Autores

Rocha, T.B. (UERJ) ; Silva, J.C. (UERJ) ; Costa, M.A. (INEFI - BÚZIOS) ; Machado, B.A. (UERJ)

Resumo

O objetivo do presente trabalho é fomentar a divulgação da geodiversidade das dunas costeiras entre Cabo Frio e Búzios, através de trabalhos de campo para alunos do ensino fundamental, visando a conscientização da geoconservação e da educação ambiental. A experiência do trabalho de campo permitiu a compreensão do conceito de geodiversidade, uma vez que os alunos tiveram contato com tipos diferentes de dunas costeiras, onde destacam-se as dunas frontais, que são fixas por vegetação, com função de proteção da costa; e as dunas barcanóides, que se movimentam pela planície e podem soterrar corpos lagunares e edificações. Outras questões foram abordadas como os impactos antrópicos, a importância das Unidades de Conservação e a importância dos mapas como instrumentos para a compreensão de conceitos da geografia como escala, orientação e localização.

Palavras chaves

Dunas costeiras; Geodiversidade; Educação ambiental

Introdução

No Brasil, destaca-se o conceito de geodiversidade do Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2006) como sendo “o estudo da natureza abiótica (meio físico) constituída por uma variedade de ambientes, composição, fenômenos e processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas, minerais, águas, fósseis, solos, clima e outros depósitos superficiais que propiciam o desenvolvimento da vida na Terra, tendo como valores intrínsecos a cultura, o estético, o econômico, o científico, o educativo e o turístico”. De acordo com Thomas (2012) a geodiversidade possui quatro componentes principais: 1- mineralógica, relacionado aos tipos de rochas; 2- paleontológica, relacionado aos registros de fósseis encontrados nas rochas que são importantes testemunhos sobre a história da Terra; 3- estrutural e tectônica, que aborda a evolução de continentes e oceanos; 4- geomorfológica, que tem relevância direta na compreensão e evolução das paisagens, onde o presente trabalho encontra-se ancorado. Nesse sentido, o litoral destaca-se como uma área geográfica de extrema geodiversidade, com relação às paisagens e aspectos geomorfológicos. Especificamente, o litoral brasileiro destaca-se pela sua extensão, com cerca de 8.500 km, e pela ocorrência de paisagens extremamente diversificadas decorrentes das diferentes condições de herança geológica, condições climáticas e condições oceanográficas (Brandão, 2008). Dentre os tipos de paisagens encontradas no litoral, destacam-se as dunas costeiras que podem ser definidas como feições geomorfológicas que se desenvolvem em praias arenosas, onde existe aporte de sedimentos abundantes oriundo principalmente da zona submarina (figura 1). Quando estes sedimentos chegam à praia através da ação das ondas, as dunas costeiras podem se formar através do transporte eólico em direção à costa (Davidson-Arnott, 2010). As dunas costeiras podem apresentar diversas morfologias podendo ser do tipo duna frontal, parabólicas, barcanoides e transgressivas (Hesp e Walker, 2013; Fernandez et al. no prelo) e dinâmicas diferenciadas, podendo ser fixas no espaço pelo efeito da vegetação ou livres, movimentando-se pela planície costeira ou mesmo avançando sobre edificações. No litoral fluminense, as principais ocorrências de dunas costeiras estão concentradas entre o Cabo Frio e o Cabo Búzios, na Região dos Lagos. Devido às características climáticas menos úmidas, associado aos efeitos de ressurgência; a disponibilidade de sedimentos finos oriundos das praias dissipativas; e a constante ação dos ventos de mar pra terra, de direção predominante NE, as dunas costeiras apresentam uma relevante geodiversidade no litoral do Rio de Janeiro (Fernandez et al. 2009). Recentemente, parte dessas dunas foi inserida no Parque Estadual da Costa do Sol (PECSOL), tornando-se ainda mais propícias às atividades de educação ambiental e divulgação do conceito de geodiversidade. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é fomentar a divulgação local da geodiversidade das dunas costeiras, através de trabalhos de campo para alunos do ensino fundamental. Especificamente no contexto da educação básica, reconhecer os elementos da geodiversidade através de trabalho de campo pode reforçar a identidade do aluno com o seu lugar de vivência, contribuindo para a conscientização da geoconservação, do geoturismo e da educação ambiental. Cabe ressaltar que, apesar da vocação costeira que possui o estado do Rio de Janeiro em termos de histórico de ocupação, atividades econômicas e paisagens naturais, não há nenhum tema específico sobre paisagens costeiras, bem como nenhuma menção ao conceito de geodiversidade nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs; Brasil, 1998) ou Currículo Mínimo de Geografia (SEEDUC, 2012), embora esses instrumentos possuam temas relacionados à dinâmica da Terra e tópicos como “Dinâmicas Naturais e suas relações” e “Paisagens naturais brasileiras”, no caso do 6° e 7° séries do Ensino Fundamental.

