Autores
Cantanhede, V.P.P. (UINIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)) ; Amorim, R.R. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP))
Resumo
A análise morfométrica do relevo é um objeto bastante complexo, pois as verificações das medidas das formas de relevo apresentam variações a pequenas distâncias. Para resolver tais problemas, é fundamental a utilização de uma escala taxionômica, compatível com a escala cartográfica de representação que possibilite a análise dos aspectos morfométricos como a altimetria, a declividade, a orientação das vertentes e o comprimento dos canais. O objetivo desta pesquisa foi confeccionar um conjunto de mapas temáticos do Município de Campos dos Goytacazes na escala 1:25.000 utilizando de modelos digitais de elevação disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Verificou-se que no município de Campos dos Goytacazes (RJ) que a análise morfométrica deu suporte na compreensão da dinâmica dos três grandes compartimentos de relevo: (a) Depósitos Sedimentares Quaternários; (b) Depósitos Sedimentares Terciários; e, (c) Cinturão Orogênico do Atlântico.
Palavras chaves
morfometria; geomorfologia; geotecnologias
Introdução
Os dados topográficos fornecem variáveis fundamentais e são comumente requeridos nas análises ambientais (VALERIANO, 2008). A obtenção dos dados topográficos, mas comum são as cartas topográficas. Não podendo esquecer os modelos digitais de elevação do SRTM e do ASTER GDEM. As curvas de nível constituem uma importante fonte de dados para a realização de análises morfométricas da paisagem, uma vez que a partir de sua interpolação, pode-se extrair após a sua interpolação dados referentes a altitudes da área, assim como também aspectos importantes como a declividade do terreno e a orientação dos fluxos das vertentes (VALERIANO, 2008). Santos (2004) diz que os mapas morfométricos são produzidos geralmente pela transformação dos dados vetoriais das curvas de nível em dados matriciais, que por sua vez, são interpolados em softwares específicos para a geração do Modelo Digital de Terreno (MDT). A partir das informações de altitudes contidas nos MDTs processados, são criados os mapas de declividade em porcentagem, que resultam em classes de declividade (De Biasi, 1970 e 1972), como também os mapas de orientação de vertentes, e também é possível a construção de perfis latitudinais e longitudinais. Amorim (2011) salienta que quanto maior o número de variáveis na geração do MDT, melhor os produtos derivados. O autor afirma que não apenas as curvas de nível são imprescindíveis na interpolação do modelo, mas também os pontos cotados, a rede de drenagem, englobando rios, lagos, córregos além das áreas de inundação. Para Valeriano (2008), os estudos aplicados à caracterização da paisagem com variáveis morfométricas têm sido favorecidos com o desenvolvimento de métodos automáticos dessas variáveis, possibilitando que um mesmo MDT possa ser classificado em diferentes classes a depender do objetivo do mapa a ser utilizado. Para Valeriano (2002), o mapeamento das variáveis morfométricas do relevo em meio analógico é rígido, pois a representação cartográfica da declividade é simplificada e, funciona de acordo com as classes utilizadas nos sistemas de planejamento territorial, baseadas em critérios lógicos sobrepostos. O resultado cartográfico deste procedimento, conhecido como método do ábaco (De Biasi, 1970) compõe-se de polígonos de classes de declividade. A realização da analise morfométrica do município de Campos dos Goytacazes é importante, primeiro, porque esta porção do território é uma das áreas de povoamento pioneiro do litoral brasileiro, área em que a ação antrópica atua como ator na configuração da paisagem há séculos, e um exemplo dessa afirmação, e a construção de diversos canais para a drenagem dos lagos e lagoas que ocupam a planícies costeira quaternária; segundo, pois, a área tem sofrido transformações no uso e ocupação das terras, não considerando os níveis de fragilidade ambiental da área em estudo, o que acentua os problemas ambientais; e os parâmetros morfométricos podem orientar algumas formas de uso e ocupação.
