Autores

Dias, J.S. (UFJF) ; Neto, J.O.A. (UFJF) ; Tavares, C.M.G. (UFJF) ; Felippe, M.F. (UFJF)

Resumo

A formação de canais fluviais é um dos assuntos mais complexos da geomorfologia. As condições locais e regionais que promovem a gênese da rede de drenagem são de suma importância na compreensão da dinâmica do relevo, evidenciando como as bacias hidrográficas e, obviamente, toda a paisagem evolui. Esse trabalho objetiva reconhecer a distribuição espacial do coeficiente de manutenção de bacias de cabeceiras na Serra da Mantiqueira. Os resultados mostram que apesar da homogeneidade estatística, pode-se apontar zonas de maior e menor capacidade de formação de canais no interior da Mantiqueira.

Palavras chaves

Cabeceiras de drenagem; formação de canais; Serra da Mantiqueira

Introdução

A formação da Serra da Mantiqueira ocorreu a partir do tectonismo no Paleoceno, onde falhamentos causaram deformações crustais culminando na ocorrência de bacias geradas por abertura de rifts, chamadas bacias tafrogênicas (ALMEIDA, 1998). Genaro (2008) aprofunda essa análise, ao apresentar os pulsos térmicos dos traços de fissão ligados à formação da Serra da Mantiqueira, a partir da separação da Gondwana, tendo assim, sua origem a partir de falhas normais de grande rejeito. Heilbron (1995), de forma elucidativa, retrata os domínios tectônicos em que a Serra da Mantiqueira se apresenta em: i-) o autóctone onde apresenta evidente atividade deformacional tendo sua intensidade diminuída em direção à área cratônica e, ii-) o inferior que é representado por um conjunto metassedimentar demasiadamente deformado. A referida autora afirma que a Serra da Mantiqueira, como participante do Embasamento Pré 1,8 Ga, consiste também de rochas formadas no evento Transamazônico. Logo, é possível considerar a Serra da Mantiqueira como área que apresenta escarpas montanhosas expressivas, controle tectônico acelerado e feições morfotectônicas em sua composição (MARQUES NETO, 2014), com formações a partir de eventos de soerguimento e abatimento escalonados de blocos (FERNANDES, 2013). A título de convenção optou-se por empregar no presente estudo, a divisão utilizada por RADAMBRASIL (1983), dividindo a Serra da Mantiqueira em Meridional e Setentrional. Ambas as regiões (Mantiqueira Meridional e Setentrional) correspondem aos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O relevo da região condizente à Mantiqueira Meridional apresentou intensos tectonismos durante o Cenozoico, proporcionando uma evolução morfológica nessa área que, deu-se a partir da gênese dos maciços alcalinos e da elevação da margem continental (MARQUES NETO, 2015). A região da Mantiqueira Setentrional abarca o sul do Espírito Santo, leste de Minas Gerais e parcela do Rio de Janeiro, com uma das maiores cotas altimétricas do Brasil, nesse caso a Serra do Caparaó com 2897m, que se encontra na fronteira de Minas Gerais com Espirito Santo. De forma geral predomina-se ao longo da serra regiões de latossolos vermelho- amarelo distróficos, vermelho amarelo húmicos álicos e cambissolos húmicos álicos sobre rochas alcalinas intrusivas, granitos pré-cambrianos, gnaisses, magmatitos, xistos e quartzitos, desenvolvendo-se sobre solos as florestas Ombrófilas Densas Montanas e Altomontanas (RADAMBRASIL, 1983). Os processos denudacionais e erosivos que promoveram desníveis topográficos ao longo da serra foram pouco estudados e suas relações intrínsecas referentes à atuação das cabeceiras de drenagem ainda é desconhecida. Sendo assim, o presente trabalho busca analisar a heterogeneidade da capacidade das bacias de cabeceiras em promover o início da drenagem fluvial da Serra da Mantiqueira. Busca-se um zoneamento para compreender a partir dessa prerrogativa como a evolução atual da serra correlaciona-se com os processos denudacionais atuantes neste contexto, que abarca grandes extensões territoriais e diferentes unidades litológicas e morfológicas.

