTOS DE ITUIUTABA. Histórico. Disponível em: < http://www.saeituiutaba.com.br/?arq=2>. Acesso em: 29 ago. 2010.