Autores
Gerente, J. (INPE) ; Pereira, H.H. (UDESC) ; Corrêa Firmino, L. (UDESC)
Resumo
Este trabalho refere-se a relatos de uma prática de ensino em Geografia durante o Estágio Curricular Supervisionado. A prática e a observação foram realizadas em uma turma de primeiro ano do ensino médio da Escola de Educação Básica (E.E.B) Simão José Hess, em Florianópolis, Santa Catarina. O tema geral abordado no estágio foi relevo, onde foram ministradas aulas a respeito das formas, compartimentos, agentes endógenos e exógenos de formação do relevo e relação sociedade-natureza. Além das aulas teóricas e demais atividades, realizou-se uma saída de campo intitulada “Volta a ilha”, devido ao fato da mesma ter ocorrido na parte insular de Florianópolis e cujos aspectos didáticos são o enfoque deste trabalho. Como reflexão e análise do período de estágio, percebeu-se que a atividade de melhor aproveitamento e entrosamento por parte dos alunos, ao entendimento das autoras, foi a saída de campo, uma vez que os alunos puderam reconhecer os processos naturais e sociais empiricamente.
Palavras chaves
Ensino de Geomorfologia; Saída de Campo; Estágio de Docência
Introdução
O estágio de docência é uma etapa fundamental na formação de um professor. É neste processo que o graduando sai do contexto acadêmico para o cotidiano escolar, podendo experimentar suas ideias e contar com o apoio de um professor orientador para sanar suas incertezas. Durante o estágio de docência aqui relatado, a turma escolhida foi um primeiro ano da E.E.B. Simão José Hess (Florianópolis/SC). Através da observação realizada no primeiro semestre do ano de 2015 e de um questionário aplicado durante este período, afirma-se que os alunos apresentam etnias, idades e situações socioeconômicas variadas. Quanto à disciplina de Geografia, parte dos alunos entende que esta estuda o espaço geográfico, as relações entre sociedade e natureza, e faz a descrição do espaço terrestre. Porém, muitos deles demonstraram incerteza quando foram indagados sobre o que gostariam de aprender durante as aulas de Geografia que seriam ministradas. Alguns alunos mencionaram como resposta à nossa pergunta “planetas”, “animais”, “países”, “globalização” e “biomas”. Partindo das respostas do questionário e levando em consideração o conteúdo previsto para aquela turma no período da prática de ensino, o tema ministrado foi “relevo”. Foram abordados os seguintes conteúdos: formas e compartimentos do relevo, agentes endógenos e exógenos de formação do relevo e a relação sociedade-natureza, com foco em processos do meio físico. Além das aulas teóricas e demais atividades, realizou-se uma saída de campo intitulada “Volta à Ilha”, a qual foi considerada a ferramenta didática mais relevante durante a prática de ensino e é o foco deste trabalho. Compreende-se que a saída de campo proposta durante a docência toma forma de um dispositivo metodológico que preza pelo estudo do meio como atividade pedagógica, conforme nos aponta Lopes e Pontuschka (2009). O estudo do meio é um método de ensino interdisciplinar que visa proporcionar contato direto com a realidade estudada, logo “esta atividade pedagógica se concretiza pela imersão orientada na complexidade de um determinado espaço geográfico, do estabelecimento de um diálogo inteligente com o mundo, com o intuito de verificar e de produzir novos conhecimentos” (LOPES E PONTUSCHKA, 2009, p. 174). Em geral, durante os cursos de graduação em Geografia, existem variadas oportunidades de participação em saídas de campo, que muito se assemelham a um estudo do meio, prezando por uma significativa aproximação entre o sujeito em formação com a realidade das pessoas e do espaço geográfico a ser explorado e compreendido. Tais experiências costumam ter impacto positivo no aprofundamento do conhecimento geográfico dos universitários. Elas proporcionam a oportunidade de unir conteúdos científicos (e muitas vezes abstratos) à percepção empírica, além de propiciar uma visão privilegiada dos efeitos da ocupação humana nas paisagens terrestres, ou seja, tornando o processo de ensino-aprendizagem mais significativo. Buscando concordância com as mudanças nos paradigmas do modelo tradicional educativo, a saída de campo realizada no período de estágio teve como foco o aprendizado do aluno e suas demandas, buscando viabilizar suas expressões ativas, criativas e participativas. Tais anseios, aproximam-se mais uma vez daquilo que Lopes e Pontuschka (2009) salientam sobre o estudo do meio como metodologia de ensino interdisciplinar, dando autonomia ao professor para a construção de um currículo mais próximo dos interesses e da realidade vivida pelos alunos (LOPES E PONTUSCHKA, 2009).
