Autores
Cruz, L.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - UFU) ; Rodrigues, S.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - UFU) ; Pinese Júnior, J.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - UFU)
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a elaboração de um sucinto retrospecto do caminho da Geomorfologia enquanto parte do conhecimento humano e disciplina expondo as proposições já expressas sobre o assunto e contribuir para desenvolvimento das bases do ensino de Geomorfologia. Os estudos geomorfológicos obtiveram sua afirmação a partir do século XIX nas correntes Anglo-Americana e Alemã, sofrendo posteriormente modificações a partir da visão sistêmica e integradora dos componentes da paisagem além da preocupação com aspectos quantitativos. Os estudos geomorfológicos atuais refletem uma tendência ambiental e são marcados pelas novas ferramentas tecnológicas, pela invasão de conhecimento de outras áreas e pela especialização. Mesmo em um mundo cada vez mais tecnológico e conectado é importante que as bases do conhecimento geomorfológico sejam valorizadas no processo de ensino- aprendizagem procriando ao aluno o avanço no entendimento da complexa realidade geomorfológica.
Palavras chaves
Geomorfologia; Ensino; Conhecimento
Introdução
O estudo da edificação dos conhecimentos geomorfológicos tem enorme valor intrínseco na medida em que fornece bases sólidas para compreensão dos conteúdos acerca do relevo e fornece subsídios para desenvolvimento de perspectivas futuras. Dentro desse contexto, o presente artigo está consubstanciado na elaboração de um sucinto retrospecto do caminho da Geomorfologia enquanto parte do conhecimento humano e disciplina expondo as proposições já expressas sobre o assunto e contribuir para desenvolvimento das bases do ensino de Geomorfologia. A compreensão do modelado a partir de estudos geomorfológicos se deu de maneira diferenciada ao longo dos anos, com sua afirmação a partir do século XIX nas correntes Anglo-Americana e Alemã, sofrendo nos anos seguintes modificações a partir da visão sistêmica e integradora dos componentes da paisagem, da preocupação com aspectos quantitativos e o uso de estatísticas e ainda pela evolução tecnológica. Os estudos geomorfológicos atuais, seguindo uma tendência ambiental, são marcados pelas novas ferramentas tecnológicas, pela invasão de conhecimento de outras áreas e pela especialização. No entanto, mesmo com todo o avanço vivenciado nos últimos anos, a questão teórica que dá embasamento para que ocorra uma compreensão mais profunda acerca dos fenômenos geomorfológicos, deve ser valorizada. Assim, considera-se que o processo de ensino-aprendizagem no âmbito da Geomorfologia deve ser consubstanciado a partir do melhor entendimento da evolução do pensamento geomorfológico.
Material e métodos
Para a abordagem da questão epistemológica e/ou teórica da Geomorfologia foram pesquisados textos nacionais e estrangeiros, sem a intenção de esgotá-los, mas sim, obter argumentos suficientes para construção de um entendimento acerca do tema. É importante ressaltar que estudos do relevo também foram realizados em outras regiões do mundo, no entanto, conforme a bibliografia disponível e por todo o contexto da evolução da Geomorfologia serão abordados os estudos realizados no continente europeu e ainda pelos norte-americanos. Na elaboração do presente trabalho foi definido que o tema seria abordado a partir do arranjo da evolução da Geomorfologia em países com diferentes tradições acadêmicas e uma discussão acerca da Geomorfologia no contexto dos avanços tecnológicos.
Resultado e discussão
Segundo Abreu (1983) a teoria geomorfológica, em seu sentido moderno, teve
sua origem a partir de duas fontes principais: uma de raízes norte-
americanas e outra de raízes germânicas. A evolução da Geomorfologia
considerando essas duas correntes, desenrolou-se de maneira diferenciada, a
corrente de raízes norte-americanas se fez com grande destaque para Willian
Morris Davis (1850-1934), nos EUA a partir da Geologia. Até o final do
século XIX, foi sob a designação de Fisiografia, que Davis nomeava os
estudos que praticava e a partir de 1889 passou a adotar o termo:
Geomorfologia. Nesse período, a teoria do ciclo de erosão davisiano avisando
passou a ser dominante na Geomorfologia por meio dos mais de quinhentos
artigos e livros didáticos produzidos por Davis (GREGORY, 1992). O estudo do
relevo terrestre atinge uma espécie de maturidade passando do empirismo
descritivo ao raciocínio dedutivo.
