Autores
Rosa, K.K. (UFRGS) ; Petsch, C. (UFRGS) ; Campana, A.S. (UFRGS) ; Simões, C.L. (UFRGS) ; Gonçalves, M.A. (UFRGS) ; Viel, J.A. (UFRGS)
Resumo
O artigo objetiva investigar a evolução dos sistemas marginais ao gelo e proglacial na relacionado às recentes mudanças climáticas em andamento. Os dados foram obtidos de análises laboratoriais e sedimentares, processamento multianual de imagens de satélite e mapeamento de geoformas de áreas insulares na região subpolar Antártica. O modelo revela uma rápida evolução de sistemas marginais ao gelo e proglaciais relacionados a diferentes estágios de retração glacial decadal. Lagos proglaciais e geoformas revelam que geleiras tem recentemente mudado suas condições de término de maré para terrestre. Os resultados proporcionam a reconstrução do passado e o modelamento de cenários da evolução destes ambientes expostos com a retração glacial.
Palavras chaves
processos geomorfológicos glaciais; mudanças ambientais glaciais; sistemas proglaciais
Introdução
Sistemas proglaciais e marginais ao gelo são sensíveis às mudanças climáticas em andamento (COWIE et al., 2014; Carrivick, 2015). Várias geleiras em regiões subpolares Antárticas têm evidenciado graus de retração acelerada nas últimas décadas (ROSA, 2012). Este processo está relacionado com a tendência de aumento de temperatura média superficial do ar anual para a região da Península Antártica nas últimas seis décadas (ROSA et al. 2014). A deglaciação resulta em um ambiente proglacial, com a exposição de vários tipos de formas de relevo e em diferentes escalas. Estes registros são úteis para a reconstrução da evolução deste ambiente e para investigar como o processo de retração ocorre em relação à variabilidade climática regional. Os ambientes proglaciais são definidos como aqueles localizados próximo da frente de uma geleira, campo de gelo ou manto de gelo (PENCK e BRUCKNER, 1909). Estes ambientes são ajustados conforme o regime de degelo e estão relacionados com processos glaciofluvial, glaciolacustrine e ainda glaciomarinhos. A hidrologia dos canais proglaciais exibe um padrão sazonal e diurno (Church e GILBERT, 1975; BENN e EVANS, 1998, EVANS et. al., 2005). Com o andamento da recessão glacial, a paisagem recentemente livre de gelo é submetida a rápidas mudanças geomorfológicas como processos sedimentológicos, hidrológicos e eólicos que se alternam na paisagem (KLAAR et. al., 2015). O termo paraglacial se refere a condições instáveis e com alta atividade geomorfológica associada à paisagem submetida a esta recente fase (BALLANTYNE, 2002), onde o grau de mudanças na paisagem e na carga sedimentar é elevado. Os processos paraglaciais são condicionados pela atividade glacial (CHURCH e RYDER, 1972; BALLANTYNE, 2002). Processos retrabalham as características físicas dos sedimentos (BALLANTYNE, 2002a; BENN e EVANS, 2010). O desenvolvimento geomorfológico seguido da retração glacial é influenciado pela alta carga sedimentar originada de depósitos glaciais, tais como morainas, tills, eskers, flutings e os processos que envolvem a modificação da área livre de gelo envolvem movimento de massa, ação de degelo e recongelamento, processos fluviais entre outros. Devido à alta variabilidade da mobilização sedimentar e ao aumento da atividade glaciofluvial a paisagem paraglacial torna-se dinâmica e há um período de ajustamento que termina quando há a condição de um estado de diminuição da influência glacial condicionada pela escassez de aporte sedimentar glacial ou a estabilidade dos processos de retrabalhamento (Ballantyne, 2002b). Há uma gradual sucessão das comunidades de plantas na interação biológica/ecológica e com os processos geomorfológicos no novo ambiente com atividade periglacial (Milner et al., 2007; Marston, 2010). Os ambientes periglaciais são definidos como aqueles em que a ação do degelo e congelamento do permafrost e processos relacionados são os dominantes na paisagem (French 2000, French e Thorn 2006, Slaymaker, 2011). Este artigo objetiva investigar como ocorre a evolução dos sistemas marginais ao gelo proglaciais em reposta às mudanças climáticas recentes em regiões subpolares Antárticas. A evolução do ambiente proglacial possui consequências para a estabilidade da paisagem, fluxo de sedimentos e água de degelo e ainda ciclos bioquímicos. Para o maior entendimento da dinâmica destes ambientes é relevante a construção de critérios para identificação do estágio de evolução do ambiente deposicional em resposta à retração glacial, visando a reconstrução paleoglaciológica e a extração de cenários para o ambiente diante da projeção de tendência de aumento da temperatura média superficial para as próximas décadas nas regiões polares.
