Autores

Silva, F.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Lima, C.A.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Nunes, J. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Souza, P.A.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Souza, F.F.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Marques Neto, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

Este estudo apresenta os resultados obtidos do mapeamento geomorfológico, realizado em escala de 1/50.000, para a bacia hidrográfica do ribeirão Carrancas, localizada no sul de Minas Gerais e compreendida dentro dos Domínios dos Remanescentes de Cadeias Dobradas, na porção do Planalto do Alto Rio Grande. Como aporte metodológico utilizou-se do Manual Técnico de Geomorfologia (NUNES, et al. 1994), buscando compreender a dinâmica dos modelados a partir da relação morfoestrutura/morfoescultura. A compartimentação da bacia se baseou na interpretação das métricas do relevo (declividade, profundidade de dissecação e dimensão interfluvial), que conjuntamente permitiram definir e diferenciar os modelados de dissecação homogênea e estrutural, contribuindo também na definição do modelado de agradação. Por fim, foram inseridos símbolos pontuais e lineares referentes às formas de relevo simbolizadas.

Palavras chaves

Mapeamento geomorfológico; Bacia do ribeirão Carrancas; compartimentação

Introdução

A complexidade advinda dos inúmeros processos que conformam o relevo terrestre faz com que a sua representação se mostre como um grande desafio para os geomorfólogos, principalmente pelo fato do objeto estudado, o relevo, se encontrar constantemente exposto a inúmeros processos genéticos e dinâmicos. Nesse sentido, os desafios colocados para a cartografia geomorfológica são inúmeros, visto que a representação do relevo deve abranger vasto rol de processos ligados à dinâmica da paisagem, devendo compreender assim tanto os aspectos morfológicos, morfométricos, morfoestruturais, morfocronológicos e morfodinâmicos das paisagens terrestres, abarcando, portanto, o maior número possível de elementos de geodiversidade. A cartografia geomorfológica se constitui em importante instrumento na espacialização dos fatos geomorfológicos, permitindo representar a gênese das formas do relevo e suas relações com a estrutura e processos superficiais, permitindo que se estabeleça uma espacialidade para o relevo e para os processos operantes no domínio das vertentes e canais fluviais. Tricart (1965) afirma que o mapa geomorfológico deve ser compreendido como a base da pesquisa, e não a concretização gráfica da pesquisa realizada, tendo em vista sua importância e significado para a compreensão das relações espaciais, sintetizadas através da espacialização das formas de relevo. Afirma-se, portanto, como um instrumento essencial para o planejamento na medida em que fornece informações de grande valia acerca das potencialidades e restrições de uso do espaço. Ao se elaborar uma carta geomorfológica é preciso garantir a representação de elementos descritivos do relevo, desvendar seus aspectos genéticos fundamentais identificando a natureza dos fatos geomórficos, bem como datar as formas de relevo encontradas (ROSS, 1996). O mapa geomorfológico por si só é um instrumento essencial ao planejamento, atendendo a diversos fins, que podem ser de ordem política, ambiental, jurídica, entre outros, visto que a partir da identificação dos compartimentos e de suas características métricas (declividade, amplitude, profundidade de dissecação, dimensão interfluvial) e dinâmicas (processos superficiais operantes) fica mais seguro o estabelecimento de estratégias de gerenciamento do território, minimizando os conflitos de uso da terra vigentes e propondo formas coerentes de uso em consonância às potencialidades e restrições, físicas e jurídicas, de cada contexto geomorfológico. Nesse sentido, é importante que conjuntamente ao mapa geomorfológico se tenha uma legenda abrangente que sistematize de forma coerente e resoluta a distribuição dos fatos geomórficos e as relações espaciais engendradas pelo relevo, maximizando assim sua utilidade no contexto da gestão territorial. A partir das premissas gerais da cartografia geomorfológica, o presente paper divulga os resultados do mapeamento geomorfológico levado a efeito para a bacia hidrográfica do ribeirão Carrancas (Carrancas, MG), acionando-se princípios metodológicos usuais na cartografia geomorfológica, subsequentemente elucidados.

