Autores

Mezzomo, M.D.M. (UTFPR) ; Kawamoto, A.L.S. (UTFPR)

Resumo

O uso de ferramentas didáticas com caráter tecnológico tem se tornado, cada vez mais, uma necessidade para o ensino de Geomorfologia, principalmente em relação ao aprendizado dos alunos. Nesta perspectiva, foi desenvolvido um projeto em parceria entre professores e alunos dos Cursos de Engenharia Ambiental e Ciências da Computação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Campo Mourão, cujo resultado foi a construção de uma Augmented Reality Sandbox – ARS (Caixa de Areia de Realidade Aumentada). A metodologia para o desenvolvimento da ferramenta envolveu pesquisa bibliográfica sobre os temas interfaces naturais e dispositivos e aplicações no ensino; pesquisa sobre configuração da estrutura computacional; e montagem da ferramenta. Para testar a ARS, foi feita uma avaliação de usabilidade, a qual demonstrou que a ferramenta apresenta grande potencial de utilização no ensino, com destaque para temas envolvendo o relevo, como curvas de nível e hipsometria.

Palavras chaves

Geomorfologia; Realidade Aumentada; Ferramenta Didática

Introdução

O interesse em estudar as formas de relevo envolve uma necessidade crescente de conhecer melhor o ambiente ocupado pelo homem, tendo em vista tanto a necessidade por novos espaços, como para a compreensão dos processos envolvidos. Em um texto básico publicado em 1975 titulado ‘Formas de Relevo’, Ab’Saber apresenta algumas questões para instigar a importância do estudo do relevo, como: “por que estudar o relevo? Qual a vantagem prática de tais estudos? A quem vai interessar uma iniciação, por mais elementar que seja ao conhecimento das formas de relevo? Todo homem comum teria necessidade de conhecer alguma coisa sobre o relevo da terra ou pelo menos de sua região?” (AB’SABER, 1975, p. 3). Para responder a tais questões, o autor apresenta um exemplo expondo que para a escolha de um lote urbano para compra e construção, é preciso, entre outros aspectos, considerar: a posição do terreno na topografia; se é uma região alta ou baixa; se a encosta é suave ou com ladeiras íngremes; se tem largos espigões divisores de água; se apresenta grandes blocos de pedras expostos; ou se é terreno sujeito a solapagem pelos rios ((AB’SABER, 1975). Este exemplo pode se estender para outras atividades humanas, como a escolha de uma área industrial, de lazer ou de expansão urbana, entre outras formas de ocupação. Fato é que os aspectos destacados pelo autor estão diretamente relacionados às condições geomorfológicas do local, o que, portanto, evidencia a necessidade que a sociedade tem do conhecimento geomorfológico para instalar suas atividades de forma mais segura. Na opinião de Casseti (2005), o relevo apresenta importância fundamental no processo de ocupação antrópica, uma vez que inclui as propriedades de suporte e recurso, sendo que a maneira como ocorre à apropriação do relevo é que responderá pelo comportamento da paisagem. Neste sentido, conhecer e compreender a estrutura e dinâmica do relevo se torna fundamental para que a ocupação possa ser feita de forma planejada, evitando processos geomorfológicos que coloquem em risco a população. Diante disso, o ensino de Geomorfologia tem exigido, cada vez mais, o envolvimento de tecnologias capazes de auxiliar as investigações e com isso, possibilitar maior entendimento dos processos geomorfológicos diante da ocupação antrópica. O conhecimento adquirido por meio do uso de ferramentas tecnológicas permite com que compreenda os processos de forma mais dinâmica, o que contribui tanto para o aprendizado de alunos em fase de formação, como para o desenvolvimento de pesquisas científicas. Para tanto, reconhece-se que no Brasil, o custo para a aquisição de ferramentas tecnológicas tem se tornado uma dificuldade recorrente no ensino superior público, o que dificulta, por vezes, o processo de ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva, de utilizar ferramentas tecnológicas no ensino e pesquisas sobre temas correlatos a Geomorfologia, foi desenvolvida junto a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Campo Mourão, uma ferramenta de apoio didático denominada de Augmented Reality Sandbox – ARS (Caixa de Areia de Realidade Aumentada). Esta ferramenta foi desenvolvida de forma conjunta entre professores e alunos dos Cursos de Engenharia Ambiental e Ciências da Computação, tendo em vista duas perspectivas: montar uma ferramenta de apoio didático para o ensino de Geomorfologia para o primeiro curso, e proporcionar o desenvolvimento de projetos com software livre e dispositivos de interação não convencional, para o segundo. Para avaliar a usabilidade da ferramenta, foi feita uma exposição da mesma durante uma Feira de Profissões da Universidade, sendo aplicados questionários aos usuários para investigar a percepção quanto ao potencial didático da ARS, os quais os resultados são aqui apresentados.

