Autores
Pereira, T.F. (UFSM) ; Garcia, M.S. (UFSM) ; Scalamato, A.T. (UFSM) ; Souza, B.S.P. (UFSM)
Resumo
A Geografia é a ciência que estuda a organização do espaço. Essa organização abrange certa dinâmica a qual envolve a percepção do sujeito e sua influência no modo como este age sobre o ambiente. Partindo da hipótese do conhecimento geográfico como possibilidade de um estudo integrado, o artigo tem como objetivo refletir sobre a perspectiva holística na ciência geográfica. Para atingir o objetivo proposto fez-se uma revisão bibliográfica a respeito dos temas: ciência geográfica, a visão holística, geomorfologia, percepção, que deu subsidio para a formulação de uma discussão teórica que contemplasse a influência da visão holística na ciência geográfica. A pesquisa dos diversos aspectos geográficos abordados leva a acreditar que, o estudo geográfico condiz com a própria perspectiva holística, e a partir dela o geógrafo consegue estabelecer uma visão ampla e detalhada da paisagem.
Palavras chaves
Geografia; Visão holística; Percepção
Introdução
A Geografia pode ser vista como uma ciência que estuda a dinâmica do espaço geográfico, o qual envolve as inter-relações entre os aspectos físicos, econômicos, políticos, sociais e culturais. Essa dinâmica abrange a percepção do sujeito, que influencia o modo como ele age sobre o ambiente ao alterar a paisagem positiva ou negativamente. Partindo da hipótese do conhecimento geográfico como possibilidade de um estudo integrado, o artigo tem como objetivo refletir sobre a perspectiva holística na ciência geográfica. Para tanto, fez-se uma revisão bibliográfica a respeito dos temas: ciência geográfica, visão holística, geomorfologia, e percepção, o qual deu subsidio para a formulação da discussão teórica. O artigo apresenta dois subtítulos nos quais as reflexões versam sobre a Geografia como um estudo integrado, e sobre Geomorfologia e percepção da paisagem, sendo que este último se subdivide em três itens: Geomorfologia e percepção da paisagem. O texto se propõe a apresentar alguns conceitos que subsidiam a pesquisa geográfica, para assim desenvolver um estudo integrado e dessa forma possibilitar a compreensão dos elementos envolvidos no processo. De acordo Souza (2015) a Geografia como um estudo integrado enfatiza que ao fazer-se uma análise geográfica ocorre a própria análise integral da paisagem, do mesmo modo Christofoletti (1999), reafirma sobre a visão holística da ciência como sendo um sistema integrado, e também Orellana (1981) que faz referência conjunto de relações integradas pela Geografia.
Material e métodos
Para discutir sobre Geomorfologia e percepção da paisagem, foi necessário rever estes conceitos e buscar um elo de ligação entre ambos. Ao abordar o conceito de Geomorfologia, observa-se que esta é um ramo da Geografia que possibilita entender as configurações da paisagem. Segundo Christofoletti (1980 p. 1) “a geomorfologia é a ciência que estuda as formas de relevo. As formas representam a expressão espacial de uma superfície, compondo as diferentes configurações da paisagem morfológica”. Essas, envolvem questões ambientais surgidas das relações homem-ambiente, com um caráter integrador para assim compreender a evolução espaço-tempo (GUERRA e CUNHA, 1996). Com relação à percepção da paisagem destacam-se alguns autores, tais como Chauí (1995) que aborda a relação estabelecida entre a percepção, os sentidos e os estímulos externos; também Austin (2004) argumenta que os dados dos sentidos e coisas materias não se excluem, a percepção está atrelada a ambos; Souza (2006) contextualiza a percepção na Geografia abordando a influência daquela na leitura de mapas, podendo estes serem representações da paisagem. Na Geomorfologia Social, Ross (1996) fala sobre os sistemas ambientais naturais e as intervenções humanas, também Orellana (1981) trata da evolução tecnológica, organização social e diferenças culturais que influenciam na percepção do sujeito com relação ao meio ambiente.
Resultado e discussão
1 - Geografia como um estudo integrado
A Geografia subdivide-se tradicionalmente nas áreas humana (econômica,
política, social e cultural) e física (relevo, hidrografia, clima e
vegetação), o que favorece certo aprofundamento do conhecimento nas suas
especialidades, sendo, contudo, possível a união destes conhecimentos,
resultando em um estudo com uma visão holística. Para Christofoletti (1999,
p. 4) “[...] a concepção de que o todo possui propriedades que não podem ser
explicadas em termos de seus constituintes individuais”.“[...] O holismo
também leva à formulação de que a Ciência se constitui em um sistema
integrado, complexo, e não como coleção de disciplinas e setores
disparatados” (CHRISTOFOLETTI 1999, p. 4).