Material e métodos

A base de dados foi elaborada a partir das cartas topográficas do IBGE na escala de 1:50.000, utilizando as folhas de Itutinga (SF-23-X-C-I-4) e Minduri (SF-23-X-C-IV-2). O mapa geomorfológico foi executado segundo a proposta de Nunes et al. (1994), pela qual as ordens de grandeza são organizadas nos seguintes táxons: 1º: Domínio Morfoestrutural; 2º: Regiões Geomorfológicas; 3º: Unidade Geomorfológica; 4º: Modelados; 5º: Formas de Relevo Simbolizadas. O presente trabalho se estabeleceu na 4ª ordem de grandeza, diferenciando-se os modelados de agradação (A) e dissecação (D) (homogênea e em controle estrutural), em demanda ao 5° táxon, que representou fatos geomóficos pelo uso de símbolos. Os caracteres em caixa alta, que representam os tipos genéticos fundamentais, são seguidos por letras minúsculas que se referem às formas de relevo mapeadas, assim como à forma dos topos classificadas em aguçados (a), tabulares (t) e convexos (c). A nomenclatura geral dos modelados de dissecação foi estabelecida segundo a proposta do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) (PONÇANO, et al. 1981), que diferencia relevos em morros, morrotes, colinas e montanhosos (cristas, escarpas, etc.) a partir do declive das encostas e da amplitude altimétrica local. O trato morfométrico foi dado pelo cálculo da profundidade de dissecação e dimensão interfluvial, seguido da elaboração de um quadro síntese (matriz de dissecação) que permite mensurar o grau de dissecação do relevo, dado que a combinação dos referidos parâmetros permite evidenciar elementos referentes à fragilidade do modelado. Para a construção da matriz inseriu-se a dimensão interfluvial nas colunas e a profundidade de dissecação nas linhas, sendo atribuído para os atributos valores de 1 a 5, o que resultou em 25 correlações, onde a situação (11) representa um cenário de fragilidade mais baixa e situação (55) define o quadro de maior fragilidade. Em outro nível de abordagem foram inseridos os símbolos, que representam elementos inerentes ao 5° táxon, que normalmente representa fatos geomórficos relativos aos processos atuais, como focos de erosão laminar ou concentrada, afloramentos rochosos, anomalias de drenagem, meandros abandonados, capturas fluviais, morfologias antropogênicas como estradas e cavas de mineração, etc. Essas feições de relevo, em decorrência da limitação escalar, foram representadas a partir da operacionalização do software ArcGis 10.3 (ESRI, 2015), adotando como estratégia a adoção de zooms nas feições representadas por simbologias e sincronicamente realizando o pareamento dessas feições com imagens do Google Earth. O mapa geológico apresentado foi gerado a partir das folhas Lavras (SF.23-X- C) e Caxambu (SF.23-X-C-IV) (CODEMIG, 2013), ambas na escala de 1:100.000, permitindo um maior entendimento da base estrutural da área de estudo. Tais informações foram representadas no mapa geomorfológico a partir de rampas de cores. A compartimentação do relevo foi subsidiada pelo uso de a imagem de radar SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), empregada tanto para a compartimentação inicial a partir dos elementos texturais da imagem como para obtenção da declividade, através das ferramentas de Spatial Analyst/Superfície/Declividade contidas no ArcGis 10.3. O documento cartográfico gerado foi reclassificado em intervalos manuais obtendo 6 classes: <6%, 6-15%, 15-30%, 30-45%, 45-75% e >75%. Com as cartas topográficas georreferenciadas se reclassificou o mapa de declividade somente nas classes de 0-15% e >15. Após a reclassificação se alterou as propriedades do mapa, de modo que o mesmo sobrepusesse as cartas topográficas com transparência de 75%, visualizando-se todas informações das cartas topográficas dispostas em nível inferior nas camadas, permitindo, conjuntamente com a profundidade de dissecação, um discernimento mais profícuo dos modelados, assim como as formas dos topos, o que amplia as possibilidades de delimitação dos compartimentos e subdivisões dos mesmos.