Material e métodos
A metodologia das aulas teóricas ministradas durante a prática de ensino foi pautada em apresentação de slides por meio de um projetor multimídia levado à escola pelas próprias estagiárias, vídeos e atividades. Os slides eram sempre pensados de modo a ilustrar o máximo possível cada assunto, de modo que as imagens substituíssem os textos. Além disso, no assunto de cada um dos temas ministrados, a conversa inicial partia sempre de algo local, que fizesse parte da realidade e do cotidiano dos alunos, como por exemplo, as formas de relevo presentes nas proximidades da escola e na Ilha de Santa Catarina. Materiais diversos como mapas, globo terrestre, ovo cozido representando a estrutura interna da Terra, amostra de rochas, dentre outros, foram usados de maneira a promover um contato direto com a geomorfologia. Ao final das aulas teóricas, uma saída de campo foi realizada com a turma. Conforme sugere Sansolo (1996), a saída de campo deve ter caráter lúdico, social e avaliativo. Em outras palavras, a “excursão geográfica” é especialmente propícia ao entretenimento, à socialização e descontração entre os alunos (também em relação aos professores) e à avaliação do aprendizado da turma. Devido ao tempo disponível (turno escolar matutino), três locais da ilha de Santa Catarina foram escolhidos para visitação: 1) Mirante do Morro da Cruz (27°35'17.87"S; 48°32'1.69"W); 2) Manguezal da Tapera do Pirajubaé (27°38'3.83"S; 48°31'37.38"W) e 3) Praia da Armação (27°45'0.89"S; 48°30'9.74"W). A escolha destes locais foi baseada na paisagem e nos tipos de forma e processos geomorfológicos atuantes em cada um deles. Além disso, as relações sociais com o meio físico presentes em cada um deles também foram consideradas. Como forma de avaliação, interação com a paisagem e introdução de tecnologias digitais (smartphones, neste caso), foi proposta uma atividade focada na produção de fotografias feitas com os próprios celulares dos alunos durante a saída de campo. Tendo em vista a forte presença de uma das tecnologias digitais mais utilizadas pelos alunos (smartphone), elaborou-se esta proposta de avaliação que procurou unir este elemento tão utilizado pelos alunos a uma atividade escolar. Desta forma, a avaliação da saída de campo consistiu na produção de fotografias, por parte dos alunos divididos em duplas, sobre os aspectos discutidos e examinados em sala de aula que mais lhe chamaram atenção e que puderam ser observados e reconhecidos na saída de campo. Os alunos tinham como proposta elaborar uma avaliação geográfica sobre o fenômeno retratado nas fotos, enviar as fotos acompanhadas da respectiva legenda explicativa por e-mail para as professoras em formação e preparar uma apresentação multimídia para apresentar os colegas em sala de aula. Como forma de explanar aquilo que gostaríamos de provocar e receber da atividade proposta por parte dos alunos é o fato de relacionar um líquen de um bloco rochoso como um agente externo que promove o intemperismo químico, que por sua vez, propicia a alteração da rocha, por exemplo. Ou até mesmo apontar formas e compartimentos de relevo estudadas em aula nas fotos dos pontos visitados, dentre outras associações. Durante a prática de ensino aqui relatada procurou-se reproduzir esta noção de interação dos alunos com os elementos (geomorfológicos) a serem estudados. Foi na perspectiva didática e metodológica do Estudo do Meio que o ensino de Geomorfologia se desenvolveu. Esta experiência escolar foi realizada com a referida turma, em busca de uma perspectiva interdisciplinar, de acordo com as realidades e saberes dos alunos em questão. Assim, a ideia do professor-facilitador de aprendizagem (VALENTE, 1993) foi colocada em prática à medida em que os alunos foram convidados, com a atividade de campo proposta, a aprender através de seus próprios interesses e iniciativas em contato direto com o espaço geográfico.
Resultado e discussão
Conforme exposto anteriormente, na saída de campo foram visitados três
pontos da Ilha de Santa Catarina, cuja localização pode ser observada na
figura 01.
A primeira parada da saída de campo foi no mirante do morro da
Cruz (Figura 02) e foi a mais extensa em relação ao tempo de permanência no
local. Neste ponto, observaram-se conteúdos teóricos de geomorfologia
abordados ao longo do estágio de docência em sala de aula com os alunos:
processos exógenos (gravitacionais, pluviais e fluviais) de formação de
relevo, intemperismo físico e químico, influência das formas de relevo e
seus processos modeladores no uso e ocupação da terra, além da importância
dos organismos vivos sobre a dinâmica do meio físico.
