Autores

Martins, F. (UFMG) ; Salgado, A. (UFMG) ; Barreto, H. (UFMA) ; Limoeiro, B. (UFMG)

Resumo

A Chapada das Mesas, no sul do Maranhão e nordeste do Tocantins, é uma região semi-úmida com relevo em dois patamares, um de altimetria mais baixa e outro mais elevado, destacado por residuais em rocha siliciclástica. Nesta região feições de dissolução demonstram morfogênese regional mais complexa que outros relevos do tipo chapada. Objetivou-se, portanto, identificar essas feições e compreender se essa pode ser considerada uma paisagem paleocárstica. Este trabalho se desenvolveu a partir de pesquisa bibliográfica, trabalhos de campo e análise e interpretação de dados. Assim, identificou-se uma paleodrenagem com portais, cavidades nas escarpas das chapadas, ductos interligados e cânions que são cavidades com o teto abatido. Concluiu-se que o desenvolvimento dessas feições está associado à configuração atual da paisagem, a qual apresenta trechos de vales em cânion, cachoeiras circundadas por paredões rochosos, relevos ruiniformes e paralelismo na disposição das chapadas e mesas.

Palavras chaves

Paleocarste; Chapada das Mesas; Maranhão

Introdução

A unidade de relevo Chapadas e Planos do Rio Farinha, popularmente conhecida como Chapada das Mesas, está, majoritariamente, localizada no nordeste do Brasil (sul do Maranhão) e, em menor proporção, na região norte (nordeste do Tocantins), abrangendo o retângulo envolvente entre as coordenadas 47º 57’19.922’’W, 7º 27’51.042’’S e 45º 57’40.707’’W, 6º 34’13.353’’S. A região da Chapada das Mesas é composta por uma paisagem plana em que ocorrem ressaltos altimétricos. Esses relevos residuais, conhecidos regionalmente como “mesas”, no contexto geológico, modelam a unidade geotectônica da Bacia Sedimentar do Parnaíba, e estão sustentados pelas coberturas vulcânicas da Formação Mosquito, as areníticas da Formação Sambaíba (Grupo Balsas) e as Coberturas Detrito-Lateríticas Neogênicas que, posicionadas no topo, são mais resistentes à erosão. Esta é uma região geomorfologicamente diversificada, ecologicamente importante por abrigar os biomas Amazônico, Cerrado e Caatinga, e alvo de disputas territoriais por constituir área de fronteira agrícola no Brasil e por conter características fluviais adequadas à instalação de hidrelétricas. O turismo ecológico também tem sido uma prática comum, utilizando-se de suas peculiaridades paisagísticas. Considerando a degradação ambiental gerada por essas atividades antrópicas, foi instalado em 2005 o Parque Nacional da Chapada das Mesas. Entretanto, conforme Martins & Salgado (2015), o PARNA em questão protege apenas uma parte pequena dessa paisagem, estando as mesas, em sua maioria, localizadas externamente à sua abrangência. Assim, os possíveis usos desse espaço faz com que o patrimônio geomorfológico regional seja colocado em risco, agravando o problema na medida em que a região ainda é pouco conhecida cientificamente, principalmente no âmbito da geomorfologia. Nesta perspectiva, Barreto et al., (2015) trabalharam diretamente com a geomorfologia da Chapada das Mesas destacando sua morfogênese a partir do ciclo de evolução proposto por King (1953), conhecido como pediplanação. Já Costa et al., (1996) associam a disposição das mesas à estrutura do substrato geológico, seguindo a tendência dos lineamentos do Sistema Transcorrente Carolina-Pedra Caída formados a partir da neotectônica. Contudo, a maioria dos trabalhos que abrangem a geologia, ou mesmo a geomorfologia da área em estudo (Costa et al., 1991; Bemerguy & Costa, 1991; Costa & Hasui, 1991; Costa, 1996) dão maior enfoque à geologia estrutural da região Amazônica, sendo a Chapada das Mesas uma pequena porção de seu recorte oriental. Já outra abordagem de estudos pode ser mencionada e refere-se a uma análise ambiental da região, destacando-se a tese de Marques (2012), pautada na descrição da paisagem em conjunto com os aspectos sociais das comunidades tradicionais. Apesar dos esforços em se compreender a morfogênese da Chapada das Mesas, as bibliografias negligenciam a existência de feições de dissolução inativas na região, as quais poderiam ser a chave ou, ao menos, um fator imprescindível à compreensão deste relevo. A identificação de um paleocarste resultaria em maior complexidade na análise dessa paisagem em detrimento dos modelos convencionais de evolução de longo termo aplicados a regiões de chapada. Uma vez que feições de dissolução inativas foram percebidas na unidade de relevo em discussão e várias cavernas estão catalogadas no Cadastro Nacional de Cavernas do Brasil da Sociedade Brasileira de Espeleologia, acredita-se que é imprescindível a integração dessas feições na análise geomorfológica regional. Portanto, objetiva-se reconhecer essas paleofeições de dissolução na Chapada das Mesas, assim como refletir se estas estão associadas à morfogênese desta paisagem. Este trabalho ainda visa colaborar com a identificação de processos espeleogenéticos em rochas não-carbonáticas no norte e nordeste do Brasil e ao mesmo tempo suscitar discussões acerca da complexidade e diversidade morfogenética que uma paisagem de chapadas pode apresentar.