Resultado e discussão

A bacia hidrográfica do ribeirão Carrancas possui uma área de aproximadamente 65,86 km², e pode ser localizada pelas coordenadas 44°42’29” e 38°34’14 de longitude oeste (W) e 21°31’10” e 21°26’40” de latitude sul (S), estando completamente inserida na porção territorial do município de Carrancas. Pode ser hierarquizada como uma bacia de 5ª ordem (para a escala adotada no presente estudo), segundo a classificação de Strahler (1952). A base morfoestrutural da área de estudo permite a distinção de dois compartimentos principais, um formado por modelados de dissecação em controle estrutural emoldurado sob litologias quartzíticas e o outro emoldurado em modelados de dissecação homogênea, vinculado a uma base litológica gnáissica, sendo que o ribeirão Carrancas explora essa zona de contato litológico secionando os dois compartimentos e se adaptando ao controle estrutural, que congrega rochas mais resistentes a erosão fluvial. Oportunamente, cabe enfocar que o mapa geológico (Figura 1) está diretamente correlacionado com o primeiro nível de abordagem, permitindo assim uma compreensão do arranjo morfoestrutural da bacia, conforme discutido anteriormente. No caso, o relevo montanhoso em cristas alongadas e as superfícies de cimeira mantidas nesse sistema geomorfológico encontram-se emoldurados em agrupamento de quartzitos e filitos; no setor correspondente à baixa vertente, onde tem-se a configuração de um reverso menos declivoso, o substrato é composto basicamente por quartzito com muscovita esverdeada. Os padrões de forma em morros e colinas, por seu turno, ocorrem em litologias gnáissicas, que dão margem a mantos de alteração mais profundos e com maiores teores de argila. A carta de declividade (Figura 2) possibilitou estabelecer uma clara relação dos intervalos com os compartimentos definidos. A partir das informações clinográficas foi possível definir a distribuição das porções deposicionais, assim como realizar subdivisões nos setores serranos, diferenciando serras altas, com declives superiores a 45%, serras baixas com predomínio da declividade superior a 30% e inferior a 45%. Os patamares de cimeira, por sua vez, apresentam declividades variando de 0% a 15%, correlatas às porções onde imperam os processos deposicionais. Com relação aos modelados de dissecação homogênea, é notável o predomínio de declives variando de 15% a 30%. Isto posto, apresenta-se a carta geomorfológica na Figura 3. A princípio, cabe ressaltar que as serras quartzíticas que compõem grande parte da bacia demarcam o domínio dos modelados de dissecação em controle estrutural (DE), sendo caracterizadas e subdivididas pelos setores dos patamares de cimeira (DEc), serras altas (DEa) e serras baixas (DEb). Segundo Marques Neto (2012) essa condição de superfície de cimeira e a considerável continuidade territorial das morfologias em questão define um geoambiente destacadamente individualizado nas cristas quartzíticas, dado por uma paisagem litólica revestida por campos rupestres altamente adaptados aos diaclasamentos presentes na rocha aflorante, onde também se configura um padrão de drenagem paralelo ao decaimento do terreno; nesses setores é notável o elevado número de afloramentos rochosos, assim como de vales estruturais confinados. Nos modelados de dissecação homogênea (D) correspondente ao compartimento de colinas e morrotes (Dcmr) predominam declives mais suavizados comportando parte considerável da área urbanizada da bacia. As coberturas superficiais são mais desenvolvidas, e encontram-se impactadas pelo pisoteio do gado e processos erosivos associados, dominantemente laminares. As rampas de colúvios (Arc) e as planícies fluviais (Apf), correspondem aos modelados de agradação ocorrentes na área de estudo. As feições deposicionais em rampas estão arranjadas a partir do controle estrutural das cristas quartzíticas, área fonte dos sedimentos que imbricam em rampas retilíneas em demanda ao fundo do vale do ribeirão Carrancas, que desenvolve considerável planície fluvial favorecida pelo intemperismo diferencial processado no contato litológico entre os metarenitos e os gnaisses. O rio entalha com veemência seus depósitos aluvionares, dando margem ao desenvolvimento de processos pedogenéticos e formação de Gleissolos; no baixo curso, a interceptação de uma falha transcorrente determina o estrangulamento da planície, impondo em alguns trechos do canal a modificação de uma orientação de E-W para N-S, o que modifica os processos hidrodinâmicos pelo aumento da energia cinética e do transporte de materiais de maior ordem granulométrica. O emprego de símbolos para representação de formas permitiu a averiguação de algumas feições relacionadas à dinâmica fluvial, como meandros abandonados e pontos de anomalia. É importante destacar que essas feições são correspondentes a quinta ordem de grandeza, e que nem sempre se fazem plenamente visíveis na escala trabalhada. Para fins de minimização de tais restrições inerentes à cartografia geomorfológica, resolveu-se o emprego do recurso de zoom (Figura 4). Entre os fatos geomórficos representados por símbolos pontuais e lineares estão as redes de ravinas (Figura 4.A) formadas sob coberturas arenosas a partir da concentração do escoamento superficial, favorecido pela fisionomia aberta dos campos rupestres e campos limpos que ocorrem nas cristas quartzíticas. Recursos gráficos em símbolos também foram empregados na representação de células de arenização que se desenvolvem no contexto das serras quartzíticas, litologias estas que, apesar de resistentes ao intemperismo químico, não apresentam a mesma resistência ao intemperismo físico, dada sua alta susceptibilidade ao desplacamento, conformando assim solos rasos de composição arenosa. A arenização constitui, portanto, um processo natural nas cristas quartzíticas, e se desenvolve na medida em que o quartzito fragmentado em areias quartzosas é exposto e estas são espalhadas pela ação hídrica e eólica em contexto fitogeográfico não florestal; inequivocamente, a supressão da vegetação pelo fogo, pastagens e outros usos incompatíveis tendem a catalisar o processo. Demarcando o intenso dinamismo do sistema fluvial da bacia em estudo, apresenta-se a Figura 4.C, representativa de uma faixa de meandros abandonados, marcando reorganizações recentes da rede drenagem. Por fim, representou-se na Figura 4.D uma clara evidencia do controle estrutural do contexto serrano sobre o rio principal, onde se enseja uma deflexão abrupta do canal sob a forma de um “cotovelo”, oferecendo assim claros indícios da sobreposição do controle tectono-estrutural, exercido pelas serras quartzíticas aos processos deposicionais.

