Autores
Gaspari, M. (UNIOESTE-FB) ; Pontelli, M.E. (UNIOESTE-FB) ; Paisani, J.C. (UNIOESTE-FB) ; Fugita, R.H. (UNIOESTE-FB) ; Almeida, B. (UNIOESTE-FB) ; Oliveira, D.M.R. (UNIOESTE-FB)
Resumo
O trabalho apresenta caracterização física e mineralógica de perfil de alteração representativo da superfície geomorfológica VII, situado em patamares extensos do Planalto das Araucárias, região de Xanxerê (SC). A caracterização física foi obtida pela descrição em campo, enquanto a mineralogia dos materiais foi realizada pela determinação por difratogramas de raios-X. O perfil apresenta mais de 10 metros de espessura, com sequência de horizontes A e B no solum e alterita com mais de 5 metros de espessura. A mineralogia demonstra evolução pedogeoquímica intensa dos materiais, ocorrendo minerais primários tipo quartzo e magnetita, e secundários como hematita, goethita, gibbsita, caulinita e vermiculita hidróxi entre camadas. As características físicas e mineralógicas observadas nos materiais, especialmente a presença de vermiculita hidróxi entre camadas somente no horizonte A, indicam que o perfil de alteração está em desequilíbrio biopedoclimático com as condições ambientais atuais.
Palavras chaves
perfil de intemperismo; macromorfologia do solum; ambiente subtropical
Introdução
O intemperismo é o conjunto de processos químicos e físicos que ocorre na superfície terrestre, resultando na decomposição das rochas expostas e consequente formação da alterita e do solum, ou seja, o perfil de alteração. Tais materiais, por se encontrar na camada mais superficial da crosta, estão susceptíveis à erosão, transporte e sedimentação (TEIXEIRA et al., 2009) Perfis de alteração são volumes rochosos transformados em espessos mantos de intemperismo pela ação de processos químicos e sugerem condição climática estável durante longo período, possibilitando assim a ação da pedogênese (LADEIRA E SANTOS, 2005). A maior ou menor intensidade de fatores que influenciam na formação do perfil de alteração resultam também nas diferentes características passiveis de serem encontradas em seus materiais. Em regiões tropicais, onde elevada temperatura e chuva são constantes ao longo do ano, os perfis de alteração são mais desenvolvidos e foram estudados profundamente por longos anos (TARDY, 1992). Esse amplo conhecimento dos ambientes tropicais não existe, ainda, na mesma intensidade para regiões subtropicais. Entender e verificar quais modelos evolutivos do relevo são atuantes no Planalto das Araucárias tem despertado o interesse, tornando-se objeto de estudo do grupo de Pesquisa Gênese e Evolução de Superfícies Geomórficas e Formações Superficiais da UNIOESTE de Francisco Beltrão – Paraná. Estudo realizado por Paisani et al (2008), a partir de observações de campo e dados orbitais do sensor SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), reconheceu formas de relevo que se distribuem em escadaria ao longo da Serra da Fartura, sentido leste-oeste, identificando 8 superfícies geomorfológicas incompletamente aplainadas. Com exceção das superfícies 1 e 2, que mostram formações superficiais de natureza alóctone, as demais superfícies (3 a 8) apresentam formações superficiais autóctones. A grande maioria dessas superfícies apresentam perfil de alteração e solum com variadas espessuras, mostrando que a alteração teve maior intensidade que a erosão na elaboração das superfícies aplainadas (PAISANI et al.; 2008). O detalhamento da cobertura superficial na superfície VI (Mariópolis - PR), ao longo da Serra da Fartura, mostrou perfil de alteração espesso, com predomínio da pedogênese e solum tipo LATOSSOLO VERMELHO distroférrico. Isso permitiu inferir estágio de intemperismo avançado ao perfil (RODRIGUES, 2011). Na superfície V (Clevelândia – PR), com regime pluviométrico similar e evoluído sob mesmo substrato geológico, os materiais também indicaram evoluído estágio de intemperismo (BERTUOL, 2014). Paisani et al. (2013) interpretam esses perfis latossólicos como formados a partir do Quaternário Médio, os quais representam perfis de intemperismo renovados, atestando a atuação da etchplanação na evolução do relevo. Diante de tal situação, é possível pensar que ao sul da Serra da Fartura também ocorram formações superficiais com elevado estágio evolutivo, considerando a continuidade do substrato rochoso (rochas ígneas vulcânicas) e as condições climáticas. Dessa forma, o objetivo desse trabalho é apresentar a caracterização física e mineralógica do perfil de alteração na superfície geomorfológica VII (Xanxerê/SC), inserida no Planalto das Araucárias.
