Autores
Franco, A.O. (UEPG/UFAC) ; Barbosa, T.A. (UEPG)
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo contribuir com o ensino/aprendizagem na disciplina geomorfologia fluvial, para tanto utilizou-se como pratica o “estudo de campo” em bacias hidrográficas e interpretação do Sistema Ambiental Urbano (S.A.U.) O estudo de caso foi realizado na bacia do rio Acre na área central da cidade de Rio Branco, Acre. A escolha do recorte de estudo se justifica pelas preocupações com a qualidade da vida urbana em consonância com a dinâmica natural fluvial. Dessa forma buscou-se na prática observar e analisar os aspectos teóricos estudados na disciplina, aspectos ligados à morfologia da bacia e hidrométrica, além das formas e uso e ocupação do solo no local com apontamentos de alternativas de intervenção para a melhoria das condições ambientais e urbanas no espaço estudado. A relevância da perspectiva é evidente, sobretudo pela oportunidade da práxis com bases teóricas e direcionamento do desenvolvimento de habilidades para resolução de situações problema.
Palavras chaves
Geomorfologia Fluvial; Bacia Hidrográfica; Prática de Campo
Introdução
As Bacias Hidrográficas (BH) em um contexto contemporâneo têm assumido papel de destaque como unidade de análise, seja pelo conceito de paisagem, região, território ou espaço. Calcado nessa importância verídica, o presente trabalho foi desenvolvido na Bacia Hidrográfica do rio Acre, no centro da cidade de Rio Branco. Uma das características singulares que podem ser apontadas no recorte espacial é o fato de se tratar de um rio que é transfronteiriço, uma vez que percorre os territórios da Bolívia, Peru e Brasil. Outro elemento geográfico importante é a dimensão escalar da microbacia do rio Acre, componente por sua vez da sub-bacia do Purus que faz parte da bacia amazônica (ANA, 2007). Portanto, há uma significância contextual abrangente no que diz respeito ao enquadramento da BH do rio Acre. Em território brasileiro sua extensão desde sua nascente até sua foz é de aproximadamente 1190 km (DUARTE, 2007). No Brasil possui importante função no abastecimento das cidades de Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri, Porto Acre e Rio Branco, todas elas localizadas em território acreano. O bairro centro possui bom acesso para o desenvolvimento das atividades e ainda um mosaico de formas de uso e ocupação do solo. É um local onde há grande fluxo de pessoas, pois possui atividade comercial intensa. Com relação ao rio, o leito menor possui aproximadamente 20 metros de largura e com profundidade variada entre 2 e 2,3 metros no período de estiagem. O rio é muito sinuoso ocasionando o processo de erosão e deposição de sedimentos de uma margem para outra ao longo do percurso. Trata-se de um rio considerado juvenil, por apresentar características de acentuada transformação ao longo de seu percurso e de suas faces, nesse sentido considera-se que possui grande competência, águas brancas e baixo gradiente no local estudado. O referido local de pesquisa se enquadra no curso médio do rio Acre. Suas margens, direita e esquerda não possuem vegetação nativa expressiva, apenas algumas manchas/relictos, nem apresentam Área de Preservação Permanente – APP na área de estudo. Na vertente percebe-se a impermeabilidade, dada em função de obras urbanas no local, especialmente calçamento. Entende-se que o processo de urbanização na área é histórico, uma vez que se trata de um dos primeiros bairros da capital, apresentando essencial importância, especialmente de cunho econômico. O presente trabalho teve como objetivo contribuir com a construção de habilidades e competências através do estudo de campo na bacia hidrográfica, em especial do rio Acre no bairro centro. Para tanto o planejamento das ações e práticas foram fundamentais para o êxito da atividade em campo. Entendendo que a construção de habilidades é responsabilidade dos proponentes de uma disciplina e ao mesmo tempo se refere ao compromisso dos acadêmicos, erige a substancial contribuição de Mendonça (2004) através dos pressupostos de um Sistema Ambiental Urbano, alicerçando perspectivas de entrada e retroalimentação de dados com uma lógica sistêmica de interdependência entre os elementos. Com finalidade didática, constituiu-se um modelo de aplicação denominado D.S.A.U – Diagnóstico do Sistema Ambiental Urbano, instrumento orientado ao desenvolvimento de habilidades para resolução de situações problema, que pode ser articulado e adaptado de forma contextual com os objetivos e temáticas de interesse.