O maciço do Morro da Cruz é um maciço granulítico com cristas modeladas em
estruturas de falha e zonas de cisalhamento dúcteis-rúpteis, (TOMAZZOLI E
PELLERIN, 2004). Suas altitudes alcançam 285 metros, e sua constituição se
caracteriza por rochas efusivas do tipo granito, diques de diabásio e rochas
metamórficas, apresentando solos do tipo Cambissolo e Neossolo Litólico.
Ao longo da subida ao topo do morro, foi possível visualizar as
conseqüências do processo erosivo do tipo movimento de massa nas margens da
estrada. No topo do morro, onde se encontra a última parada de ônibus e onde
se localiza a entrada para o mirante, há calçadas e muros rachados.
Inclusive o próprio ponto de ônibus está inclinado e com sinais de
movimentação. Estes aspectos puderam ser apontados e discutidos com os
alunos.
No caminho de acesso ao mirante, foi possível observar evidências de
intemperismo físico e químico, como a colonização de organismos vivos sobre
rochas. No mirante, o qual, apesar de localizado num ponto de fácil acesso,
muitos alunos não tinham ido até então, foi possível observar a configuração
urbana do centro de Florianópolis. Uma discussão sobre como o meio físico
pode influenciar a ocupação humana foi feita, além disso, aspectos
relacionados à segregação e agentes modeladores do espaço urbano (CORREA,
1989) também foram apontados.
Outro aspecto abordado nesta parada foi a questão da configuração da bacia
hidrográfica do rio Itacorubi, pois este ponto do maciço do morro da Cruz
caracteriza-se por ser um dos divisores de água desta bacia, onde dele pode-
se observar toda a planície de inundação, assim como outros morros divisores
de água que localizam-se no bairro do Itacorubi. Além disso, pôde-se
observar e discutir a respeito do manguezal do Itacorubi, um importante
ecossistema inserido no meio urbano.
Outro ponto evidenciado nesta primeira parada com vista panorâmica para o
centro de Florianópolis, foi a constatação feita pelos próprios alunos, de
que a ocupação mais densa se concentrava nas planícies – ou seja, nas áreas
mais baixas. Estas áreas baixas, próximas aos rios, foram diagnosticadas
pelos estudantes como mais propensas a inundações. Já as áreas declivosas no
entorno do Mirante do Morro da Cruz, foram por eles diagnosticadas como mais
propensas a movimentos de massa.
A segunda parada localizou-se às margens do manguezal da Costeira do
Pirajubaé. O bairro Costeira do Pirajubaé, por sua vez, é um ponto em que se
pode trabalhar com os alunos questões como acesso à moradia, desigualdade
social e urbanização desordenada aliados à assuntos de geomorfologia como
movimentos de massa e escoamento superficial. Nesta parada, aspectos como
impermeabilização do solo, ecossistema de mangue e ocupação humana em
encostas foram comentados.
Ao longo da saída de campo, percebeu-se que o local desta segunda parada foi
responsável por uma dispersão momentânea dos alunos, pois era situado
exatamente ao lado de uma rodovia movimentada. O barulho dos carros, bem
como a distância do grupo da encosta na qual as problemáticas geográficas se
referiam, provavelmente contribuiu para uma variação negativa no nível de
atenção e interesse dos alunos, seja por elementos do ambiente, seja pela
fala das professoras em formação. Desta forma, uma boa excursão geográfica
também deve ser capaz de se adaptar a imprevistos e improvisar. Foi decidido
permanecer menos tempo na Costeira e seguir em direção ao sul da Ilha para a
Praia da Armação, o que se mostrou uma boa decisão.
Chegando à última parada, na praia da Armação (figura 03), houve uma pausa
para lanche. Neste momento, a importância do elemento recreativo e social na
saída de campo educativa ficou evidente: grupos de alunos que raramente
conversavam entre si na aula confraternizaram, literalmente, na divisão dos
alimentos. A questão das áreas de risco foi novamente mencionada, desta vez,
em relação à ocupação humana das áreas costeiras (planícies marinhas),
devido a uma forte ressaca que danificou casas na Praia da Armação em maio
de 2010. Este desastre natural (ainda que em escala local e sem vítimas
mortais), derivado da forte ressaca, demandou obras de contenção na praia
além de reestruturação de muitas edificações. Apontou-se assim a dinâmica
externa dos processos geomorfológicos para os alunos: é de extrema
importância compreender que os processos de formação e reconfiguração (ou
ainda, destruição) das formas terrestres estão em constante atuação.