Material e métodos

A metodologia deste trabalho consiste em três etapas, sendo elas de revisão bibliográfica, trabalho de campo e interpretação e análise de dados. Na primeira fez-se leitura de artigos, teses e dissertações sobre os estudos geomorfológicos na Chapada das Mesas, da temática paleocarste, assim como sobre regiões que tiveram o desenvolvimento de sua paisagem associado a um antigo sistema hidrográfico. Os trabalhos de campo foram realizados na região da Chapada das Mesas no sul do Maranhão e Nordeste de Tocantins em Outubro de 2014, com observação da paisagem, anotações e fotografias que pudessem dar suporte a posteriores discussões sobre a disposição paisagística da região. Esses dados e informações levantados em campo foram analisados com base na revisão bibliográfica permitindo refletir a importância dessas geoformas para a evolução do relevo regional.

Resultado e discussão

Ao longo de toda a área foi possível identificar cavidades distribuídas nas escarpas das chapadas (Figura 1). Essas feições encontram-se dispostas sempre em um sentido preferencial, sendo ele horizontal ou vertical. Aquelas cavidades dispostas em sentido horizontal parecem controladas por possível discordância entre as camadas do arenito (Figura 1a), a qual constitui área de fraqueza frente à atuação dos processos de meteorização. Já as cavidades que apresentam maior desenvolvimento no sentido vertical (Figura 1b) se originaram por porosidade secundária (falhas e fraturas), a qual é fator sine qua non ao desenvolvimento de sistemas hidrográficos em subsuperfície. Mas, não é apenas nas escarpas das chapadas que essas cavidades estão presentes. Elas também se encontram alçadas na paisagem, na forma de portal, modeladas sobre resquícios de rochas que jazem acima das superfícies tabulares (figuras 2a e 2b).A região da Chapada das Mesas também chama atenção por apresentar relevos ruiniformes (figuras 2c e 2d) e que podem estar intimamente associados a estes portais suspendidos nos altos da paisagem. Em um contexto paisagístico similar ao estudado neste artigo, Hardt et al., (2009) destacaram que o relevo ruiniforme representa uma das formas mais significativas de relevo cárstico que se apresentam em rochas hoje expostas, sendo seu aparecimento decorrente da erosão diferenciada que ocorre em pontos da rocha que sofreram diaclasamento. O portal mais desenvolvido e de fácil acesso pelos turistas é o Portal da Pedra Furada, o qual está localizado no município de Carolina (Figura 3) e configura-se no formato de arco ou ogiva, que apresenta, conforme Hardt et al. (2009) , estabilidade natural, com a distribuição do peso das rochas acima sobre as partes laterais. Além da presença dessas macroformas, verificou-se, nas laterais dos arcos, um conjunto de ductos de tamanhos inferiores dispostos no sentido das camadas do arenito (Figura 3). Sua formação, ao contrário dos arcos, está associada à zona de fraqueza dos planos de estratificação. Observa-se então que esses condutos menores, provenientes da fragilidade do contato entre camadas, convergem em direção ao conduto principal (Figura 3), o qual é decorrente de um diaclasamento secundário. Essa configuração de ductos constitui evidência de paleosistema de drenagem cárstica na região da Chapada das Mesas. Isso porque tais sistemas de condutos, horizontais e