Material e métodos
O perfil de alteração estudado corresponde a corte de estrada representativo da superfície geomorlógica VII, apresentando cerca de 10 m de exposição. Essa superfície corresponde 3° Patamar Extenso (Figura 1), denominada por Paisani et al., (2008). Dominam na área rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, constituída por derrames básicos a ácidos (Schneider et al., 1974). Especificamente no setor estudado ocorrem rochas efusivas ácidas, do tipo dacitos, riodacitos e riolitos (THOMÉ et al., 1999). O clima da área de estudo é o Cfa, mesotérmico, subtropical úmido, com verões quentes. A temperatura média mensal entre 12,4 e 21.1 °C, com média máxima de 28,1 graus °C no mês de janeiro e mínima de 7,1 graus °C no mês de julho. A pluviosidade varia entre 1.790 a 2.280 mm, com total anual de até 148 dias de chuvas. A umidade relativa anual varia entre 73 a 82% (THOMÉ et al., 1999). O relevo na área corresponde aos planaltos Dissecado Rio Iguaçu/Rio Uruguai e dos Campos Gerais. No primeiro o relevo é bastante dissecado com vales profundos e encostas em patamares, entre 1.000m até cerca de 300m de altitude. Consequentemente, a drenagem é fortemente controlada pela estrutura, cujos rios apresentam cursos sinuosos e vales encaixados, com patamares nas vertentes (THOMÉ et al., 1999). O Planalto dos Campos Gerais aparece em blocos isolados no Planalto Dissecado Rio Iguaçu/Rio Uruguai. Isso se dá pela dissecação ao longo dos principais rios (THOMÉ et al. 1999). O sistema hidrográfico da região comporta a drenagem do rio Chapecózinho, afluente do rio Uruguai (CPRM, 2002). A vegetação caracteriza-se como Floresta Ombrófila Mista com Araucária, com vegetação primária e secundária inferior a 18 % (THOMÉ et al., 1999) e os solos correspondem a LATOSSOLO Bruno/Roxo Álico, com textura muito argilosa, fase floresta subtropical perenifólia e relevo suave ondulado (EMBRAPA, 2004). Para a caracterização física e mineralógica do perfil de alteração VII – Xanxerê/SC realizou-se revisão bibliográfica, trabalhos de campo e análises laboratoriais. Em campo foram descritas as características físicas dos materiais, de acordo com Santos et al., (2005) tais como: a) cor, com o auxílio da Carta de Munsell; b) forma, tamanho e resistência da estrutura; c) cerosidade; d) porosidade e e) consistência, seca, para verificar a dureza, úmida, para determinar a friabilidade e molhada, para observar se o material é pegajoso e plástico. Coletou-se amostras com intervalos de 10 em 10 cm até a profundidade de 390 cm. De 390 cm até 1050 cm, os intervalos de coleta foram de 20 em 20 cm, visto que o material se mostrou mais homogêneo. As amostras foram utilizadas para o tratamento granulométrico e determinação da mineralogia dos materiais. Para o tratamento da densidade do solo foram coletadas amostras indeformadas com o auxílio de anel volumétrico, representativas dos principais volumes identificados (A, B e BC). As determinações granulométricas e de densidade do solo foram realizadas no Laboratório de Análise de Formações Superficiais da UNIOESTE – campus Francisco Beltrão. Utilizou-se o método do peneiramento para a fração grossa e separação via úmida para a fração fina (EMBRAPA, 1997, adaptada por PAISANI, 1998). Os dados da granulometria foram plotados em planilha do Excel para identificação dos teores de areia, silte e argila. A partir dos percentuais de cada classe granulométrica obteve-se a textura dos materiais (SANTOS et al., 2005) A densidade aparente e de partículas foi determinada com anel volumétrico, obtendo-se a porosidade total dos materiais (EMBRAPA, 1997). Os difratogramas de Raios X foram determinados e interpretados pelo Laboratório de Análise e Minerais e Rochas (LAMIR) da UFPR, para os métodos do pó, argila natural, aquecida e glicolada. Foram submetidas 11 amostras no total, correspondendo aos horizontes: A (100-110 cm), B (200-210; 300-310), BC (350-360), CB (430-450) e C (530-550; 630-650; 730-750; 830-850; 930-950; 1030-1040).
Resultado e discussão
3.1 Caracterização física dos horizontes
O perfil de alteração apresenta uma extensão de 10,50 metros de material
exposto. De acordo com as características físicas observadas em campo, foi
possível identificar no perfil de alteração 05 volumes de materiais
distintos, dos quais 03 correspondem ao solum e o restante a rocha alterada
com estrutura conservada – alterita (Figura 2).
