Autores

Hoffmann, T.C.P. (PPGEO/UFPR) ; Martins, A. (PPGEO/UFPR) ; Oliveira, F.A. (UFPR)

Resumo

Os sistemas fluviais possuem capacidade de adaptação aos ambientes onde estão inseridos. Conforme as alterações que ocorrem nos pulsos de energia existentes neste sistema, há mudanças nos padrões de erosão, transporte e deposição de sedimentos. As camadas sedimentares dos sistemas fluviais são vestígios de condições morfoclimáticas pretéritas. O objetivo deste trabalho é analisar a classificação granulométrica em sedimentos de margem do rio Cubatão do Norte, SC, e correlacionar com possíveis alterações dos pulsos de energia do sistema. Para tal, foram selecionados dois pontos e coletadas amostras do perfil de margem fluvial para realização de classificação granulométrica em laboratório. Os resultados indicaram que houve tendência a redução de energia no sistema e redução da competência do rio, em razão do aumento de sedimentos de granulometria reduzida da base para o topo do perfil, o que sugere alterações na dinâmica sedimentar fluvial decorrentes de variações do nível de base do rio.

Palavras chaves

Sedimento de margem; Rio Cubatão do Norte; Granulometria e variação de energia de fluxo

Introdução

Os sistemas fluviais possuem a capacidade de adaptação conforme os ambientes onde estão inseridos, o que resulta em ajustamentos nos processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos de acordo com os pulsos de energia existentes no ambiente em determinado período do tempo geológico. De acordo com Christofoletti (1977), os processos de fluxo e transporte de sedimentos num determinado sistema fluvial são respostas ao estado de equilíbrio deste sistema. Para Suguio e Bigarella (1979), este estado de equilíbrio depende de vários fatores, como o volume e carga da corrente, o tamanho e o peso da carga, declividade, mudanças no padrão de uso e ocupação da terra, dentre outros. Dessa forma, conforme ocorrem mudanças nos fatores ambientais, os sistemas fluviais se adaptam em busca do equilíbrio. Assim, para Christofoletti (1977), o ambiente de sedimentação fluvial é fundamental para entender a evolução histórica de paisagens na escala geológica. As camadas sedimentares presentes nos sistemas fluviais funcionam como sedimentos correlativos e vestígios de condições morfoclimáticas pretéritas, uma vez que refletem as condições de produção, remoção, transporte e deposição dos sedimentos (CHRISTOFOLETTI, 1977). Para Suguio e Bigarella (1979), a fim de buscar o seu equilíbrio e se adaptar às várias condições hidrológicas e climáticas, o rio tende a adaptar sua morfologia, principalmente seu perfil longitudinal ou gradiente. Dessa maneira, para os mesmos autores, mudanças cíclicas das condições climáticas influenciam significativamente no regime hidrológico e, consequentemente, na forma do canal e no perfil de equilíbrio do rio. O objetivo deste trabalho é analisar a classificação granulométrica em sedimentos de margem no rio Cubatão do Norte, Santa Catarina, e correlacioná-la com variações no fluxo hídrico decorrentes de pulsos de energia do sistema e consequentemente nos processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos. A bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte está localizada nos municípios de Joinville e Garuva, no nordeste de Santa Catarina. Na Figura 1 é possível visualizar a localização da bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte, a qual possui uma área de 492 km² e seu principal curso hídrico, o rio Cubatão do Norte possui uma extensão de 88 km, nasce na Serra Queimada, no Planalto Atlântico, e desagua na baía da Babitonga. Segundo Haak (2013), a bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte possui três ambientes distintos, o Planalto Atlântico, as escarpas da Serra do Mar e a Planície Costeira. Predominam nas áreas elevadas da bacia rochas do embasamento cristalino, datadas do Proterozóico, onde estão localizadas as maiores cotas altimétricas. Depósitos sedimentares de idade quaternária estão presentes no trecho de planície costeira, onde ocorrem as menores cotas altimétricas em geral associadas a baixas declividades. De acordo com Charlton (2008) uma bacia hidrográfica pode ser compartimentada em zonas de produção, transporte e deposição de sedimentos. Na bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte, estas zonas podem ser definidas de acordo com a declividade da bacia. Dessa forma, a zona de produção de sedimentos está relacionada às áreas montanhosas e escarpadas. No médio curso do rio, onde as declividades são moderadas, encontra-se a área de transporte com presença expressiva de matacões, seixos e cascalho. Na planície costeira, o rio adquire caráter meandrante em razão da redução da sua competência e capacidade, com predomínio do transporte de areias e sedimentos finos.