Material e métodos
O desenvolvimento do presente trabalho pode ser alicerçado em três pilares: Planejamento acadêmico; Atividade de campo; e Interpretação de resultados da prática. As atividades que fomentaram a presente investigação se alinham com o planejamento acadêmico da disciplina geomorfologia fluvial, ministrada para o curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal do Acre. A saber, as atividades permearam-se baseadas em objetivos da referida disciplina e da transposição didática, entre os quais se pode destacar: • Compreender a importância do estudo da Geomorfologia Fluvial para o ordenamento territorial; • Compreender e familiarizar-se com a terminologia utilizada na Geomorfologia Fluvial; • Identificar a fisiografia e compreender a dinâmica fluvial; • Entender os processos/trabalhos dos rios; e • Compreender as implicações ambientais, calcada na perspectiva sistêmica sugerida pelo Diagnóstico do Sistema Ambiental Urbano, advindas da má utilização dos recursos hídricos, bem como das incongruências do ordenamento territorial e planejamento urbano e ambiental. Uma vez estabelecidos os objetivos no planejamento acadêmico da atividade, partiu-se para a etapa preparatória da investida a campo, evento que envolveu o desenvolvimento do roteiro de pesquisa, esboço do recorte espacial estudado a partir de debates e apresentação de dados iniciais e determinação de itens a serem diagnosticados em campo. Foram estabelecidos como pontos de convergência para a obtenção de dados e definição do roteiro: • Observação de condições gerais do rio; • Percepção da sinergia entre usuários do rio (cidadãos) e a estrutura natural e ambiental; • Presença ou ausência de ações do poder público para resolução de problemas; • Reflexão e debate acerca da instrumentação para resolução de situações e problemas levantada. Em termos específicos a aplicação do Diagnóstico do Sistema Ambiental Urbano - DSAU se apoia na prospecção de dados e observações por parte dos acadêmicos. Assim, o quadro a seguir demonstra de forma ilustrativa a dinâmica pensada para obtenção e interpretação dos dados no recorte espacial da atividade. Em termos específicos a aplicação do Diagnóstico do Sistema Ambiental Urbano - DSAU se apoia na prospecção de dados e observações por parte dos acadêmicos. Os dados de entrada: As características físicas (relevo, água, ar, vegetação, solo), humanas (habitação, indústria, comércio, serviços, transporte e lazer); os atributos: cultura, economia, politica, educação, tecnologia; os dados de saída: problemas socioambientais urbanos e aplicação (planejamento e gestão socioambiental urbana); e ainda ao feedback do sistema as ações mencionadas. A dinâmica pensada para obtenção e interpretação dos dados no recorte espacial da atividade se integra com o proposto pelos objetivos da disciplina, além do mais as características sistêmicas estão intrínsecas no contexto de observação e análise do local. As características sistêmicas estão dessa forma intrínseca no contexto de observação e análise do objeto de estudo proposto. Na sequência da delimitação dos pressupostos para a realização da atividade, se estabeleceu as diretrizes para o campo. Para LATINI & ARAÚJO (2009) o campo possui uma dimensão pedagógica única, pois a sua prática é atuante e de ação compartilhada, na qual o protagonista do assunto é o espaço que está sendo estudado (visitado). Para OLIVEIRA (2006) o vivido pelo aluno é expresso no espaço cotidiano, e a interligação deste com as demais instâncias são fundamental para a aprendizagem. Segundo Alentejado & Rocha- Leão (2006). Fazer trabalho de campo representa, portanto, um momento do processo de produção do conhecimento (...) neste sentido, o trabalho de campo não pode ser mero exercício de observação da paisagem, mas parte desta para compreender a dinâmica do espaço geográfico, num processo mediado pelos conceitos geográficos. (ALENTEJADO & ROCHA-LEÃO, 2006, p. 57). A característica intrínseca da ciência geográfica em buscar estudar e
Resultado e discussão
Características gerais do local, aspectos abordados na analise de campo e as
implicação na aprendizagem.
