Autores
Rios, I.Q. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA) ; Vale, R.M.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA)
Resumo
Busca-se realizar análise morfométrica da Depressão Sertaneja Meridional Médio-Baixo Paraguaçu e estabelecer correlações entre o balanço morfogênese- pedogênese, identificando os processos preponderantes que agem na dinâmica atual dos relevos, enquanto representação do contexto geomórfico semiárido. A partir das variáveis relevo sombreado, altimetria e curvas de nível, extraídas do Modelo Digital de Terreno foi possível identificar uma diversidade de formas de relevos fortemente controladas por falhas e/ou fraturas. Solos rasos, adjacentes à perfis maduros e desenvolvidos, e encostas íngremes, contrastam com superfícies planas e rebaixadas, onde extensos pedimentos são ocupados por agropecuária. A baixa densidade de cobertura vegetal, ora resultado dos processos incipientes de formação dos solos, ora, dos usos das terras, é notável. A região é, assim, geomorfologicamente heterogênea e apresenta particularidades na espacialização dos processos evolutivos.
Palavras chaves
SIG; MDT; Morfogênese
Introdução
A extensão territorial do estado da Bahia permite abrigar uma diversidade de ambientes e de paisagens, onde inúmeras formas de relevo se agrupam em compartimentos regionais representados por Tabuleiros, Planaltos, Pediplanos, Serras, Patamares, Mares de Morro, Chapadas e Chapadões. As Depressões Periféricas e Interplanálticas ou Depressão Sertaneja Meridional (DSM), é o maior compartimento do relevo baiano e se estende pelos sertões secos do domínio morfoclimático semiárido. São superfícies de erosão onde estão instaladas as bacias dos rios de Contas, São Francisco, Paraguaçu, Vaza-Barris e Itapicuru. Constituem relevos planos e em baixas altitudes, formados por pedimentos e pediplanos limitados por planaltos adjacentes, elaborados a partir da dissecação de rochas, sobretudo, do embasamento cristalino do Proterozóico Inferior e do Arqueano, e, em parte por substrato sedimentar de idades diversas (BAHIA, 1978, 1980, 2003). A gênese destas superfícies aplainadas ainda motiva grandes discussões no campo científico da geografia física. Neste sentido, identificar seus compartimentos geomorfológicos pode elucidar dinâmicas e processos que atuam na sua evolução atual ou podem evidenciar semelhanças com dinâmicas e processos pretéritos que lhes deram origem. As depressões predominam no relevo do nordeste brasileiro e, à Bahia corresponde sua porção meridional. O setor que abriga o médio/baixo curso do rio Paraguaçu é a área onde foi desenvolvida a pesquisa aqui apresentada. Pretende-se realizar análise morfométrica do relevo e estabelecer correlações entre o balanço morfogênese-pedogênese, identificando os processos geomórficos preponderantes que agem na dinâmica atual dos relevos e da paisagem, enquanto representação do contexto bioclimático semiárido, que tratam dos mecanismos responsáveis pela elaboração de superfícies aplainadas e morros residuais. Caracterizar os relevos e formas correlatas da Depressão Sertaneja Meridional Médio-Baixo Paraguaçu (DSM-P) mostra-se relevante por contribuir com os estudos sobre a gênese e a evolução de paisagens em ambientes semiáridos, colaborando com a construção teórica sobre as superfícies de aplainamento, além de instrumentalizar o planejamento e a gestão do território.