A maneira como os alunos se mostraram entregues ao aprendizado nas
colocações sobre as obras de recuperação na Praia da Armação foi um ponto
muito positivo da parada, pois muitos deles lembravam do episódio tão
veiculado na mídia local na época (forte ressaca ocorrida em 2010 na praia
da armação e que danificou muitas residências a beira-mar). Embora o assunto
da erosão marinha tenha sido abordado rapidamente através de aulas
expositivas e imagens, os alunos demonstraram bom domínio do tema. A
presença de imagens por si só se mostrou uma interessante ferramenta,
contudo a experiência prática da saída de campo, com a visualização in situ
das formas e processos geomorfológicos, se mostrou ainda mais positiva ao
aprendizado.
Apesar de os alunos terem sido lembrados sobre a saída de campo e a
atividade correspondente que computava parte importante das notas do
bimestre, nem todos os estudantes compareceram no dia da excursão e
entregaram a atividade (apesar de que todas as duplas tiraram fotos no dia
da saída).
Dos quinze alunos que participaram da saída de campo, somente uma dupla
enviou a atividade proposta relacionada à saída de campo (Figura 4). Tal
ponto é compreendido neste trabalho de forma que mesmo com a inserção de
métodos pedagógicos lúdicos e interativos dentro e fora da sala de aula, o
modelo tradicional de organização escolar da educação básica que permeia a
maioria das escolas públicas no Brasil, não é suficiente para fomentar de
fato os interesses dos alunos.
Observou-se que durante a saída de campo, os alunos perguntaram e
interagiram mais com os colegas e professoras. Além disso, demonstraram
muito mais interesse do que em outras atividades realizadas em sala pelas
duas primeiras autoras enquanto estagiárias de licenciatura em Geografia.
Localização dos pontos visitados na saída de campo
Fotografia do Mirante do Morro da Cruz. Observar a planície costeira completamente urbanizada.
Fotografia do último ponto visitado, a praia da Armação.
Resultado a avaliação proposta.
Considerações Finais
Percebeu-se de maneira geral e a partir das repostas no questionário, que as aulas de Geografia muitas vezes fogem das referências e do dia a dia dos alunos, gerando desinteresse pelos conteúdos. Em relação a esta questão, alguns pontos podem ser considerados, como a rígida e problemática estrutura escolar, a dupla jornada de estudo e trabalho dos alunos e a forma como os assuntos muitas vezes são trabalhados. Em relação à saída de campo, compreendeu-se que esta permitiu uma aproximação do que foi estudado em sala de aula com o espaço de vivência do aluno. Esta proximidade auxiliou e enriqueceu o processo de aprendizagem. O conteúdo se torna mais dinâmico e significativo quando o aluno é levado a outro ambiente para estudar e aprender. A liberdade propicia uma visão panorâmica do que está sendo estudado e o espaço geográfico vira uma sala de aula agradável ao aluno acostumado a estudar relevo e o observar no máximo pela janela da escola. Desta forma, a saída de campo como um recurso didático para o estudo do meio mostrou-se bastante significativa e proveitosa para o ensino de geomorfologia em aulas de Geografia no ensino médio. A troca do espaço da sala de aula por um espaço aberto mostrou-se uma boa alternativa didática, não sendo necessariamente preciso realizar grandes deslocamentos como o foi caso deste relato. Uma ida até a esquina do colégio, ou mesmo no pátio, já pode ser suficiente para possibilitar uma nova perspectiva de aprendizagem ao aluno.
Agradecimentos
Referências
CORREA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 2004.
LOPES, Claudivan S.; PONTUSCHKA, Nídia N. Estudo do meio: teoria e prática. Geografia (Londrina) v. 18, n. 2, 2009.
SANSOLO, D. G. A importância do trabalho de campo no ensino de Geografia e para a Educação Ambiental. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Universidade de São Paulo, 1996.
TOMAZZOLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. O mapeamento geológico-geomorfológico como procedimento básico na caracterização de áreas de risco: o caso da área central da cidade de Florianópolis – SC. In: Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais, 1., 2004, Florianópolis. Anais – Florianópolis GEDN/UFSC, 2004. P. 277-287.
VALENTE, J.A. (Org.). Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica central da UNICAMP, 1993.