Material e métodos

A análise da classificação granulométrica em sedimentos de margem no rio Cubatão do Norte e a correlação com a variação de energia no fluxo de escoamento decorrente de alterações em pulsos energéticos do sistema foi realizada em três etapas. A primeira etapa foi a de coletas em campo, realizadas em dois pontos, denominados Perfil 1 e Perfil 2, sendo o Perfil 1 mais próximo à foz do rio Cubatão do Norte e o Perfil 2 localizado a montante deste, próximo ao início do canal extravasor do rio Cubatão do Norte. Na Figura 2 é possível visualizar a localização e o detalhamento dos pontos de coleta de amostras de sedimento de margem no rio Cubatão do Norte. Tanto o Perfil 1 como o Perfil 2 possuíam aproximadamente 1,5 m de altura. No Perfil 1 foram coletadas 3 amostras de sedimentos, já no Perfil 2 foram coletadas 4 amostras. As amostras foram coletadas em distancimanto vertical de 30 a 50 cm em média, a partir da camada de seixos presente na base dos perfis, observadas as faixas de transição dos sedimentos. Todas as amostras foram devidamente identificadas e posteriormente levadas ao laboratório, para a segunda etapa da pesquisa, a qual consistiu na classificação granulométrica no Laboratório de Estudos Sedimentológicos (LabESed) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para o desenvolvimento das análises adotou-se a metodologia de análise granulométrica descrita por Suguio (1973). O material coletado passou por secagem com temperatura média de 55°C por 24h, de modo a preservar a estrutura dos argilo-minerais e evitar o endurecimento excessivo do material. Em seguida, foi realizada a homogeneização das amostras através do quarteamento. Para tal, é necessário inserir uma pequena quantidade de sedimento em um almofariz de porcelana utilizando um pistilo revestido com ponta de borracha e flexionando com cuidado para não alterar a estrutura dos grãos no processo de desagregação dos sedimentos, processo que deve ser verificado por uma lupa para ver se os grãos ficaram totalmente desprendidos. A análise granulométrica dos sedimentos grossos foi realizada inicialmente através da elutriação para separar as partículas finas de tamanho inferior ao que pode ser separado pelo conjunto de peneiras. Posteriormente os sedimentos foram submetidos a secagem, em seguida ao peneiramento em agitador elétrico, para serem então pesados segundo cada fração granulométrica retida nas peneiras. Os resultados da pesagem foram transformadas em valores percentuais representativos da distribuição granulométrica. Para a quantificação dos sedimentos finos (frações silte e argila), o material foi submetido ao método da pipetagem. Na terceira etapa da pesquisa, os dados granulométricos foram compilados e representado em gráficos, adotando a escala de Wentworth para representar as frações em areia muito grossa, areia grossa, areia média, areia fina, areia muito fina e finos (SUGUIO, 1973). Ainda nesta etapa foi realizada a análise dos dados e discussão dos resultados da pesquisa.