Material e métodos
Para conhecer e delimitar a área em estudo foi consultada a tese de Valadão (1998) que teve por objetivo avaliar a evolução de longo-termo do relevo do Brasil a partir das superfícies de aplainamento - chamada por ele Superfície Sul-Americana II. A DSM-P foi aqui definida obedecendo critérios predominantemente associados às variáveis geomorfológicas obtidas no modelo digital do terreno da Shuttle Radar Topography Mission-SRTM - altimetria, unidades geomorfológicas, padrões de formas e rede hidrográfica. O levantamento teórico discutido por Salgado (2007) e considerações preliminares de Santos e Salgado (2010), sobre uma porção da DSM-P, também contribuiu para o desenvolvimento dos objetivos. Estas referências foram importantes diante da pouca produção acadêmica sobre o estudo do relevo da Depressão Sertaneja Meridional, bem como da inexistência de trabalhos com o recorte espacial aqui proposto. Sob uma perspectiva mais ampla, consiste em um sistema complexo que reflete a interação entre múltiplos elementos do cenário ambiental da região.Os padrões de formas da região podem revelar dinâmicas erosivas distintas – de acumulação ou de denudação (ROSS, 1992). Ambas, apesar de serem apresentadas de forma categórica, interagem antagonicamente num processo complexo – o balanço morfogenético. Esse processo evidencia as dinâmicas da paisagem e suas expressões na evolução do relevo.O modelo proposto por Henri Ehrart em 1956 traz à luz as concepções de biostasia e resistasia, as quais indicam condições ambientais contrastantes e excludentes. Na resistasia a erosão lateral é mais ativa do que a vertical, como se verifica nos domínios semiáridos, ou seja, com maior morfogênese em detrimento da pedogênese. A cobertura vegetal é pouco expressiva e favorece o aplainamento, e esta passa a ser a dinâmica geomorfológica dominante (VITTE, 2006). As premissas deste modelo, adequadas para as realidades morfo-pedo-climáticas da DSM-P, formaram as bases conceituais das discussões conduzidas neste estudo. Foram utilizados mapas do estado da Bahia disponíveis no SIG-Bahia (BAHIA, 2003), numa escala de 1:1.000.000, como subsídio para o estudo e para a caracterização ambiental e geomorfológica inicial da área. Em seguida, foram analisadas as variáveis morfométricas extraídas do MDT (Modelo Digital de Terreno) a partir dos subprodutos, relevo sombreado, altimetria e curvas de nível, para nortear a identificar os relevos e seus compartimentos.
Resultado e discussão
Inserida na Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, a DSM-P está localizada
entre as coordenadas UTM 328.736 e 498.961 e 8.573.412 e 8.742.619, e se
estende até os interflúvios marginais à depressão, abrangendo áreas de 18
municípios localizados à montante da Barragem Pedra do Cavalo. A DSM-P
possui uma área de 14.580 Km², 27% da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu
(54.604,07Km²) e encontra-se, predominantemente, sobre embasamento
cristalino ígneo e metamórfico do Arqueano e Proterozóico, formados há mais
de 545 milhões de anos. De forma pontual, coberturas sedimentares Cretáceas,
de idade em torno de 65 milhões de anos, compostas por lateritas são também
encontradas.A análise morfométrica tem sido bastante discutida para domínios
tropicais úmidos e sub-úmidos (CHRISTOFOLETTI, 1980, 1999; TONELLO, 2006;
TEODORO et al, 2007). Porém, para o semiárido, há necessidade de ampliar os
estudos e definir parâmetros e índices que sejam adequados à alta
sazonalidade climática e aos longos períodos de seca, época em que a função
hidrológica e geomórfica da drenagem deixa de atuar, evidenciando processos,
formas de relevo e dinâmicas evolutivas da paisagem, diferenciados (RIOS e
VALE, 2014a). Os processos hídricos envolvidos no desenvolvimento do
modelado nessas regiões só são ativos nos episódios chuvosos, os quais
possuem amplitudes contrastantes — muito acentuada nos aguaceiros
torrenciais, e muito sutis nas chuvas intermitentes. Desse modo, a incisão
linear pluvial ocorre em períodos em que o escoamento superficial mostra-se
fortemente capaz de criar pequenos canais que juntos tecem a rede de
drenagem e alimentam o rio principal. No entanto, na maior parte do tempo,
constituem leitos de regimes efêmeros ou intermitentes que só apresentam
fluxo quando das precipitações (RIOS e VALE, 2014ª, p.408-409). Em outras
palavras, entende-se que os processos físicos exercem funções preponderantes
na evolução da paisagem no semiárido. O contexto bioclimático permite que a
água, agente modelador, atue principalmente de forma mecânica – na remoção e
transporte de sedimentos – do que química, por meio dos processos de
intemperização. A dinâmica da água nos canais de escoamento, interpretada
junto às formas e dimensões do relevo, pode elucidar as dinâmicas erosivas
da DSM - P, bem como de outras regiões secas, além de evidenciar a
predominância e espacialização de processos morfopedogenéticos (agradação e