Alguns aspectos do trabalho de Davis favoreceram sua dominância naquele
momento, como por exemplo, a clareza das ilustrações e blocos diagramas do
relevo, que favoreciam a fácil associação com a realidade. Assim “[...] o
modelo davisiano ofereceu um ponto comum para iniciação científica, a partir
do qual o pensamento estruturado tinha condições de evoluir.” (GREGORY,
1992, p.54).
A contribuição de Davis foi fundamental na sistematização dos estudos
geomorfológicos, sofrendo acréscimos, ampliações e deformações em outras
escolas geográficas, e posteriormente sofre fortes impactos críticos à sua
metodologia, enquanto, “a ampliação dos conhecimentos e do arsenal técnico
de análise virão trazer novos impulsos não só à Geomorfologia, mas à
Geografia em geral”. (MONTEIRO, 2001). Assim, o abandono progressivo do
modelo davisiano se deu a favor de uma aproximação sistêmica que traz
implícita uma mudança na atitude científica utilizada.
Paralelamente à edificação da Geomorfologia Anglo-Americana, em meados do
século XIX, na Alemanha, desenvolvia-se uma escola de Geografia com grande
importância que ia se tornando uma ciência independente a partir de esforços
e reivindicações para a criação de novas cadeiras nas universidades. Assim,
a Geomorfologia de raízes germânicas nasce em um contexto mais abrangente
das Ciências da Terra, surgindo de uma visão naturalista mais globalizante,
que conserva um núcleo comum e evoluiu de maneira mais contínua destacando
um enriquecimento progressivo do paradigma, ganhando complexidade
metodológica e operacional. (ABREU, 1983). Ela ainda é marcada por um
aspecto mais coletivo, sendo destacados diversos nomes com ideias de certa
forma equivalentes, mas, que se desenvolveram em contextos de interesses e
proposições distintas.
A Geomorfologia alemã foi estruturada sobretudo a partir de reflexões de
Ferdinand Von Richtofen (1833-1905) e Albrecht Penk (1858-1945). Esses
autores tiveram como predecessores os naturalistas Johann W. Goethe (1749-
1832) e Alexander von Humboldt (1769-1859) que imprimiram na geomorfologia
alemã um “direcionamento para a observação e análise dos fenômenos em um
contexto onde a geomorfologia se relacionava de maneira mais intensa
principalmente com a petrografia, química do solo, hidrologia e
climatologia.” (ABREU, 1983, p.12). Fica evidente a preocupação da escola
germânica em tratar o relevo numa perspectiva geográfica.
Influenciados pelo surgimento e aproveitamento de novas técnicas e pela
evolução tecnológica, os pesquisadores do relevo, principalmente americanos,
assumem gradualmente uma posição mais crítica em relação ao estudo do
modelado, propondo fatos e objetivos, estudados sob a ótica da
quantificação, estimando as relações processuais. A partir de meados do
século XX, a ênfase passou a depender da medição, análise e interpretação
com base em dados numéricos, equações, modelos estatísticos, teorias
probabilísticas. Nesse contexto a tecnologia potencializa e otimiza a
coleta, o processamento e a computação de dados para lidar com maiores
quantidades de informações.
De maneira mais relevante a partir das décadas de 1940 a 1960, os estudos
quantitativos, as abordagens sistêmicas e o uso da computação assumem maior
destaque nas pesquisas geomorfológicas. A análise espacial é valorizada a
partir de estudos hidrológicos e das bacias de drenagem com destaque para os
estudos de Horton (1932 e 1945), Strahler (1954), Schumm (1956), Gregory &
Walling (1973). Ganha destaque também a abordagem sistêmica do fluxo de
matéria e energia e do equilíbrio dinâmico, desenvolvidas por Hack (1960),
Strahler (1980), Chorley e Kennedy (1971), Schumm e Lichty (1973). Ao mesmo
tempo tais posturas são reforçadas em outros países que já caminhavam nessa
perspectiva desde meados do século XIX, com os estudos da Ecodinâmica de
Tricart (1977) e do Geossistema de Bertrand (1972) e Sotchava (1978).