verticais, por estarem desconectados do relevo, nos permitem dizer que se trata de um sistema antigo, que se desenvolveu quando o aquífero se encontrava acima do nível atual (HARDT et al., 2011). Nesta fase, a erosão química e física dos arenitos se processou através da ação da água, pela estrutura primária apresentada por essas rochas e por processos tectônicos ligados a possível e expressivo conjunto de falhas. Essas feições são indícios de um paleocarste, cuja designação “relaciona-se a relevos cársticos e a sistemas de cavernas antigos, soterrados (fossilizados) por depósitos mais jovens, que posteriormente podem ser exumados e rejuvenescidos” (SUGUIO, 2010, p.279). Destacam-se na paisagem cursos d’água e cachoeiras com arranjo peculiar, pois alguns trechos de rios possuem configuração em cânion devido à sua retilinearidade, estreitamento e encaixamento entre paredes rochosas com ângulo que beiram os noventa graus. Já as cachoeiras encontram-se circundadas por rochas, apresentando uma cavidade na sua parte superior, no local em que ocorre a queda d’água, assemelhando-se muitas delas a antigos sumidouros ou clarabóias que capturaram drenagens (figura 4a e b). Tais fatos fazem inferir que o mosaico paisagístico da Chapada das Mesas está intimamente associado a um antigo sistema paleocárstico, que é extremamente importante para a compreensão da morfogênese dessa região.

Figura 1

Cavidades na escarpa de chapadas e localização da Chapada das Mesas, MA/TO. Autores: André Salgado, Out, 2014; Brenda Limoeiro, Out, 2014.

Figura 2

(a e b) Rocha com cavidade nas áreas mais elevadas; (c e d) Relevo ruiniforme. Autores: (a e b) André Salgado;(c e d) Fernanda Martins, Out. 2014.

Figura 3

Paleocondutos em diferentes escalas no Portal da Pedra Furada. Autora: Hélen Nébias, Out. 2014.

Figura 4

a) Cachoeira da Caverna e (b) Cachoeira do Santuário, Maranhão. Autor: Fernanda Martins, Out. 2014.

Considerações Finais

Pode-se afirmar que a gênese da paisagem da Chapada das Mesas ainda não foi devidamente analisada no âmbito da geomorfologia, visto que foram raros ou ausentes os estudos que analisaram os aspectos paleocársticos da região. Este fato é preocupante, considerando a importância econômica e turística da região e, consequentemente, a possibilidade de perda do patrimônio geomorfológico. Paralelamente, pode-se afirmar que a região da Chapada das Mesas possui morfogênese mais complexa que os modelos de longo termo utilizados isoladamente, como o caso da pediplanação. Nesta lógica, as cavidades teriam se formado num momento anterior à denudação de uma paleosuperfície que hoje está representada altimetricamente por mesas e chapadas. A partir de uma mudança no nível de base regional esses condutos foram evoluindo subsuperficialmente, aumentando a instabilidade dos materiais que jaziam sobre as galerias ou cavidades subterrâneas facilitando a desnudação a partir do colapso dessas cavidades. Assim, as feições de dissolução evidenciadas ao longo deste trabalho revelam uma cronologia de evolução que deve ser melhor estudada para se entender o contexto paisagístico da região da Chapada das Mesas.

Agradecimentos

Agradecemos ao Convênio CAPES-COFECUB (869-15) e ao CNPq (Projeto Universal 446857/2014-9) pelo apoio financeiro.

Referências

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