Material e métodos
A evolução dos sistemas proglaciais e marginal ao gelo foi investigada através do reconhecimento dos processos geomorfológicos e hidrológicos e da interpretação sedimentar. O artigo apresenta resultados de atividades de campo realizadas nas estações de ablação dos anos 2007/2008, 2010, 2011, 2013, 2014 e 2015 ao longo de áreas livres de gelo em porções insulares de localização subpolar Antártica. Os dados foram obtidos por análises laboratoriais de sedimentos coletados em campo e a interpretação de imagens de satélite pré-processadas Quickbird, Cosmo-SkyMed (banda C) e TerraSar (banda X) de alta resolução espacial e ainda modelos tridimensionais e imagens SPOT, Landsat e Sentinel de diferentes anos (desde década 80, exceto Sentinel). Foram identificados os diferentes critérios de diferenciação dos estágios de evolução do ambiente recentemente exposto através de um modelo comparativo. Foram analisados os processos relacionados à ação glacial, glaciolacustrina, glaciolacustre, glaciomarinha, glaciofluvial e não glacial, tais como movimento de massa, lacustre, fluvial, pluvial, congelamento e fusão do permafrost, relacionados com atividade paraglacial e periglacial. Também foram interpretados o padrão erosivo ou deposicional do estágio, a transição no tempo e espaço (em função da distância da geleira). A localização em valores de declividade, no vale, marginal ao gelo também foram critérios identificados, assim como o grau de distúrbio do ambiente e o padrão de drenagem por mapeamento geomorfológico (ROSA, 2012).
Resultado e discussão
Dados observacionais em campo e análise temporal de mapeamentos
geomorfológicos evidenciaram que geleiras de maré ou de descarga em contínua
retração, em condições de substrato de baixa declividade, exibiram um padrão
de evolução do ambiente proglacial que pode ser modelado em 4 estágios
(Figura 1). Os estágios foram validados com base em dados observacionais em
escala multianual e na estação de ablação.
O modelo (Figura 1) revela uma rápida evolução de sistemas marginais ao gelo
e proglaciais relacionados a diferentes estágios de retração glacial
decadal. Lagos proglaciais e geoformas revelam que geleiras tem recentemente
mudado suas condições de término de maré para terrestre.
Figura 1
Em um primeiro estágio o ambiente recentemente exposto, o ambiente
proglacial, fica em contato direto com a geleira. Depósitos morâinicos de
recessão de maior espessura são formados na posição frontal e lateral da
geleira e ficam sujeitos ao início da atividade paraglacial, como movimentos
de massa, assim como depósitos de flutings e eskers. Canais de fusão da neve
e do gelo superficial e ainda subglacial emergem no ambiente proglacial
recentemente formado. Lagos e lagunas proglaciais possuem contato direto com
a geleira. A geleira altera-se suas configurações de término para terrestre
(Figuras 2 e 3).
Figura 2
Formação recente de lagos proglaciais em contato direto com a geleira após a
modificação de condições de geleira de término de maré para uma geleira
land-termining.
Figura 3
Morainas recessionais são aquelas que foram agrupadas mais recentemente à
moraina terminal, são formadas por uma longa parada durante uma recessão
glacial, ainda que ela possa ter sido depositada ou empurrada durante um
pequeno reavanço ou pausa da geleira (Benn e Evans, 2010).
Em uma fase anterior mais recente, evidenciada pelos depósitos na área
proglacial, verifica-se que havia o transporte glacial de matacões e grandes
blocos rochosos, havia alta proporção de deposição de till, alta deposição
de flutings com rochas morfologicamente facetadas e com estriações,
evidenciando maior atividade pela geleira, velocidade de fluxo, deslize, e
maior transporte sedimentar por mais extenso e espesso fluxo de gelo e as
morainas marginais e frontais de recessão apresentam-se de menor espessura
sedimentar do que formadas nas outras décadas.
Em um segundo estágio, no ambiente proglacial formação de um setor distal,
que do estágio anterior modifica-se com a observação de rápidas e intensas
modificações por atividade paraglacial. O lago proglacial continua a receber
fluxo de água de degelo subglacial, mas por canais proglaciais conectores
(Figura 4). Os canais proglaciais auxiliam no retrabalhamento dos depósitos
expostos na fase anterior e ainda nos depósitos em formação e exposição (no
ambiente proximal formado na fase atual), como flutings e cordões morâinicos
recessivos de menor espessura.