Material e métodos

Para divulgar o conceito de geodiversidade e seus aspectos, a partir de exemplos nas dunas costeiras, optou-se pela realização de trabalhos de campo nas áreas inseridas no PECSOL ou próximas a ele, entre os municípios de Cabo Frio e Armação de Búzios (figura 1). Essa atividade foi realizada com os alunos do Ensino Fundamental da escola municipal INEFI (Instituto de Educação e Formação Integral Judite Gonçalves), que estavam inscritos na oficina de Educação Ambiental, organizado pelo professor Marco Antônio da Costa, licenciado em Geografia. Essa oficina faz parte da grade extra- curricular, no contexto da formação integral do município. A metodologia do trabalho de campo foi composta pelas etapas de preparação e execução, conforme discutido em Bento e Araújo (2014). A etapa de preparação consistiu justamente na escolha da escola, dos locais de visitação do trabalho de campo, dos elementos de geodiversidade que deveriam ser trabalhados no campo e na preparação de materiais como mapas e fotografias. Nesse sentido, essa etapa foi concretizada na forma de uma apresentação na unidade física da escola (em maio de 2015), com a presença do professor responsável pela oficina e pelos alunos inscritos. A etapa de execução consistiu em dois trabalhos de campos (em julho e agosto de 2015) realizados em pontos com diferentes tipos de dunas costeiras. Além dos alunos e o professor responsável, participaram também os Guarda-parques do PECSOL, e membros da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, participantes do projeto de extensão Projeto GeoPECS: Geodiversidade costeira no Parque Estadual da Costa do Sol (PECSOL). Cabe ressaltar que os micro-ônibus utilizados no transporte regular dos alunos à escola, foram fundamentais à atividade de campo. Eles transportaram os alunos aos pontos previamente escolhidos, nos horários que não estavam sendo utilizados para o transporte regular. Esta ação necessitou de autorização prévia da Secretaria Municipal de Búzios.

Resultado e discussão

Na atividade de preparação, concretizada na forma de uma apresentação e primeiro encontro com os alunos, foi apresentado o conceito de geodiversidade, as características da geografia física local e foram manuseados mapas sobre as dunas costeiras da região. Na primeira atividade referente à etapa de preparação, foi traçado um paralelo com o já conhecido conceito de biodiversidade. Através da semântica da palavra “geodiversidade” e do seu significado, os alunos participaram da construção de uma definição apropriada ao seu ciclo de aprendizagem. Sobre as características da geografia física local, foram apresentados aspectos sobre o clima e os tipos de paisagens costeiras, como praias, costões, cabo, restingas, lagoas e dunas. Neste contato houve uma interessante troca entre os alunos, a partir da vivência local e de suas experiências particulares, oriundas, sobretudo das atividades de lazer. Não à toa, dentre entre as paisagens apresentadas, as praias foram as mais citadas; e as dunas costeiras, mesmo fazendo parte do cenário local eram menos conhecidas. Nesse sentido, foi preciso trabalhar também a definição de dunas costeiras, através de fotografias e mapas. No primeiro trabalho de campo, realizado nas dunas frontais da praia de Tucuns (município de Búzios), os alunos entraram em contato com os ambientes de praia e dunas, visto que era importante ressaltar a interação entre eles. Os alunos observaram as ondas levando os sedimentos para a praia; os ventos atuando na direção de mar pra terra e transportando os sedimentos mais finos para as dunas frontais. Especificamente, neste tipo de duna, os alunos observaram a característica de proteção que ela promove à costa frente ação das ondas (principalmente de ressacas) e a presença da vegetação pioneira do tipo Ephomea, responsável por fixar as dunas na planície (figura 2). Através de uma caminhada ao longo da enseada de Tucuns, também foram observados impactos de origem antrópica, como retirada da vegetação e erosão da duna frontal devido à passagem de motocicletas; e a destruição de parte das dunas frontais para construção de um resort, fora dos limites do PECSOL. No segundo trabalho de campo, realizado na enseada da praia do Peró (município de Cabo Frio), os alunos observaram outros tipos de dunas costeiras, como a megaduna e as barcanóides. Nessa primeira, a altura (de aproximadamente 25 metros) e a extensão dessa feição surpreenderam os alunos, já que na enseada de Tucuns eles tiveram contato com dunas pouco extensas e com no máximo 6 metros em relação ao mar. No caso das barcanoides, eles verificaram uma morfologia de meia-lua que coalesce com outras, cujos pés são voltados para o sentido do vento (Sudoeste). Não possuíam vegetação e se deslocavam no sentido do vento (figuras 3A e B). Neste caso, os alunos também caminharam em direção à lagoa e verificaram o processo de soterramento por parte dessas dunas costeira (figura 3C) e, inclusive, o abandono de um condomínio de casas residenciais, devido ao risco do avanço das dunas. Nos dois trabalhos de campos, os alunos puderam manusear mapas sobre as dunas costeiras locais que foram produzidos por membros da Universidade, que foram publicados e apresentados em congressos, como Fernandez et al. (2009) e Pereira et al. (2010). Além disso, esses mapas permitiram aos alunos a atividade de interagir e comparar a representação de uma área num plano reduzido em duas dimensões com o espaço real, em três dimensões (Figura 3D). Nesse sentido, os alunos trabalharam a noção de escala e também a de localização, uma vez que os mapas possuíam coordenadas geográficas e Norte geográfico. Com auxílio deste último, os alunos ainda compreenderam a importância da orientação do vento para a formação das dunas costeiras.