Material e métodos

Os procedimentos metodológicos basearam-se, primordialmente, na revisão da literatura especializada referente a área de estudo e na aquisição de bases ottocodificadas georreferenciadas. As bases (ottobacias e hidrografia) foram adquiridas junto ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM, 2010), concernentes as bacias do rio Grande (1:50.000), rio Doce (1:50.000 e 1:100.000), rio Paraíba do Sul (1:50.000) e rio Piracicaba e Jaguari (1:50.000), rio Itapapoana (1:50.000) e do rio Itapemirim (1:50.000). Uma porção da bacia do rio Doce encontra-se em escala de cartográfica distinta das demais, acarretando uma alteração na escala final do trabalho. Serão discutidas no presente artigo, o resultado das bacias na escala de 1:50.000. A delimitação da serra da Mantiqueira foi adquirida a partir do banco de dados do IBGE (2006), condizente as unidades de relevo do território brasileiro, valendo ressaltar que nesse banco de dados, a serra é dividida em dois grupos distintos da Mantiqueira, sendo esses: Mantiqueira Itatiaia e Mantiqueira Caparaó. A manipulação dos dados brutos foi executada no software ArcGIS 10.2.2 (Esri). Assim um recorte reminiscente a Mantiqueira Mineira (Itatiaia/Caparaó) foi efetivado, logo, toda a porção territorial referente a serra da Mantiqueira que estabelecesse relação com Minas Gerais foi obtida. Para a caracterização morfométrica da bacia alguns dados oriundos do shapefile hidrografia eram necessários, então, foi realizada a ligação das tabelas utilizando com chave de ligação o código da ottocodificação (campo ‘cobacia’). Este procedimento foi realizado para cada bacia hidrográfica. As bacias de drenagem de 1a ordem (Strahler, 1957) de cada bacia hidrográfica foram selecionadas por linguagem sql e exportadas. Utilizando a ferramenta ‘select by locattion’, as bacias de primeira ordem que alguma porção dentro da Mantiqueira mineira foram selecionadas e exportadas. Após realizar essa operação para todas as bacias hidrográficas, foi criado o merge dessas bacias. Com a base de dados pronta, foi calculado o parâmetro morfométrico coeficiente de manutenção (Cm), propugnado por Schumm (1956), que viabiliza a área mínima necessária para que um metro de canal de escoamento desenvolva-se (CHRISTOFOLETTI, 1980). Cm=1/Dd Onde Cm é o coeficiente de manutenção e Dd representa o valor onde a referente à densidade de drenagem. Segundo Christofoletti (1980) este é um dos valores numéricos mais importantes para a distinção de um sistema de drenagem. A densidade de drenagem (Dd) segundo Christofoletti (1980), apresenta a seguinte fórmula: Dd=L/A Onde Dd é a densidade de drenagem, L é o comprimento de todos os segmentos, e A área da bacia. O L foi obtido no shapefile de hidrografia no campo ‘nucomptrec’, e a A no shapefile da bacia ottocodificada no campo ‘nuareamont’. A estatística descritiva dos dados foi realizada no Excel (2013) onde foram calculados os parâmetros necessários para a construção de um box plot bem como a média e o desvio padrão segundo Rogerson (2012). Os outliers não foram plotados no gráfico, pois diminuíam a legibilidade do box plot.

Resultado e discussão

As bacias nas escalas de 1:50.000 e 1:100.000 totalizam 56.773 bacias de primeira ordem, porém, devido à impossibilidade de comparação de parâmetros morfométricos em diferentes escalas, o presente artigo discutirá os dados das 51.271 bacias na escala de 1:50.000. Para que os dados ficassem mais visíveis, optou-se por dividir a Mantiqueira mineira em setores norte, central e sul. Essa divisão foi realizada apenas para facilitar a leitura dos mapas. A distribuição dos valores de coeficiente de manutenção encontrado para a área de estudo é representada na Figura 1. A distribuição dos valores se dá de forma homogênea (ROGERSON, 2012), visto que os valores de média (0,45) e mediana (0,43) estão próximos, com variação pequena (desvio padrão de 0,23). Foi constatada a existência de nove outliers. Os altos valores aparecem de forma mais moderada, constatando baixas capacidades de formação de canais, porém, relegar seu papel na estruturação da rede de drenagem que se configura seria impreciso, pois esse fenômeno demonstra o alto grau de complexidade do extenso sistema fluvial que se configura ao longo da serra. O Setor Norte (Figura 2) apresenta uma distribuição mais heterogênea na distribuição espacial para os valores do coeficiente de manutenção, mas podemos verificar que existe uma maior concentração de valores elevados na porção oeste da bacia. Nesse sentido, pode-se corroborar que nessa área específica as condições do relevo favorecem uma prospecção mais equilibrada para a valoração entre médios e baixos valores, que, sucessivamente, irão validar uma distribuição do coeficiente de manutenção mais balanceada. De forma geral, a morfologia do terreno propicia um certo equilíbrio no sentido da distribuição entre altos, médios e baixos valores, dando a entender que desde as maiores altimetrias até as mais inferiores, um determinado padrão comportamental se constata, e o metro necessário para a criação de um canal possui uma abrangência dispessa, não concentrado em locais específicos. O setor Central (Figura 3) apresenta um agrupamento dos maiores valores do coeficiente de manutenção na borda oeste da Mantiqueira Mineira. A formação de canais é menor, pois seus condicionantes relacionados à energia do relevo e o potencial hidrogeológico são moderados, evidenciando dessa forma, diminuto provimento de canais de primeira ordem. Porém, é manifesto que, nesse caso, por ter um baixo potencial a serra dissemina seus altos valores em sentido mais abrangente, demonstrando o controle que o relevo propicia para a dispersão do coeficiente de manutenção. Maiores valores tendem a apresentar baixas capacidades de formação de canais, porém, os canais e bacias de primeira ordem formadas ali contribuem, sobremaneira, para a área mínima necessária para a gênese incipiente dos sistemas de drenagem que irão se constatar nas bacias hidrográficas de ordem superior, adjacentes e à jusante que irão conformar grandes corpos hídricos. O setor Sul (Figura 4) possui duas zonas que agrupam um considerável número de bacias de primeira ordem com altos valores de coeficiente de manutenção. Apesar de não estarem em conexão direta, esses valores altos apresentam um comportamento semelhante no sentido de que os mesmos parecem evoluir num sentido sudoeste/sudeste. A ação da energia do relevo e sua conexão com a hidrogeologia atestam, como nos exemplos acima, a baixa capacidade de formar canais, porém, nesse contexto específico os valores intermediários e baixos, em contrapartida, evidenciam a boa capacidade da serra em criar canais de primeira ordem. Sendo assim, a Mantiqueira Mineira uma vez mais, constatou que o coeficiente de manutenção não é homogêneo e que seu papel na estruturação da rede de drenagem que se configura ao longo da serra, além de apresentar complexidade, dispersa-se consideravelmente pela vasta extensão territorial da serra.