O material superficial, entre 0 a 130 cm de profundidade, apresenta
estrutura solta de grau fraco, com cor bruno avermelhado escuro (2.5YR
2.5/4) tanto seco quanto úmido, textura muito argilosa, com consistência
moderada quando seco e muito friável quando úmido, ligeiramente plástico e
ligeiramente pegajoso (Figura 3). A densidade aparente do material é de
0,8951 g/cm3 e a densidade de partículas é de 2,5989 g/cm3, o que resulta em
uma porosidade total de 65,66 %. Especialmente as características de
estrutura e cor indicam características de horizonte A.
Entre a profundidade de 130 a 340 cm, o material se mostra com estrutura de
blocos subangulares de tamanho aproximado 6x3 cm e grau forte. A cor é
vermelho escuro (2.5YR 3/6) quando seco e variando entre bruno avermelhado
escuro (2.5YR 2.5/4) a vermelho escuro (2.5YR 3/6) quando úmido. A textura
se mantem muito argilosa, a consistência do material quando seco é
ligeiramente dura e quando úmido é friável, ligeiramente plástico e
ligeiramente pegajoso. A densidade, tanto a aparente quanto a de partículas
e a porosidade total se mostram semelhante ao horizonte A. Porém, as
características de cor vermelho escuro e a estrutura em blocos subangulares
de grau forte mostram que se trata de material correspondente a horizonte B.
O volume entre 340 e 390 cm de profundidade apresenta estrutura de blocos
subangulares de grau forte, bruno avermelhado cor (5 YR 4/4) quando seco
variando entre bruno avermelhado escuro (2.5 YR3/4) a vemelho escuro (2.5 YR
3/6) quando úmido. A textura se apresenta de muito argilosa a argilo
siltosa, a consistência quando seca é ligeiramente dura e quando úmida muito
friável, ligeiramente plástica e ligeiramente pegajosa. Ocorre um aumento
relativo da densidade aparente bem como da densidade de partículas, o que
resultado numa diminuição da porosidade total quando comparado com o
horizonte B (Figura 3). As características físicas de textura e porosidade
indicam volume transicional para material de horizonte C, mas ainda com
predomínio de características de B, o que levou a denomina-lo de horizonte
BC.
A característica de transição se mantém entre 390 e 490 cm de profundidade.
No entanto, neste volume ocorre predomínio de material do horizonte C,
individualizando CB (Figura 3).
A partir de 490 cm de profundidade individualiza-se material cujas
características físicas descritas em campo indicam rocha alterada com
estrutura conservada – alterita (Figuras 2 e 3).
Ao longo desses cinco metros do horizonte C destacam-se diferentes zonas
cuja concentração de materiais permite estabelecer subdivisões (Figura 2).
Destaca-se a zona amigdaloidal entre 490 a 670 cm (horizonte C1), com 5 a
10% de vesículas preenchidas por material esbranquiçado de textura argilosa,
seguida por faixa com matriz homogênea, de cor bruno avermelhada escura e
presença de manchas e clastos amarelados, variando entre 3 a 4 cm de
diâmetro (horizonte C2). Na base dessa faixa (850 a 870 cm) ocorrem
laminações de cor cinza (C3), seguida por nova faixa de concentração de
manchas amarelas (C4). A partir de 950 cm de profundidade a cor da matriz
passa a bruno avermelhado (2.5YR 4/4), com sinais de hidromorfia indicados
pela cor cinza esverdeado claro (Gley 1 8\1) e cinza azulado claro (Gley 2
8\1). Entre 970 e 990 cm a cor da matriz mostra-se bruno avermelhado (5YR
4/4), com manchas ocres (2.5Y 8/4) e brancas. Amigdalas esverdeadas, manchas
de manganês e caulinita aparecem na base do perfil (Figura 2).
3.2 Mineralogia dos materiais
No perfil de alteração estudado a determinação da mineralogia dos
materiais mostrou presença de mineral primário tipo quartzo, e de minerais
secundários do grupo dos óxido-hidróxidos, bem como filossilicatos (Figura
3). De modo geral a mineralogia encontrada nos materiais do perfil de
alteração indica material bem evoluído do ponto de vista pedogeoquímico
(KAMPF et al., 2012), reconhecido por Ker e Resende (1990) como cobertura
pedológica do tipo LATOSSOLO Bruno.
Entre os óxidos de ferro ocorrem a hematita e magnetita em toda extensão do
perfil, enquanto a goethita aparece apenas na alterita (Figura 3). A
magnetita é um óxido que tanto pode ser herdado da rocha mãe quanto formado
a partir do intemperismo químico. Nas situações de pedoambiente, ocorre em
condições aeróbicas (KAMPF e CURI, 2003).