Neste sentido o estudo geográfico apresenta o conhecimento de forma
integrada como possibilidade para compreender o todo a partir das inter-
relações das partes. Para o entendimento dessas inter-relações, faz-se
necessário a interligação das áreas humanas e também nas áreas físicas.
Essa tendência funcional de organização pode ser reconhecida em várias
categorias de “conjuntos”, levando à doutrina de que o funcionamento global
(do todo) afeta as suas partes componentes, sendo contrária à análise
isolada, pois as partes não poderiam ser estudadas e compreendidas
individualmente. (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 4)
Na perspectiva holística percebe-se o objeto de estudo como um todo, baseado
nas interligações e suas influências em um sistema maior, sendo justificado
o estudo das partes para compreender o todo do objeto.
Souza (2015, p.23) argumenta que “[...] fazer uma análise geográfica
holística constitui um pleonasmo, posto que a análise geográfica é a própria
análise integral da paisagem, é a análise que leva em consideração os
aspectos físicos e humanos do espaço”.
Logo, a Geografia possui uma visão abrangente do mundo, e é uma área do
conhecimento que contribui para entendimento de outras áreas da Ciência..
Esse conhecimento coopera para que o geógrafo seja reconhecido por
pesquisadores de outras áreas como sendo capaz de realizar um estudo
integrado. Lovelock (1991, apud SOUZA, 2015) vê o geógrafo como um dos
poucos cientistas que vêem a Terra como um todo, ou seja, a Geografia
possibilita a formação integral do sujeito para que este possa interpretar a
natureza como um todo (ORELLANA, 1981).
2 - Geomorfologia e a percepção da paisagem
2.1 – Geomorfologia
Conhecer o espaço através do estudo da Geomorfologia possibilita entender as
configurações da paisagem.
Através da perspectiva holística, a análise das formas do relevo nos leva a
compreender a ação dos agentes naturais e antrópicos que atuaram e atuam na
modelagem topográfica, sendo esta, responsável pelo conhecimento das
relações que são estabelecidas entre os agentes modificadores e o espaço
alterado.
A Geomorfologia possibilita uma integração com as Ciências Ambientais e
procura compreender a ocupação desse espaço no decorrer do tempo (GUERRA e
CUNHA, 1996). Assim, “[...], a Geomorfologia é o fio condutor entre os
diversos segmentos que constituem o quadro ambiental” (GUERRA e CUNHA, 1996,
p. 13). Preocupa-se com questões surgidas da relação que o homem estabelece
com a natureza. Ela apresenta
[...] um caráter integrador, na medida em que procura compreender a evolução
espaço-temporal dos processos do modelado terrestre, tendo em vista escalas
de atuação desses processos, antes e depois da intervenção humana, em um
determinado ambiente. (GUERRA e CUNHA, 1996, p. 348- 349)
Com o avanço tecnológico a relação homem-ambiente se apresenta como
intervenção positiva ou negativa, dependendo da percepção que o sujeito
possui do ambiente.
2.2 - Percepção da paisagem
Ao se trabalhar com percepção é impossível não estabelecer uma relação com
os sentidos, pois a percepção está atrelada a estes. Segundo Chauí (1995)
percepções são sínteses de sensações. A autora estabelece uma discussão
entre as duas grandes concepções sobre a sensação e a percepção que fazem
parte das tradições filosóficas conhecidas como a empirista e a
intelectualista.
Para os empiristas, a sensação e a percepção dependem das coisas exteriores,
isto é, são causadas por estímulos externos que agem sobre nossos sentidos e
sobre o nosso sistema nervoso, recebendo uma resposta que parte de nosso
cérebro, volta a percorrer nossos sistema nervoso e chega ao nosso sentidos
sob a forma de uma sensação [...], ou de uma associação de sensações numa
percepção. [...] Para os intelectualistas, a sensação e a percepção dependem
do sujeito do conhecimento e a coisa exterior é apenas a ocasião para que
tenhamos a sensação ou a percepção. Nesse caso, o sujeito é ativo e a coisa
externa é passiva, ou seja, sentir e perceber são fenômenos que dependem da
capacidade do sujeito para decompor o objeto em suas qualidades simples (a
sensação) e de recompor o objeto como um todo, dando-lhe organização e
interpretação (a percepção) (CHAUÍ, 1995, p.120).
Existe, portanto, uma oposição de ideias. Os empiristas postulam que a
percepção parte dos estímulos externos, enquanto para os intelectualistas a
percepção depende do conhecimento do sujeito.
Para Austin (2004) é importante a compreensão de que os termos, “dados dos
sentidos” e “coisas materiais” alimentam-se um ao outro. Ou seja, não há a
exclusão de um ou de outro. A percepção está atrelada tanto aos sentidos
como às coisas materiais.