degradação). A erosão fluvial conta com o pacote de detritos grosseiros no
leito do rio que, a partir do atrito gerado durante o transporte, promove o
entalhamento do talvegue. No entanto, a capacidade de erosão do rio e,
portanto, de remobilização de materiais, também apresenta variações
sazonais, aumentando potencialmente apenas durante os períodos chuvosos. Os
canais fluviais, como níveis de base local, são entulhados por materiais
vindos de porções mais elevadas do relevo, trazidos por enxurradas difusas,
anastomosadas. As áreas de maior altitude (300 a 780m), zonas de degradação,
correspondem a cristas e topos de serras (nos municípios de Ipirá,
Itaberaba, Iaçu, Itatim e Santa Terezinha) e morros residuais (em Serra
Preta, Anguera, Ipecaetá, Candeal e Tanquinho) – figuras 1. A partir da
análise das litologias e das formas de relevo a elas associadas é possível
identificar diferentes morfologias, que evidenciaram o forte condicionamento
geológico/litológico sobre a configuração dos relevos. A dimensão das formas
reflete as propriedades do substrato rochoso, tais como, composição
mineralógica e resistência ao intemperismo, grau e frequência de fraturas e
falhas, taxas de intemperismo, dentre outras. O setor oriental da DSM - P
diferencia-se morfologicamente do ocidental. Ambos setores se encontram em
mesma altitude, porém, o primeiro exibe um conjunto de morros residuais (a)
– sobre Gnaisse granulítico, Monzogranito, Quartzo Monzonito, Sienogranito –
em oposição às serras alinhadas e blocos rochosos (b) – em Charnockito,
Charnoenderbito, Enderbito, Paragnaisse, Quartzito, Rocha Calcissilicática
(BAHIA, 2003) – mais consistentes e em maior proporção, no setor ocidental
(Figura 1). A heterogeneidade dessas morfologias, ambas sobre embasamento
cristalino e domínio climático semiárido, advém de fatores estruturais,
sobretudo do adensamento de falhas e fraturas, dos litotipos e da relação
mineralogia-resistência-erosão diferencial. A partir da variável relevo
sombreado é possível identificar de forma mais realçada a rugosidade do
terreno (Figura 2). Fica ainda mais evidente o controle geológico/estrutural
na orientação do relevo, assim como, observar os relevos tabulares de bordas
levemente dissecadas, na margem esquerda do rio Paraguaçu (a) – sobre
Sedimentos Detrito-Lateríticos, onde se desenvolvem LATOSSOLOS VERMELHO-
AMARELOS Distróficos. Em menor altitude (181 a 300 m), distinguem-se os
pedimentos retocados por drenagem, superfícies planas entalhadas, formando
vales abertos e pouco proeminentes, cobertos em sua maior extensão por
PLANOSSOLOS HÁPLICOS Eutróficos solódicos. O intervalo entre 74 e 181 m,
menores altitudes da DSM - P – zonas de agradação, corresponde às planícies
aluviais dos canais que drenam para a barragem Pedra do Cavalo. São áreas
onde o potencial erosivo é reduzido e a deposição de materiais detríticos
mostra-se mais eficiente, processo pelo qual o nível de base é elevado
gradativamente. O decaimento do relevo é melhor visualizado a partir das
curvas de nível. Foi estabelecida uma equidistância de 50 metros entre as
curvas, intervalo que permite individualizar segmentos do relevo e sua
transição (Figura 3). É possível discriminar elementos como: planície
aluvial (150 e 200m), topos tabulares (isolinhas de 200 e 300m), serras e
morros residuais (acima de 300m com mudança abrupta de intervalo). O mapa de
curvas de nível da DSM - P evidencia o predomínio de superfícies planas e
baixas, exceto em relevos mais movimentados no quadrante leste. A influência
do relevo nos processos de erosão é dada principalmente em função da
declividade e do comprimento das vertentes, uma vez que, encostas íngremes
facilitam a erosão, na medida em que aumenta o escoamento e o transporte de
material detrítico-sedimentar (RIOS e VALE, 2014; VITTE e MELLO, 2007). Na
DSM - P as maiores declividades concentram-se nas serras e morros residuais
(Figura 4) cujas encostas entre 16,3 e 129,8%, íngremes e curtas, são
reflexo de fraturas, ou mesmo falhas, onde são dispostos, principalmente,
NEOSSOLOS LITÓLICOS Eutróficos. São também resultantes do recuo paralelo das
vertentes, conforme descrito na Teoria da Pediplanação (KING, 1956). Com
declividade entre 0 e 7,6%, as depressões e os topos dos tabuleiros
representam as áreas mais planas e horizontalizadas da DSM-P. Correspondem a
superfícies deprimidas que podem abrigar dinâmicas de acumulação, receptoras
de sedimentos oriundos dos relevos mais elevados de entorno, ou dinâmicas de
dissecação relacionadas aos fluxos superficiais temporários e efêmeros.
Consistem em áreas que apresentam tendências de contínuo aplainamento, ao
considerar uma dinâmica efetiva de erosão laminar, ou seja, sobre
superfícies já planas, a horizontalização é condicionada pelo espalhamento
do material detrítico-sedimentar durante as enxurradas, promovendo o
retrabalhamento das formações superficiais.
Mapa de altimetria da DSM – Médio/Baixo Paraguaçu. a) Conjunto de morros residuais, b) Serras alinhadas e blocos rochosos.