Figura 1

Fragmentos do PECSOL e a localização dos trabalhos de campo. (Mapa: modificado do INEA)

Figura 3

A e B: Dunas barcanóides na planície do Peró; C: Soterramento da lagoa pelo avanço das dunas; D: Manuseio de mapas no trabalho de campo.

Figura 2

Alunos em contato com a duna frontal e ambiente de praia. Importante para a compreensão da formação das dunas costeiras e sua geodiversidade.

Considerações Finais

A experiência do trabalho de campo permitiu a compreensão do conceito de geodiversidade, uma vez que os alunos tiveram contato com tipos diferentes de dunas costeiras, onde destacam-se as dunas frontais, que são fixas por vegetação, restrita e longitudinal à praia, com função de proteção da costa; e as dunas barcanóides, que não possuem vegetação, se movimentam pela planície, possuem morfologia de meia-lua e podem soterrar corpos lagunares e edificações. Outras questões como os impactos antrópicos, a importância das Unidades de Conservação e a importância dos mapas como instrumentos para a compreensão de conceitos da geografia como escala, orientação e localização também foram abordados. A realização de atividade de trabalho de campo em escolas públicas é considerada difícil de ser implementada. Nesse sentido, destacam-se como elementos que possibilitaram ou facilitaram essa execução, o sistema de ensino integral e a formação da oficina de Educação Ambiental da escola alvo; e a ação integrada entre o professor responsável da oficina, os membros da Universidade, secretaria municipal de educação e os membros do PECSOL. Esta integração permitiu a divulgação de conhecimentos mais restritos ao ambiente acadêmico para alunos do Ensino Fundamental, professores das escolas e guarda-parques do PECSOL; além da permissão para a utilização dos micro-ônibus no contra-turno para o transporte dos alunos, considerado fundamental para a realização dos trabalhos de campo.

Agradecimentos

Referências

BENTO, L.C.M.; ARAÚJO, M.S. Geoturismo e geoconservação: uma prática de campo. I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014.
BRANDÃO, R.L. 2008. Regiões costeiras in CPRM, Geodiversidade do Brasil: conhecer o passado, para entender o presente e prever o futuro, 264p.
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CPRM. 2006. Mapa geodiversidade do Brasil. Escala 1:2.500.000. Legenda expandida. Brasília: CPRM/Serviço Geológico do Brasil, 68 p. CD-ROM.
DAVIDSON-ARNOTT, R. 2010. An Introduction to Coastal Processes and Geomorphology. Cambridge University Press.
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GRAY, M. 2004. Geodiversity: valuing and conserving abiotic nature. Londres: John Wiley & Sons Ltd.
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PEREIRA, T. G.; OLIVEIRA FILHO, S. R.; CORRÊA, W. B.; FERNANDEZ, G. B. Diversidade dunar entre Cabo Frio e o Cabo Búzios (RJ). Revista de Geografia (Recife), v. especial, nº 3, p. 250-263, 2010
THOMAS, M. 2012. Geodiversity and Landscape Sensitivity: A Geomorphological Perspective. Scottish Geographical Journal Vol. 128, Nos. 3–4, 195–210.