Os últimos 50 anos viram um progressivo desenvolvimento da concepção através
do campo orientada para o processo e estudos de laboratório, pesquisa
aplicada, modelagem numérica sobre uma gama de escalas e o advento da
computação pessoal. A Geografia a abrange a utilização de técnicas de
análise matriciais, relações de conectividade e métodos geoestatísticos, com
destaque para a interpolação com um dos mais relevantes avanços. Os Sistemas
de Informações Geográficas, também se apropriam desse avanço fazendo uso de
princípios dos estudos da complexidade. (FREITAS, 2009). Estas inovações
técnicas promoveram o reconhecimento da Geomorfologia como uma "ciência do
sistema” e facilitou a reintegração da tectônica em geomorfologia, abrindo o
caminho para uma consideração renovada da história da paisagem. (CHURCH,
2010)
A consideração crescente da dominância da ação humana na modificação
contemporânea da superfície terrestre do planeta também tornou-se um tema
significativo. Desse modo, a Geomorfologia, por um lado, está se tornando
uma ciência geofísica mais rigorosa, e por outro, está cada vez mais
preocupada com os valores sociais e econômicos humanos, com a mudança do
ambiente, a ética de conservação, com o impacto humano sobre o meio ambiente
e com questões de justiça social e equidade. (CHURCH, 2010)
Grandes avanços foram feitos na compreensão dos processos físicos de fluxo
hídrico e de sedimentos, arrastamento e transporte, mas muitos problemas
continuam por resolver. Assim, alguns geomorfólogos foram buscar subsídios
na Geologia (placas tectônicas), Ecologia, ou Física (sistemas dinâmicos
não-lineares). Em longo prazo o desenvolvimento da paisagem e a influência
da tectônica prosperaram como campos de investigação. A modelagem tornou-se
uma ferramenta importante para testar hipóteses e para a previsão e gestão
em escalas variadas. (MCDOWEL, 2013).
Algumas tendências atuais necessitam ser destacadas. Dentre elas, a
necessidade de estimular a cooperação interdisciplinar com a finalidade de
aperfeiçoar e avançar o entendimento da dinâmica e forma do relevo; a
compreensão do papel do clima na geomorfologia, tanto na mudança climática
contemporânea como de longo prazo; a busca constante por aprimoramento e
atualização de métodos e técnicas; e admissão do papel, agora dominante, dos
seres humanos como agentes geomorfológicos.
Outro fator relevante que se observa na atualidade é a forte especialização
nas disciplinas da Geografia Física, e dentro da própria Geomorfologia.
Dentre as subdivisões da Geomorfologia apresenta-se a Geomorfologia:
Climática, Estrutural, Costeira, Continental, Regional, Aplicada, Dinâmica,
Fluvial, Cárstica, Glacial, de Vertentes, do Quaternário. Ainda podem ser
citadas subdivisões mais recentes como a Geomorfologia Antrópica, Urbana,
Submarina, Ecológica e até Planetária. Todas essas subdivisões são afetadas
de forma direta e indireta pelos avanços teológicos que favorecem a
implantação e aprimoramento de diversos métodos de trabalho; e possibilitam
maior acesso a informação. No entanto, ainda que existam cada vez mais
recursos é importante enfatizar que a evolução também precisa ocorrer do
ponto de vista teórico.
Considerações Finais
A partir da breve abordagem do panorama de evolução dos conhecimentos geomorfológicos observa-se a relevância desses conteúdos para melhor compreensão do espaço de vivência. Enquanto disciplina, a Geomorfologia passou por transformações e seu desenvolvimento não foi linear, ocorrendo uma substituição e não uma soma de conhecimentos, marcado ainda por contestações e rupturas. Os mesmos fatos surgem com estruturação e significação diferentes ao longo da evolução dos conhecimentos geomorfológicos. O ensino de Geomorfologia, mesmo diante de um mundo cada vez mais tecnológico e conectado, demanda a valorização do melhor entendimento e aprofundamento das suas bases epistemológicas, para que o aluno, munido de tal conhecimento, possa avançar na compreensão da complexa realidade geomorfológica.
Agradecimentos
À FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – pelo apoio à participação no XI SINAGEO, ao LAGES – Laboratório de Geomorfologia e Erosão dos Solos, ao IFTM – Instituto Federal do Triângulo Mineiro.
Referências
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