Resultado e discussão

Conforme Suguio (2003), o limite topográfico abaixo do qual uma drenagem é incapaz de causar erosão é chamado de nível de base, o qual representa o estado de equilíbrio do sistema fluvial, num dado momento, entre os processos de erosão e deposição. Portanto, segundo o mesmo autor, qualquer modificação neste nível de base causa consequentemente o reajustamento dos processos no sistema fluvial. Assim, mudanças no nível do mar em decorrência de alterações climáticas resultam em variações nos pulsos de energia recebidos pelo sistema fluvial e, consequentemente, nos processos de erosão e deposição de sedimentos. Para Suguio (2003), o aumento no nível de base, que poderia ser causado pela construção de barragens ou aumento do nível do mar, causa redução da velocidade da água e consequentemente a redução da competência e capacidade do rio. Ou seja, há redução do tamanho máximo do material que pode ser removido e do volume de carga transportado. Por outro lado, se houve um rebaixamento do nível de base, que poderia ser causado por soerguimento do continente ou pela redução do nível do mar, a energia será maior, o que resultará no aprofundamento do seu canal (SUGUIO, 2003). Dessa maneira, os processos de erosão ocorrerão com mais intensidade, o que acarretará no aumento da competência e capacidade do rio, ou seja, no tamanho máximo que o material pode ser movido e no volume de carga transportada. Sendo assim, flutuações de temperatura e pluviosidade, decorrentes de mudanças climáticas e ambientais ao longo do tempo geológico, promovem variações tanto nos processos de dissecação do relevo, quanto nos processos de transporte e deposição de sedimentos, uma vez que há alteração no volume de material transportado e no tamanho deste material. Consequentemente, há alteração na granulometria do material transportado e depositado e variações conforme o ambiente climático de determinado período. Possamai et al. (2010), identificaram a ocorrência de depósitos e feições na Ilha de São Francisco, local este próximo à área de estudo, que indicam a elevação e o rebaixamento do nível relativo do mar durante o Quaternário. Bigarella (1971), ao analisar as variações climáticas no Quaternário Superior no Brasil identificou variações climáticas representadas por tipos distintos de sedimentos no rio Pirabeiraba, no município de Joinville, bastante próximo da área de estudo. Dessa forma, em razão das variações climáticas no Quaternário Superior e sua consequente alteração no nível do mar na baía da Babitonga, a rede hidrográfica que drena para este sistema sofreu alterações ao longo do tempo geológico recente, o que pode ser identificado ao se analisar as variações granulométricas nos sedimentos de margem dos rios. Na Figura 3 é possível visualizar a distribuição percentual das classes granulométricas das amostras do Perfil 1, localizado a jusante do Perfil 2, e portanto, mais próximo à foz do rio Cubatão do Norte, bem como a curva de frequência de cada amostra deste perfil. Nota-se que o percentual de classes granulométricas que variam de areia grossa a areia média apresentaram redução no perfil de margem do rio Cubatão do Norte no Perfil 1. Por outro lado, o percentual de sedimentos da classe finos aumentou conforme da base para o topo do perfil, o que denota uma redução na energia no canal fluvial e consequentemente a redução da competência deste. Dessa forma, em todos os estratos do Perfil 1 houve a predominância de sedimentos finos (silte e argila) em razão da localização do ponto próxima à foz e portanto do nível de base do canal, em trecho caracterizado por possuir uma baixa declividade. A presença de sedimentos de granulometria mais elevada foi identificada predominantemente na amostra 1, situada na base do perfil, onde a porcentagem de areia média foi de 38,91%, o que denota um momento em que a energia no canal fluvial era maior e este possuía a capacidade de transporte de sedimentos de granulometria mais elevada, o que indica que este rio já teve uma competência mais elevada quando comparada com as classes granulométricas presentes nas camadas superiores, portanto mais recentes. Na Figura 4 é possível visualizar a distribuição percentual das classes granulométricas e as curvas de frequência das amostras do Perfil 2, localizado a montante do Perfil 1, mais próximo às áreas fonte de material detrítico que o primeiro ponto. Assim como no Perfil 1, no Perfil 2 houve uma tendência a redução da granulometria conforme os estratos do perfil. Neste perfil não foi identificada a presença de sedimentos de granulometria areia muito grossa e areia grossa, de maneira que a predominância se deu nas classes de areia muito fina e finos (silte e argila). Esta situação de redução da granulometria nos estratos do Perfil 2 condiz com o resultado identificado no Perfil 1, o que afirma a evidência de que o canal fluvial passou por modificações em relação à sua competência ao longo do tempo geológico em razão possivelmente da elevação do seu nível de base. Além disso, na amostra 4 do Perfil 2, ou seja, no topo do perfil, foram identificados indícios de alterações antrópicas devido à presença de pequenos pedaços de vidro em meio ao material coletado.