Material e métodos
ÁREA DE ESTUDO O município de campos dos Goytacazes apresenta área de aproximadamente 4.040 km². Está situado na Região Norte do Estado do Rio de Janeiro, fazendo limite com o Estado do Espírito Santo, a norte, mais precisamente com o município de Presidente Kennedy. Também faz limite com outras Regiões do Estado do Rio de Janeiro: com a Região Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, ao fazer limite com os municípios de Bom Jesus de Itabapoana e Italva à noroeste; e com a Região Serrana, à sudoeste, fazendo limite com o município de Santa Maria Madalena. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para atender aos objetivos propostos deste trabalho, a primeira etapa foi a realização de uma revisão bibliográfica sobre a cartografia do relevo enfatizando a análise morfométrica do relevo, além de dados referentes aos aspectos físico-naturais da área em estudo. Outra etapa foi a definição da escala taxonômica que foi adotada. Como o objetivo proposto para este trabalho é a realização de uma análise morfométrica com subsídio ao planejamento em escala municipal, adotaremos então a escala 1:25.000. Definida a escala taxionômica de trabalho, foi proposta uma adaptação da metodologia exposta por Silva e Rodrigues (2009), que extraem dos dados morfométricos à partir das imagens do SRTM, e utilizar os modelos digitais de elevação (MDE) disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O uso de tais bases de dados possibilitou obtenção de dados com escala de maior detalhe. O primeiro passo foi fazer o download de todos os arquivos dos MDEs correspondentes a área do município de Campos dos Goytacazes-RJ no site do IBGE. Foram utilizados 37 arquivos no formato tif, que correspondem ao Projeto em execução pelo IBGE para a elaboração das Cartas Topográficas do Estado do Rio de Janeiro na Escala 1:25.000. De posse do banco de dados, foi necessário converter os dados do formato raster para ponto com uso do Software Arc GIS 10.3, no módulo Arc Tool Box, ferramenta Conversão de Raster para ponto, pois as bordas de cada MDE apresentavam valores de -32500, o que não correspondiam a altitude da área em estudo. Com o conjunto de arquivos no formato shapefile foi possível interpolar os pontos, gerando um Modelo Digital de Elevação (MDE) para a área em estudo. O objetivo da organização do Modelo Digital de Elevação (MDE) foi a elaboração de produtos cartográficos derivados do mesmo, como o Mapa Hipsométrico, do Mapa Clinográfico, o Mapa de Orientação de Vertentes e o relevo sombreado em ambiente de SIG. Como a área apresenta uma variação altimétrica que vai de 0 a mais de 1.000m, o Mapa Hipsométrico apresentara doze (12) classes para melhor representação dos desníveis altimétricos da área, quais sejam: ≤5m; 5┤10m 10┤25m 25┤50m; 50┤ 100m; 100┤250m; 250┤500m; 500┤750m; 750┤1.000m; 1.000┤1.250m; 1.250┤1.500m e ≥1.500m. O Mapa Clinográfico foi gerado a partir do modelo digital de terreno com o uso do software Arc GIS 10.3 no módulo ArcToolBox na ferramenta Superfície para Raster no comando Declividade. Como a esculturação do relevo apresenta extensa área plana, pois na planície costeira quaternária predominam baixas altitudes, foram adotadas oito classes na tentativa de representar a variação de declividade da área, não só nas parte serrana, as também na planície As classes definidas serão: ≤0,5%; 0,5┤1%; 1┤2%; 2┤5%; 5┤12%; 12┤20%; 20┤30%, 30┤47% ≥47%. Ainda no que tange as classes de Declividade, considerando a área de estudo, deu-se um maior destaque nas áreas da primeira classe (inferior a 2%) são consideradas as áreas com maior propensão a inundações. O Mapa de Orientação das Vertentes foi gerado a partir do modelo digital de terreno com o uso do software Arc GIS 10 no módulo ArcToolBox na ferramenta Superfície para Raster no comando Aspecto. Também foram construídos perfis topográficos latitudinais e longitudinais para o município de Campos dos Goytacazes para auxiliar nas discussões.
Resultado e discussão
O uso das ferramentas de geoprocessamento, possibilitou testar a viabilidade
no uso dos Modelos Digitais de Elevação (MDE) para a elaboração de mapas
temáticos que possibilitem dar o suporte no estudo do relevo.