Material e métodos

A metodologia para o desenvolvimento da ferramenta envolveu: pesquisa bibliográfica sobre os temas interfaces naturais, dispositivos e aplicações no ensino; pesquisa sobre configuração e estrutura computacional; montagem da ferramenta; e avaliação de usabilidade. Direcionados principalmente para o mercado de jogos, diversos dispositivos não convencionais tem surgido nos últimos anos (TEIXEIRA et al. 2011). Entre esses, destaca-se o Microsoft Kinect. O Kinect 1.0 é um dispositivo originalmente desenvolvido para o console Xbox 360 da Microsoft. Com o Iançamento do Kinect for Windows, seu uso foi expandido, sendo utilizado em diversas aplicações como na medicina, na robótica, na visão computacional e na educação (ZHANG 2012). Uma das vantagens desse dispositivo é o fato de possuir um Software Development Kit para a criação de aplicativos (WINDOWS DEVELOPMENT CENTER, 2015). Entre os recursos criados está a Augmented Reality Sandbox – ARS (Caixa de Areia de Realidade Aumentada). A ARS foi desenvolvida na Universidade da Califórnia, campus de Davis (UCDavis) e de Los Angeles (UCLA) e permite modelar paisagens com realismo e interatividade, sendo composta por um Microsoft Kinect, um computador com o software de simulação e um projetor multimídia (REED et al., 2014). Uma ARS é uma instalação que visa integrar um sistema de realidade aumentada a modelos topográficos criados fisicamente, que têm sua superfície escaneada por um computador em tempo real. Esses modelos são usados como plano de fundo para uma variedade de efeitos gráficos e simulações. O produto final é uma instalação contendo um computador, um projetor, um dispositivo para leitura da superfície 3D (nesse caso, Microsoft Kinect) e uma caixa contendo material que pode ser manipulado, como areia, para criar as topografias interativamente e com baixa necessidade de supervisão por parte de um especialista. Todo o software necessário para configurar a ARS é disponibilizado gratuitamente na internet sob a licença GNU – General Public License;. Para sua execução é recomendado um computador com processador Intel core i7, com clock de pelo menos 3GHz, uma placa de vídeo com processador gráfico (recomendada a Nvidia GeForce GTX 970), e sistema operacional Linux Mint 64 bits. Na aplicação realizada, o computador gerou um mapa hipsométrico com base em informações da câmera do sensor Kinect que projeta essa imagem na superfície da areia em tempo real, refletindo quaisquer alterações na topografia da mesma. O software realiza os cálculos para colorir a superfície de acordo com a elevação, que se forma com as projeções do relevo e as linhas de altitude. Em relação à avaliação de usabilidade, foram aplicadas 100 entrevistas durante uma Feira de Profissões da Universidade, cujo público envolvia alunos e professores de ensino fundamental, médio e superior e profissionais diversos. O questionário foi aplicado a 100 usuários, sendo constituído de dois conjuntos de questões: um para obter um perfil do usuário (faixa etária e formação escolar) e o outro para avaliar questões de eficiência, conhecimento prévio do tema abordado na aplicação (curvas de nível), conhecimento prévio de Realidade Aumentada, ergonomia (sensação de conforto ao usar a aplicação, facilidade do uso, satisfação ao utilizar) e se eles consideram que o uso da ferramenta facilita o aprendizado. Todas as questões do segundo conjunto utilizaram a escala Likert-5 (LIKERT 1932, p. 1-55).