Figura 1.

Mapa geológico da bacia hidrográfica do ribeirão Carrancas.

Figura 2.

Mapa de declividade da bacia hidrográfica do ribeirão Carrancas.

Figura 3.

Mapa geomorfológico do ribeirão Carrancas.

Figura 4. Zooms em feições simbolizadas.

A) Rede de ravinas; B) foco de arenização em substrato quartzito; C) meandros abandonados; e D) deflexão abrupta próximo ao exutório da bacia.

Considerações Finais

A metodologia acionada se mostrou adequada à elaboração de cartas geomorfológicas em escala de semidetalhe, servindo de forma resoluta ao mapeamento da bacia do ribeirão Carrancas, possibilitando a diferenciação dos compartimentos fundamentais, dos principais elementos de fragilidade e processos operantes. O quadro litológico da bacia permitiu ainda a representação de parâmetros morfoestruturais a partir da resistência das rochas e coberturas de alteração associadas. Também foi exequível uma representação proficiente de elementos morfoestruturais e morfodinâmicos a partir das feições de relevo simbolizadas, o que permitiu a incorporação de fatos geomórficos mais detalhados no corpo do mapa. A abordagem de Ponçano et al. (1981) para o estabelecimento da nomenclatura dos modelados de dissecação revelou restrições na área de estudo no que se refere a distinção entre morrotes e colinas, sendo o campo preponderante para alinhavar tais diferenciações. Findando, é válido destacar que os recursos disponíveis em softwares de geoprocessamento têm se revelado importante aliado nos estudos voltados para a cartografia do relevo, facilitando sintetizar as inúmeras informações que o mapa geomorfológico deve contemplar. Desse modo, o produto final se projeta como um importante instrumento para gestão territorial, proporcionando aos gestores um diagnóstico coerente do quadro ambiental, abarcando as potencialidades conjuntamente às vulnerabilidades das paisagens em seus diferentes arranjos.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas concedidas.

Referências

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