Observando a Figura 01, nota-se que Campos dos Goytacazes
apresenta desníveis altimétricos bastante significativos: apresenta
aproximadamente 60% de seu território situado a altitudes inferiores a 20 m,
principalmente coincidindo com a área dos Depósitos Sedimentares
Quaternários (DSQ), compostos por materiais de origem fluvial, lacustre e
marinho, e o restante do território é constituído em sua maioria por
litoestrutura do Cinturão Orogênico do Atlântico (COA), chegando a atingir
mais de 1.600 metros de altitude.
Na zona limitiforme entre os DQS e a zona do COA, cerca de 10% da área do
município são recobertas rochas sedimentares da Formação Barreiras, que
correspondem aos Depósitos Sedimentares Terciários (DST).
Os DQS tem sua origem associada a uma série de eventos de sedimentação
quaternária. Tais sistemas deposicionais apresentam tanto origem
continental, como também transicional/marinho. Este conjunto faz limite, na
porção continental, com rochas do embasamento de diferentes litologias e
idades, e para o lado oceânico com uma ampla plataforma continental
constituída por uma sedimentação marinha quaternária, onde ocorrem depósitos
antigos e recentes que organizam-se discordantemente sobre as unidades
estratigráficas terciárias da Bacia de Campos.
Na área situada a altitudes inferiores a 20 m de altitude, identificam-se 03
(três) padrões de forma predominantes: a Planície de Formação Complexa; as
Planícies de Inundação e Terraços Fluviais; e os Terrenos Argilosos
Orgânicos de Paleolagunas Colmoltadas.
Após o cruzamento dos Mapas Hipsométrico, Clinográfico e de Unidades
Geológicas, estabeleceu-se uma correlação entre o nível altimétrico, a
declividade predominante e a litologia associada. Nas áreas situadas abaixo
dos 20 m de altitude, correspondem a 2.368,04 km². Essas predominam nos DSQ,
as declividades inferiores a 2%, o que corresponde a aproximadamente 43,55%
da área, o que torna a área sujeira a inundações, como as margens do Rio
Ururaí, no Bairro Ururaí e a localidade de Três Vendas, situada às margens
do Rio Muriaé que estão sofrendo nos últimos anos com as inundações
associadas as chuvas no verão.
Além do problema recorrente das inundações, é importante para as ações de
planejamento de ocupação de uso e ocupação das terras do município de Campos
dos Goytacazes identificar as diferentes classes de declividade para poder
subsidiar ações que minimizem impactos tanto na área urbana como mesmo na
área rural. Desta forma, é importante o dado de que cerca de 46,5% da área
dos DSQ situam-se entre 2 e 5% de declividade, e um pouco menos que 10% da
área estão acima de 5% de declividade.
Cerca de 510,25 km² do COA encontra-se áreas com altitude inferiores a 100 m
no principalmente na base de colinas, e nas áreas de fundo de vale.
Observando a Figura 01, observa-se que o desnível altimétrico passa a ser
mais acentuado. Nestas áreas situam-se as Escarpas Serranas que.apresentam
altitudes superiores à 500 m, atingindo altitudes acima de 1.300 metros. Tal
compartimento apresentam vertentes retilíneas a côncavas, por vezes
escarpadas, e com topos aguçados e/ou em cristas alinhadas. Na base das
vertentes, é possível identificar Depósitos de Tálus e Colúvios.
Nesta porção da área de estudo, situam-se as maiores altitudes,
ultrapassando os 1.666 m, e atingindo as declividades superiores a 20%
chegando a atingir em alguns pontos, declividades superiores a 30%, que
estão na área da Parque Estadual do Desengano, Unidade de Conservação que
extrapola a sua área para os municípios de São Fidélis e Santa Maria
Madalena.
Na porção norte do município pode-se notar a partir da observação do mapa
que Já as Escarpas Serranas Residuais situadas à Noroeste do município. Tais
Escarpas foram dissecadas pela ação fluvial e apresentam declividades
superiores a 20%, e têm, em média altitudes inferiores a 500 metros, mais
podendo atingindo 700 metros. Tal compartimento apresentam vertentes
retilíneas a côncavas, por vezes escarpadas, e com topos arredondados. Como
nas Escarpas Serranas, identifica-se na base das vertentes Depósitos de
Tálus e Colúvios. Associada ao compartimento, verifica-se o predomínio de
rios com padrão de drenagem dentrítico.