Após a teoria em sala de aula na respectiva disciplina e seguindo o proposto
para analise e interpretação dos dados pelo modelo DSAU exposto pela imagem
a seguir (figura 1), iniciou-se a atividade de “campo”.
Figura 1. Modelo ilustrativo DSAU. Adaptado de Mendonça (2004)
A atividade prática na bacia do rio Acre no bairro centro da cidade de Rio
Branco (ver figura 2) possibilitou o desenvolvimento e a compreensão dos
aspectos relacionados à dinâmica do rio Acre, ao ordenamento territorial da
bacia, além da morfologia da bacia, e as formas de uso e ocupação do solo no
local.
Figura 2: Área de estudo. Fonte: IBGE (2016), Google Earth (2015)
Características gerais do rio Acre
O rio Acre possui um regime pluvial com duas estações bem definidas, período
de estiagem e de cheias (alagamento). O primeiro estende-se de junho á
novembro e segundo de dezembro á maio. O período de estiagem traz problemas
referentes ao abastecimento das cidades ao longo do curso do rio que
necessitam desse manancial para consumo da água. Com relação ao período de
precipitação, esse é acentuado, o rio alcança o leito maior com frequência,
a cota de transbordamento é de aproximadamente 14,5 metros.
Nos últimos anos o transbordamento do rio tem chegado ao leito maior
excepcional, com medias de 16,5 metros, e isso tem trazido prejuízos
econômicos severos. A tabela 1 mostra as enchentes ocorridas no rio Acre com
ênfase na cidade de Rio Branco.
Tabela 1. Enchentes históricas do Rio Acre. Adaptado Defesa civil Estado do
Acre (2015).
Os prejuízos segundo informações da defesa civil, através do relatório de
Avaliação de Danos – AVADAN são astronômicos.
As quatro últimas alagações ocorridas no município de Rio Branco (1988,
1997, 2006 e 2012) trouxeram grandes prejuízos à cidade. Segundo o Relatório
de Avaliação de Danos (AVADAN), o governo do Acre já desembolsou mais de R$
1 bilhão em gastos com enchentes. (JORNAL AC24HORAS, 2013)
Nesse contexto pode-se entender o comportamento do rio em toda sua extensão.
Além da influencia sobre o uso e a ocupação solo em suas margens.
Formas de uso e ocupação
As formas de uso e ocupação do solo são diversificadas as margens do rio no
bairro centro, como por exemplo, áreas residenciais e comerciais. Encontram-
se as margens do rio esgoto sendo lançado sem tratamento, muito lixo de
dejetos comerciais (caixas de papelão, sacolas, roupas, sapatos, etc). Isso
perturba os recursos hídricos locais e imediatamente a jusante do rio.
Segundo Fonseca (1999) ha quatro tipos de poluição das águas: física,
química, biológica e bioquímica. As perturbações causam desde aumento da
turbidez, aumento da temperatura, alteração da cor, contaminação da água,
diminuição do oxigênio, proliferação de bactérias, etc.
Houve a constatação da complexidade entre homem e rio, pois as atividades
humanas poluem os recursos hídricos que em contrapartida contribuem para
causar doenças aos indivíduos que os consomem. Isso se transforma em um
ciclo negativo de perturbação. Além do mais a perturbação sobre o rio
aumenta a medida que a ocupação das margens ocorre de forma desordenada e
ilegal.
Áreas de Preservação Permanente e a Movimentação massa
As bacias hidrográficas é um sistema que inclui componentes bióticos e
abióticos que interagem de forma harmônica e de forma complexa. Desde a
nascente até a foz. Dentro dessa perspectiva as matas ciliares, denominadas
de Áreas de Preservação Permanente – APPs são de extrema importância para
esse ecossistema, no entanto em muitos casos são destruídas pelo homem.
Segundo MARTINS (2009) as Áreas de Preservação Permanente, são consideradas
como instrumentos utilizados pelo poder público para proteger uma parte do
território com o objetivo de direcionar o uso adequado das APPs. A mata
ciliar no local não existe e as áreas que deveriam ser de APPs são ocupadas
de forma irregular e impactante. De acordo com GUERRA e CUNHA (2001), os
seres humanos, ao se concentrarem num determinado espaço físico, aceleram de
forma irreversível os processos de degradação ambiental. Consequentemente as
cidades e os problemas ambientais fazem entre si uma relação de causa e
efeito.