Resultado e discussão

A ARS montada pode ser visualizada na Figura 1 e os resultados obtidos na avaliação de usabilidade estão expostos nos gráficos 1 e 2. A maioria dos entrevistados tinha entre 14 e 22 anos (65%). A segunda faixa etária de usuários foi a de maiores do que 30 anos (cerca de 20%), enquanto os demais tinham entre 23 e 29 anos. O entrevistado mais jovem tinha 14 anos e o mais velho 53 anos. A escolaridade dos entrevistados era de 43% cursando ensino superior ou com o curso superior concluído, 56% eram de pessoas cursando o ensino médio ou com o ensino médio concluído e 1% não respondeu. Esses resultados são devido ao público-alvo do evento no qual foi aplicado o instrumento de avaliação, constituído basicamente de alunos e professores. Quanto aos conhecimentos prévios em Realidade Aumentada, 53% afirmaram não ter conhecimento prévio, 46% afirmaram conhecer essa tecnologia e 1% não respondeu. Sobre o conhecimento sobre o tema Cartografia/Curvas de Nível, 37% dos entrevistados afirmou não conhecer, enquanto 62% afirmaram já ter algum conhecimento (Gráfico 1). Dentre os entrevistados que afirmaram já conhecer o tema, 30% afirmaram que a aplicação ajudou a compreender melhor o assunto. O questionário de usabilidade teve como objetivo avaliar a percepção dos usuários no que diz respeito ao desempenho da aplicação, velocidade de resposta, instalações, facilidade de aprender a usar, facilidade de usar, predisposição em utilizar novamente e se o usuário via potencial didático na ferramenta. Os resultados obtidos são sintetizados e apresentados no Gráfico 2. A investigação do potencial do uso dessa ferramenta em ambiente educacional é o foco da questão “Essa aplicação pode ser usada para ensino dos conceitos abordados”. Para essa pergunta, todos os entrevistados assinalaram “Concordo Totalmente” ou “Concordo”. Observa-se que a resposta para a questão “Essa Aplicação Ultrapassou minhas expectativas” obteve 87 respostas positivas (“Concordo”/“Concordo Totalmente”). Outras questões importantes foram “Utilizaria mais vezes a aplicação, se possível”, que obteve 88 respostas positivas, e “Eu me senti confortável fisicamente ao utilizar a aplicação”, com 87 respostas positivas. As questões que dizem respeito ao uso de cores, posição do mapa gerado, velocidade de resposta, entendimento da aplicação, condições de iluminação dizem respeito à configuração do ambiente e do equipamento, ou seja, instalações adequadas, uso de máquinas com memória de boa capacidade e processador rápido o suficiente para executar a aplicação.

Figura 1

Figura 1: ARS montada e com a projeção da hipsometria. Fonte: arquivo dos autores.

Gráfico 1

Gráfico 1: Conhecimento prévio em Curvas de Nível/Cartografia

Gráfico 2

Gráfico 2: Avaliação de Usabilidade

Considerações Finais

As respostas obtidas na avaliação de usabilidade indicam que há grande interesse do público em utilização de tecnologias inovadoras no ensino. O uso dessas tecnologias pode trazer muitos benefícios, como no caso explorado que envolveu temas relacionados a Geomorfologia. O uso de realidade aumentada, embora difundido no meio acadêmico de computação e utilizado em entretenimento e publicidade, ainda encontra, na educação, um nicho a ser explorado. Apesar de cerca de metade dos entrevistados afirmarem já conhecer essa tecnologia, pode-se observar, pelas respostas fornecidas, que essas aplicações, com grande impacto visual, ainda exercem bastante fascínio e despertam interesse das pessoas. Um ponto que merece destaque é o baixo custo da instalação se comparado a outros dispositivos comercialmente disponíveis. Esse custo pode ser um fator encorajador para a incorporação de novas funcionalidades na aplicação existente ou para o desenvolvimento de novas aplicações.

Agradecimentos

À Diretoria de Relações Empresariais e Comunitárias da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Campo Mourão, pelo apoio no desenvolvimento do projeto.

Referências

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