No caso da Geografia, a percepção está contida nas formas de apropriação do
conhecimento, uma vez que, este procura compreender o ambiente. Assim,
[...] em Geografia, muito se fala hoje em percepção, principalmente em
percepção ambiental. Alguns vinculam a percepção aos estímulos causados pelo
ambiente nos órgãos dos sentidos, outros encaram a percepção como sendo a
forma como as pessoas entendem ou percebem o ambiente ou algum aspecto dele,
ou seja, como uma atitude proposicional frente a determinadas situações.
Ocorre que essa aparente dualidade do conceito de percepção vincula-se à
forma como se entende a consciência. (Souza, 2006, p. 3)
Sendo assim, a percepção da paisagem acontecerá como função do conhecimento
do sujeito, frente aos aspectos físicos, sociais, econômicos, políticos e
culturais.
Como paisagem entende-se que
[...] não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, numa
determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo
dialeticamente, uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e
indissociável, em perpétua evolução. (BERTRAND G. e BERTRAND C., 2007, p.7 e
8)
Ressalta-se que a paisagem é dinâmica como estabelece Goudie (1989), apud
Guerra e Marçal (2006, p. 126) "[...] envolve muitos processos e sistemas
complexos, que podem agir isoladamente e/ou interagir entre si, podendo
destacar-se o sistema antrópico [...]" que influenciam direta ou
indiretamente sobre os sistemas ambientais.
O sujeito que percebe a paisagem precisa ter uma perspectiva holística sobre
os elementos nela contidos, para compreender as relações que a influenciam
no âmbito local e global. Logo,
[...] considerando a paisagem como uma entidade global, admite-se
implicitamente que os elementos que a constituem participam de uma dinâmica
comum que não corresponde obrigatoriamente à evolução de cada um dentre eles
tomados separadamente. (BERTRAND G. e BERTRAND C., 2007, p.21)
Assim, a paisagem precisa ser entendida como uma entidade global,
constituída por elementos formados em diferentes momentos (tempo), e que
hoje atuam nela de forma integrada.
Com relação à ação humana, essa atuação terá influência da percepção que o
sujeito tem em relação a este espaço, e tendo esta, uma relação com o
conhecimento desse sujeito, é influenciada pelos demais elementos físicos,
sociais, econômicos, políticos e culturais, justificando assim, a ideia de
paisagem como uma entidade global.
Considerações Finais
Os aspectos geográficos, discutidos nessa pesquisa orientam para que os estudos geográficos sejam trabalhados e fundamentados com a perspectiva holística, por se acreditar que é a partir dela que o geógrafo consegue estabelecer uma visão ampla e detalhada da paisagem. Espera-se que este estudo possa contribuir e fomentar discussões e reflexões entre geógrafos e profissionais de outras áreas que fazem uso dos conhecimentos geográficos, sobre a importância e a também necessidade de assumir a visão holística em suas pesquisas, em especial naquelas que se propõem a compreender a constituição e configurações das paisagens.
Agradecimentos
Referências
AUSTIN, John Langshaw. Sentido e Percepção. Tradução: Armando Manuel Mora de Oliveira. 2ª edição - São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BERTRAND, Georges et BERTRAND, Claude. Uma geografia transversal e de transversais: o meio ambiente através dos territórios e das temporalidades. Messias Modesto dos Passos (org.). Maringá: Ed. Massoni, 2007.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5ª edição, São Paulo. Editora ática S.A. 1995.
CHRISTOFOLETTI, Antonio, Modelagem de Sistemas Ambientais. 1ª edição, São Paulo Editora Edgard Blücher LTDA, 1999.
CHRISTOFOLETTI, Antonio, Geomorfologia. 2ª edição, São Paulo, Editora Edgard Blücher LTDA., 1980.
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. Degradação Ambiental. In: GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA Sandra Baptista da. Geomorfologia e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
GUERRA, Antonio José Teixeira e MARÇAL, Mônica dos Santos. Geomorfologia Ambiental. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2006.
ORELLANA, Margarida Penteado. Geografia e Planejamento. A Geomorfologia no Contexto Social. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, 1981.
ROSS, Jurandyr Luciano Sanches. Geomorfologia Aplicada aos EIAs-RIMAs. In: GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA Sandra Baptista da. Geomorfologia e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
SOUZA, Bernardo, Sayão, Penna e. A Geografia e a Análise da Natureza. Revista GeoAmazônia, Belém, v.03, n. 05. Jan/Jun.2015.
_______________. Considerações acerca da percepção e da cognição no mapeamento geomorfológico. Relatório de Pós-Doutorado. Universidade de São Paulo, 2006.