Os rios espelham, de maneira indireta, as condições naturais e as atividades
humanas desenvolvidas na bacia hidrográfica, sofrendo, em função da escala e
a intensidade de mudanças nesses dois sentidos, alterações, efeitos e/ou
impactos no comportamento da descarga, assoreamento, etc, são exemplos das
substituições das matas ciliares por terras cultivadas e o avanço do
processo de urbanização. ARCOS (2009).
Observam-se ainda áreas com movimentação de massa, sendo o mais comum o
desbarrancamento, além de sulcos e voçorocas as margens do canal. Segundo
CARVALHO (2006), os desbarrancamentos (solapamentos), que são processos que
podem afetar áreas adjacentes aos cursos d’água (rios e córregos), estão
associados à erosão das margens de um canal fluvial, acarretando na queda de
uma porção do talude do canal da drenagem. No entanto encontram-se também no
bairro centro, obras para equacionar problemas relacionados ao
desbarrancamento das margens do rio. O poder tem incentivado a plantação de
bambus na margem do rio para inibir o movimento de massa, além de construir
contenção em curvas de nível para diminuir a infiltração da água no local e
consequentemente equacionar a tais problemas.
Nesse contexto, a dinâmica de ocupação as margens do rio Acre na cidade de
Rio Branco, no bairro Centro, esta relacionado diretamente com o efeito de
massa, desbarrancamento, pois a vegetação possui uma contribuição direta
para o equilíbrio do rio. Apesar de o rio Acre ser um rio que se rejuvenesce
periodicamente em períodos de cheias. A ocupação irregular em suas margens
acelera o processo erosivo causando severos prejuízos aos habitantes do
local, bem como diretamente ao curso de agua que fica assoreado e prejuízo a
sua gestão de forma geral.
Gestão da agua do rio Acre
Outro aspecto relevante é a gestão da agua do rio Acre e suas implicações
ambientais. É observado problemas ambientais advindos da má utilização dos
recursos hídricos. Esse aspecto foi relevante no sentido da compreensão do
problema e sua analise no que diz respeito à ação do poder público e da
comunidade. Apesar do notório problema da falta de água no período de
estiagem onde há o comprometimento ao abastecimento, pouco é realizado tanto
pela comunidade que desperdiça bastante agua, quanto pelo poder público que
é ineficiente na captação e distribuição desse recurso. Com isso há impacto
negativo direto sobre a água. Alto consumo e grande desperdício.
Pode-se perceber que não há integração entre poder publico e comunidade,
pois não existe uma politica eficiente para gerir os recursos hídricos da
cidade seja superficial ou subterrâneo e ainda uma educação ambiental por
parte da população que não desenvolve medidas para equacionar o desperdício
de agua.
Figura mostra esquema metodológico do trabalho
Mostra a área onde foi realizado o trabalho
Mostra as enchentes históricas ocorridas na cidade de Rio Branco
Considerações Finais
A disciplina Geomorfologia Fluvial e todas as suas nuances em sala de aula e fora dela, possibilitou aos acadêmicos o desenvolvimento e a compreensão de diferentes aspectos relacionados às terminologias fluviais e dos recursos hídricos; ao ordenamento territorial da bacia e sua importância; os processos e trabalhos dos rios; as implicações ambientais e as incongruências do planejamento urbano e da gestão dos recursos hídricos. Além do mais, o estudo na bacia hidrográfica tornou-se ainda mais relevante, sobretudo como unidade de análise da paisagem, espaço, região e lugar. O trato sistêmico de interpretar, o “campo” em si e o Diagnóstico do Sistema Ambiental Urbano - DSAU na porção da bacia hidrográfica denotou importante singularidade na prática docente. As atividades permitiram transbordar os limites cartesianos de uma disciplina acadêmica, propiciando articulação com outros conhecimentos previamente estabelecidos, bem como a geração de demanda de novos conhecimentos. Com isso foi possível à construção de habilidades e competências. Atitudes e incremento significativo na percepção crítica, articulação com aspectos geográficos e interdisciplinares, estratégias de ação e resolução de problemas.
Agradecimentos
Referências
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