Nas áreas situadas abaixo dos 500 metros, pode-se observar a partir da
interpretação do relevo sombreado (elaborado a partir do MDE) formas de
relevo que caracterizam a paisagem como uma área de Planaltos Residuais,
que foram dissecados ao longo das Eras Geológicas.
A partir da interpretação visual do Relevo sombreado, associado as Figuras
01 e 02, pode-se identificar 03 (três) áreas que apresentam um conjunto de
formas predominantes: colinas, morros e morrotes.
Além dos Mapas Hipsométrico e do Mapa Clinográfico, foram gerados a partir
do MDE o Mapa de Orientação de Vertentes (Figura 03) e o Mapa de Hierarquia
de Drenagem. Reitera-se que, estes a criação desses mapas apresentou
vantagens e desvantagens nas diferentes áreas do município.
Nas áreas mais planas, situadas até 10 metros de altitude, a presença de
áreas com vegetação de brejo e áreas periodicamente inundadas ao entorno das
Lagoas situadas no município, fizeram com que, a rede de drenagem nestas
porções do município não correspondessem a realidade. Inúmeros canais
paralelos e retilíneos foram gerados principalmente nas áreas de brejo e
inundação, mostrando que, este recurso não é adequado para áreas muito
planas e com grandes corpos hídricos.
Para as áreas serranas o Mapa de Hierarquia de Drenagem como o Mapa de
Orientação de Vertentes apresentou o mesmo nível de confiabilidade que os
Mapas Hipsométrico e Clinográfico. Para estas áreas, tais produtos
cartográficos podem dar suporte à ações de planejamento ambiental, pois a
Hierarquia de Drenagem, principalmente a identificação de canais de primeira
ordem, é fundamental para a implantação de políticas e ações na conservação
da Mata Ciliar e preservação das nascentes. O Mapa de orientação de
Vertentes é importante, principalmente em ações voltadas ao reflorestamento,
pois ele é capaz de indicar a direção da incidência da radiação solar, além
de apontar a direção dos fluxos de água preferências da superfície.
Mapa que representa as classes de declividade da área em estudo.
Mapa que representa a distribuição das classes de declividade (em %) da área em estudo.
Mapa de orientação de vertentes da área em estudo.
Considerações Finais
O Modelo Digital de Elevação (MDE) obtido a partir da interpolação dos pontos extraídos do MDE disponibilizado pelo IBGE é uma fonte de dados para a construção de mapas temáticos que possam subsidiar o planejamento ambiental. Para o município de Campos dos Goytacazes, que as Cartas Topográficas de maior escala foram produzidas na década de 1970, na escala 1:50.000, a elaboração dos Mapas Hipsométrico e Clinográfico possibilitou um maior detalhamento da área com altitudes inferiores a 20 metros. Para a área serrana, é possível a extração da rede de drenagem, que, conforme trabalhos de campo. Nas áreas de inundação e de brejo, verificou-se problemas na extração da drenagem, pois o modelo gerou inúmeros canais temporários em áreas alagadas periodicamente, assim como interior de lagoas, como a Lagoa de Cima e a Lagoa Feia. Nas áreas planas, foi necessário fazer uma correção baseada na interpretação de imagens de satélite Alos Prism e em jornadas de trabalho de campo.
Agradecimentos
A Fundação Carlos Chagas de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pela bolsa de iniciação científica.
Referências
AMORIM, R. R. Análise Geoambiental como subsídio ao uso e ocupação das terras da zona costeira da Região Costa do Descobrimento (Bahia). 2011. 260p.Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade Estadual de Campinas, 2011.
DE BIASI, M. A Carta clinográfica: Os métodos de representação e sua confecção. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 6, p. 45-60, 1992.
DE BIASI, M. Cartas de declividade: Confecção e utilização. Geomorfologia, São Paulo, n. 21, p 8-12, 1970.
VALERIANO, M. M. Dados Topográficos. In: FLORENZANO, T. G. Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. 72-104p.
VALERIANO, M. M. Mapeamento da declividade em microbacias com Sistemas de Informação Geográfica. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. Campina Grande-PB. n. 7 n. 2, p. 303-310, 2003.