Figura 1

Localização da bacia hidrográfica do rio Cubatão, em Santa Catarina. Fonte: Os autores (2016).

Figura 2

Localização e detalhamento dos pontos de coleta de amostras de sedimento de margem no rio Cubatão. Fonte: Os autores (2016)

Figura 3

Distribuição das classes granulométricas (%) e curvas de frequência das amostras do Perfil 1. Fonte: Os autores (2016)

Figura 4

Distribuição das classes granulométricas (%) e curvas de frequência das amostras do Perfil 2. Fonte: Os autores (2016).

Considerações Finais

Os cursos hídricos tendem a buscar seu equilíbrio conforme os pulsos de energia disponíveis no sistema fluvial. Na bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte, cuja área de drenagem é contribuinte direta da baía da Babitonga, este processo não se deu de forma diferente. Ao longo do tempo geológico, houve períodos de rebaixamento e elevação do nível do mar, o que resultou em adaptações nos sistemas fluviais afluentes, e consequentemente nos processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos. A análise granulométrica de dois perfis de margem do rio Cubatão do Norte indicou que houve uma tendência de redução da classe granulométrica do material presente nos estratos destes perfis. Dessa maneira, de forma geral a presença de materiais mais grosseiros diminui da base dos perfis para as camadas superiores. Por outro lado, a presença de materiais finos, ou seja, siltes e argilas, foi predominante em todas as amostras, e apresentou elevação das camadas inferiores às superiores. Portanto, a análise granulométrica dos perfis de margem indicou que o rio Cubatão do Norte passou por modificações nos processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos. Dessa forma, modificações no nível de base ocorridas possivelmente ao longo do Quaternário recente resultaram na adaptação do sistema fluvial e, por conseguinte na granulometria do material transportado e depositado.

Agradecimentos

Agradecemos ao Daniel Cesar Antunes Paredes, Técnico responsável pelo Laboratório de Estudos Sedimentológicos (LabESed) pelo auxílio nos trabalhos de laboratório.

Referências

BIGARELLA, J. J. Variações climáticas no Quaternário Superior do Brasil e sua datação radiométrica pelo método do Carbono 14. Paleoclimas, São Paulo: Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo, 1971.
CHARLTON, R. Fundamentals of Fluvial Geomorphology. New York: Routledge, 2008. 234 p.
CHRISTOFOLETTI, A. A mecânica do transporte fluvial. Geomorfologia, São Paulo: Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo, 1977.
HAAK, L. Classificação granulométrica e mineralógica dos sedimentos de carga de fundo do Rio Cubatão do Norte, SC. 112 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Setor de Ciências da Terra, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.
POSSAMAI, T.; VIEIRA, C. V.; OLIVEIRA, F. A. de; HORN FILHO, N. O. Geologia Costeira da Ilha de São Francisco do Sul, Santa Catarina. Revista de Geografia, Recife, v. especial VIII SINAGEO, n. 2, p. 45-58, 2010.
SUGUIO, K. Introdução à sedimentologia. São Paulo: Ed. Edgard Blücher, 1973.
SUGUIO, K. Geologia sedimentar. São Paulo: Editora Blucher, 2003.
SUGUIO, K.; BIGARELLA, J. J. Ambiente Fluvial. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná e Associação de Defesa e Educação Ambiental, 1979.