Figura 1:

Variação dos valores do coeficiente de manutenção.

Figura 2

Valores do coeficiente de manutenção no setor norte.

Figura 3

Valores do coeficiente de manutenção no setor central.

Figura 4

Valores do coeficiente de manutenção no setor sul.

Considerações Finais

A Serra da Mantiqueira possui considerável diversidade dos Coeficientes de Manutenção, espacialmente dispersos por toda a região. Estatisticamente, a distribuição dos Coeficientes de manutenção na Serra da Mantiqueira, em sua porção mineira, pode ser considerada homogêneo. O Setor Sul da Serra da Mantiqueira compila zonas de menores capacidades de formação de canais de drenagem (com maiores Cm). O zoneamento das classes de Cm identificadas possui notável coincidência com as subunidades de relevo no interior da Mantiqueira. O controle litológico e estrutural fica evidente na capacidade do relevo em criar canais de drenagem e conformar o sistema fluvial. Todavia, estudos futuros são necessários para investigar como isso ocorre.

Agradecimentos

Referências

ALMEIDA, F. F. F.; CARNEIRO, C. R.; Origem e Evolução da Serra do Mar. Revista Brasileira de Geociências. junho de 1998. p. 135-150.

BRASIL (Projeto RADAMBRASIL) – Folhas SF.23/24; Rio de Janeiro /Vitória. Volume 32, Rio de Janeiro , 1983, 775 p.

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia – 1ª ed. – São Paulo: Editora Blucher, 1980.

FERNANDES, M. C. C.; OLIVEIRA, M. E. C. B.; HOELZEL, A. Tafoflora paleógena da formação entre-córregos (Bacia de Aiuruoca): arquitetura foliar e paleoclima. Geol. USP, Sér. cient. vol.13 no.1 São Paulo mar. 2013.

GENARO, D. T.; Contribuição ao Conhecimento de Processos Atuantes no Rifteamento Continental, por Traços de Fissão em Zircões e Apatitas, Aplicados no Rift Continental do Sudeste do Brasil, Bacias de Taubaté, Resende, Volta Redonda e Circunvizinhanças. Universidade Estadual Paulista- Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro. 2008.p. 131.

HEILBRON, M.; VALERIANO, C. M.; VALLADARES, C.S.; MACHADO, N.; A Orogênese Brasileira no Segmento Central da Faixa Ribeira, Brasil. Revista Brasileira de Geociências. v. 25, 1995. p.249 – 266.

MARQUES NETO, R. Aspectos Morfoestruturais e Morfotectônicos da Bacia do Rio Lambari (Sul de Minas Gerais) no Escopo da Neotectônica e Seus Refluxos no Relevo e na Drenagem. 2014. I Simpósio Mineiro de Geografia; Das Diversidades à Articulação Geográfica. Universidade Federal de Alfenas MG. p. 34-49.
__________________. Itatiaia Massif: Morphogenesis of Southeastern Brazilian Highlands.In:VIEIRA, B. C.; SALGADO, A. A. R.; SANTOS, L. J. C.; Landascapes and Landforms of Brazil. 2015.Springer. p. 403.

ROGERSON, P. A. Métodos estatísticos para geografia: um guia para o estudante. 3. ed. Porto Alegre : Bookman, 2012.