Pode ser evidenciada uma maior remoção sedimentar pela água de degelo do que
transporte pelo gelo, sendo que os processos de erosão predominantes são os
pela água de degelo e abrasão em menor proporção, registrando-se nas
características morfológicas dos grãos sedimentares e ainda na abundância de
sedimentos finos sendo disponibilizados pela geleira. Assim, na fase inicial
do desenvolvimento do sistema proglacial há pouca estocagem sedimentar dos
finos, os quais são transportados por um eficiente sistema de drenagem
subglacial e ainda na sequência não há produção de material sedimentar por
arrancamento e mobilização, devido a baixa velocidade do fluxo de gelo
evidenciada pela geleira. Com o alto transporte pela água de degelo há pouca
proporção de flutings sendo formados pela geleira, apenas há a exposição
destes depósitos onde o fluxo de gelo torna-se estagnado. Movimentos de
massa em áreas mais íngremes em depósitos morâinicos mais antigos geram
depósitos coluvionares.
Em um terceiro estágio, no ambiente proglacial mais extenso, há uma maior
área com intensas modificações por atividade paraglacial. Na área exposta
por mais tempo processos periglaciais são evidenciados, ainda que iniciais.
Lagos entreleçados, alimentados por fluxo de degelo de neve e de gelo
estagnado, principalmente, formam-se onde havia parte do corpo da geleira
ativa e são interconectados aos lagos proglaciais e alagadiços de menor
extensão. Os depósitos coluvionares e glaciais, já retrabalhados, são
erodidos em setores onde o fluxo de água de degelo de neve torna-se
concentrado. Junto à geleira ativa há a formação de cordões morâinicos de
pouca extensão e espessura e flutings com uma menor quantidade de sedimentos
de maior granulometria e de pouco arredondamento e esfericidade. Este
processo evidencia as condições de menor velocidade e espessura da geleira
que se estende apenas nas partes mais altas de sua bacia de drenagem.
Estudos de Ferrando et al (2009) relacionam a ocorrência de precipitações
sobre a neve na ilha Rei George com o processo de diminuição de área e
espessura das geleiras na área de estudo nas últimas décadas. A água provoca
fusão da superfície de neve sobre as geleiras, o fluxo de água de degelo
penetra nas fendas e se conecta com fluxos englaciais e subglaciais nas
geleiras temperadas, o que acelera a velocidade do processo de fusão da
geleira no verão e mudanças no balanço de massa das geleiras na ilha Rei
George.
No quarto estágio, há a formação gradativa para um ambiente periglacial
(Figura 5). Movimentos de massa, intemperismo químico, atividade de
congelamento e fusão do permafrost também são evidenciados. Lagos com menor
extensão e canais entrelaçados, alimentados por fluxo de degelo de neve e de
gelo estagnado, principalmente, formam-se onde havia parte do corpo da
geleira ativa e são interconectados aos lagos proglaciais e alagadiços de
menor extensão. Junto aos canais entrelaçados e lagos, alimentados
principalmente pela fusão de neve, há a formação de áreas úmidas com
atividade orgânica intensa, assim como há a colonização por musgos e liquens
abrangendo uma área maior. A geleira compreende um fluxo de gelo estagnado
ou não possui mais influencia direta em setores expostos na fase 1.
Figura 4
Estágios de evolução do ambiente proglacial com a continuidade e avanço do processo de retração.
Evolução do lago proglacial na geleira Znosco
Formação de lagos proglaciais em contato direto com a geleira após a modificação de término de maré para uma geleira land-termining
Canais proglaciais conectores ao lago proglacial em evolução (a, b, c). Atividade orgânica e evidências da evolução para um ambiente periglacial (d).
Considerações Finais
Na paisagem formada mais recentemente, todos os processos evidenciam a recessão glacial contínua. A menor velocidade de gelo da geleira de menor espessura é evidenciada pela menor presença de grãos de maior granulometria e há a presença de água de degelo abundante na base e uma ativa remoção sedimentar subglacial. O aumento de numerosos canais laterais de água de degelo ao longo da margem da geleira, conectividade e formação com lagos proglaciais e a formação de um terreno susceptível à alteração por processos paraglaciais marcam as fases iniciais gradando para uma maior influência periglacial. Os resultados proporcionam a reconstrução do passado de retração glacial em estágios e ainda o modelamento comparativo dos cenários da evolução destes ambientes expostos com a retração glacial. Esses ambientes revelam-se sensíveis as mudanças climáticas e são importantes alvos de monitoramento e compreensão de sua dinâmica.
Agradecimentos
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).
Referências
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