Mapa de relevo sombreado da DSM – Médio/Baixo Paraguaçu. a) Relevos tabulares de bordas levemente dissecadas.
Mapa de Curvas de Nível da DSM – Médio/Baixo Paraguaçu.
Mapa de declividade da DSM – Médio/Baixo Paraguaçu.
Considerações Finais
A análise morfométrica permitiu estabelecer as relações entre os compartimentos do relevo, suas formas, os processos geomórficos preponderantes e o balanço morfogênese-pedogênese a eles associados. Os produtos cartográficos gerados possibilitaram uma melhor representação e interpretação das interações entre solos, litologia, cobertura e uso das terras, declividade, altimetria, relevo sombreado e formas de relevo. Existe uma heterogeneidade de formas fortemente controladas por falhas e/ou fraturas onde são encontrados sobretudo solos pouco evoluídos sobre amplos pedimentos, entrecortados por serras e agropecuária. Considerando os pressupostos do conceito de bioresistasia de Erhart (1956), certifica-se que o balanço agradação-degradação, não apresenta relação direta com a pedogênese- morfogênese em ambientes secos. Potencialmente, áreas onde se tem o predomínio de processos deposicionais apresentam condições favoráveis para o desenvolvimento pedogenético. Porém, de forma efetiva isso não se estabelece, visto que, a insuficiência hídrica do sistema, e a baixa incidência dos processos químicos e orgânicos, mostram-se fatores limitantes. Deste modo, há que se estabelecer critérios próprios para ambientes semiáridos, que leve em conta os longos períodos secos, onde o sistema passa por uma desaceleração na dinâmica evolutiva, que passa ao largo do observado em situações de maior eficiência hídrica.
Agradecimentos
Referências
BAHIA. CEPLAB. Mapa geomorfológico do Estado da Bahia. Salvador: CEPLAB, 1980. Escala 1:1.000.000. BAHIA. Mapa Geológico do Estado da Bahia. Secretaria das minas e energia - coordenação da produção mineral - projeto Radam-Brasil, 1978. BAHIA. SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOREFERENCIADAS – SIG-BAHIA. Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos –SIRH. Salvador: Superintendência de Recursos Hídricos, 2003. 2 CD – Rom. CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2ª ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1980. CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo: Edgard Blücher, 1999. KING, L, C. A Geomorfologia do Brasil Oriental. Revista Brasileira de Geografia, Ano XVIII n° 2, 1956. RIOS, I. Q.; VALE, R.M.C. Morfometria do relevo como subsídio para a análise da desertificação na bacia hidrográfica Vaza-Barris-Ba. REVISTA GEONORTE, Edição Especial 4, V.10, N.1, p.276-282, 2014. (ISSN 2237-1419) RIOS, I. Q.; VALE, R.M.C. O contexto climatobotânico da bacia hidrográfica Vaza-Barris e suas relações com o processo de desertificação. In: Anais VI Congreso Iberoamericano de EstudiosTerritoriales y Ambientales. São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014a. ROSS, J. L. S. O registro cartográfico dos Fatos Geomórficos e a Questão da Taxonomia do Relevo, Rev. do Depto. Geografia, FFLCH-USP, São Paulo, n.6, p.17-29, 1992. SALGADO, A. A. R. Superfícies de aplainamento: antigos paradigmas revistos pela ótica dos novos conhecimentos geomorfológicos Geografias. Belo Horizonte 03(1) 64-78 janeiro-junho de 2007. SANTOS, J. M. dos; SALGADO, A. A. R. Gênese da superfície erosiva em ambiente semi-árido - Milagres/ba: considerações preliminares. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. especial VIII SINAGEO, n. 1, Set. 2010. TEODORO, V. L. Et al. O conceito de bacia hidrográfica e a importância da caracterização morfométrica para o entendimento da dinâmica ambiental local. REVISTA UNIARA, n.20, 2007. TONELLO, K. C.; DIAS, H. C. T.; SOUZA, A. L. de; RIBEIRO, C. A. A. S.; LEITE, F. P. Morfometria da bacia hidrográfica da Cachoeira das Pombas, Guanhães – MG. R. Árvore, Viçosa-MG, v.30, n.5, p.849-857, 2006. VITTE, A. C. Breve história de geomorfologia no Brasil. 2006. VITTE, A. C.; MELLO, J. P. de. Considerações sobre a erodibilidade dos solos e a erosividade das chuvas e suas consequências na morfogênese das vertentes: um balanço bibliográfico. In: Climatologia e estudos da paisagem. Rio Claro - Vol 2 - n.2 - Julho/Dezembro/2007, p. 107.