Em condições subtropicais e tropicais, é comum o intemperismo de rochas
básicas originar solos argilosos com intensas quantidades de óxidos e
hidróxidos de ferro, sendo os mais comuns a hematita e a goethita (KAMPF et
al., 2009). No perfil de alteração estudado é curioso o fato de ocorrer
goethita apenas na alterita – horizonte C (Figura 3), visto que as condições
ambientais atuais são subtropicais, favoráveis a presença de goethita (KAMPF
e CURI, 2003). A presença apenas da hematita no solum pode indicar que este
material teria sido formado em condições ambientais diferentes das atuais.
Dentre os oxidohidróxidos de alumínio ocorre a gibbsita em toda a extensão
do solum, não aparecendo na alterita (Figura 3). Essa distribuição no perfil
de alteração sugere atuação de processo pedogeoquímico com dessilicatização
parcial (monossialitização) a total – alitização (KAMPF et al., 2012) nos
horizontes pedogeneizados. Igualmente ao considerado para a hematita, a
presença da gibbsita também indica que os materiais do solum teriam origem
alóctone e não autóctone.
Dos filossilicatos, a caulinita é comum na totalidade dos materiais do
perfil, enquanto a vermiculita hidroxi entre camadas (VHE) aparece somente
no horizonte A (Figura 3). A caulinita predominando na fração argila
confirma o elevado grau de evolução dos materiais visto que este
argilomineral é mais abundante em condições climáticas quentes e úmidas.
Esses fatores ambientais possibilitam a perda parcial da sílica, o que
permite a ocorrência da monossialitização, condição favorável à formação e
estabilidade de argilomineral 1:1 no solo (KAMPF et al., 2009; KAMPF et al.,
2012).
A presença de VHE no horizonte superficial, num primeiro momento, poderia
indicar material pouco evoluído pedogeoquimicamente, já que se constitui, de
modo geral, como filossilicato formado em ambiente de bissialitização -
argilomineral tipo 2:1 (KAMPF et al., 2012). No entanto, uma vez formados,
esses minerais apresentam maior estabilidade termodinâmica que a caulinita,
configurando-se com alta resistência ao intemperismo (KAMPF et al., 2009),
daí o fato de permanecer no perfil de alteração.
Em substrato rochoso vulcânico a presença de VHE deve estar relacionada a
alteração de feldspatos potássicos (GHIDIN et al., 2006), visto não existir
minerais micáceos nestas rochas, ou resultar da evolução pedogeoquímica de
caulinitas (KAMPF e KLAMT, 1978). É possível que a ocorrência de VHE apenas
no horizonte superficial (Figura 3) seja remanescente de antigo nível de
horizonte B que foi truncado pela erosão e, posteriormente, melanizado. Isso
já foi encontrado em materiais de perfil latossólico na superfície VI
(PAISANI et al., 2013).
Distribuição das superfícies entre a Serra da Fartura e o Rio Uruguai e localização do perfil de alteração estudado. Modificada de Manfredini.
Representação esquemática do perfil de alteração (a) e distribuição granulométrica ao longo do perfil
Propriedades macromorfológicas e caracterização mineralógica do Perfil de Alteração.
Considerações Finais
As características físicas e mineralógicas dos materiais encontrados no perfil de alteração representativo da superfície geomorfológica VII, situado em patamares extensos na região de Xanxerê (SC), revelam solum bem evoluído pedogeoquimicamente, enquadrado na classe dos latossolos, ainda que se mostre relativamente pouco espesso, com horizonte B aproximadamente de 2 metros. A alterita se apresenta bem espessa, com cerca de 5 metros expostos e presença de goethita apenas no horizonte C, além da hematita, gibbsita e caulinita. A distribuição da caulinita e gibbsita na totalidade do perfil de alteração sugere atuação tanto da hidrólise parcial quanto total - alitização nos horizontes pedogeneizados. As condições ambientais atuais não apresentam características que favoreçam a ocorrência de gibbsita em todo o perfil de alteração. A ocorrência de VHE apenas no horizonte A indica desequilíbrio biopedoclimático (Boulet et al., 1977) em relação às condições modernas. Isso leva a pensar que este solum seja remanescente de um paleolatossolo de regime climático mais frio.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Protocolo 470967/2014-5), pelo financiamento das análises mineralógicas; ao CNPq – Processo 300530/2012-9; e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Francisco Beltrão, pelo apoio na realização dos trabalhos de campo.
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