Autores

Milagres, A. (UFMG) ; Augustin, C. (UFMG) ; Fonseca, B. (UFMG)

Resumo

A análise dos canais fluviais a partir da utilização de parâmetros morfométricos tem se mostrado eficiente para responder a várias questões relativas à evolução de bacias de drenagem. O objetivo deste trabalho é apresentar análise dos perfis longitudinais de rios estudados nas bacias do rio Pardo e Jequitinhonha, no Espinhaço Meridional, MG, como base para a compreensão da evolução e dissecação do relevo. Para isto, foram analisados os resultados do Índice de Hack, da Concentração da Rugosidade, e as Densidades de knickpoints de canais por ordem hierárquica. Foram selecionadas áreas das bacias do Pardo e alto Jequitinhonha localizadas exclusivamente sobre rochas siliciclásticas do Supergrupo Espinhaço, portanto limitando a análise ao mesmo domínio litológico. Os resultados evidenciam padrões de evolução diferenciados dentro do mesmo domínio litológico, possivelmente associados a mudanças nos fatores ligados aos níveis de base e/ou tectônicos na região.

Palavras chaves

Parâmetros morfométricos; perfis longitudinais; Supergrupo Espinhaço

Introdução

Rios possuem grande importância no estudo do modelado da paisagem, uma vez que são os mais ativos agentes na esculturação do relevo (LEOPOLD e MADDOCK, 1953). Nesse sentido o estudo de perfis longitudinais de rios pode ser de grande valia para a compreensão dos processos evolutivos, e das análises morfoestruturais e morfotectônicas. Através da análise de perfis longitudinais de rios, Hack (1973) concluiu que é possível avaliar o estado de equilíbrio de determinado trecho de rio. A partir desses estudos, propôs o Stream Gradient Index, mais conhecido como Índice de Hack (IH), que é utilizado para detectar alterações nos cursos fluviais decorrente de anomalias de drenagem, e avaliar o vigor energético dos mesmos. O valor energético, por sua vez, responderia pelo trabalho executado pelo rio e assim, pelo processo de erosão e transporte envolvidos na elaboração do relevo da bacia. Hack (1975) também considera que em uma topografia ajustada, qualquer mudança na declividade do canal encontra-se relacionada ao relevo total, de tal maneira que a ocorrência de um desequilíbrio em um canal, acarretaria um reajuste de todo o sistema fluvial da bacia. Esse desequilíbrio seria passível de ser identificado nos perfis longitudinais dos níveis de base locais, ou knickpoints. De acordo com Bjornberg (1969, apud GUEDES et al., 2006), estes ocorrem principalmente devido a: 1) confluência com trechos de caudal forte; 2) variação da resistência litológica; 3) variação eustática, o que causa erosão remontante por modificação forte no nível de base; e 4) por deformações tectônicas ou neotectônicas, representando mudanças na rede hidrográfica que são refletidas em toda a morfologia da bacia, na busca de equilíbrio, por isto, dito dinâmico. A análise da posição e distribuição de knickpoints revela-se essencial para a interpretação da incisão da rede fluvial e da evolução das paisagens marcadamente dissecadas pela erosão fluvial (PHILLIPS et al., 2010). Assim, a distribuição desses pontos nas bacias hidrográficas constitui uma tarefa fundamental nos estudos que abordam a evolução da paisagem (SCHUMM et al., 2002; CROSBY et al., 2006). A análise dos perfis longitudinais em uma área relativamente homogênea do ponto de vista litológico pode evidenciar mais claramente condicionantes estruturais, e elucidar a sua relação com a energia dos rios e com o modelado do relevo. O objetivo deste trabalho é o de apresentar os resultados de estudo dos perfis longitudinais de rios de duas bacias, no sentido de auxiliar na compreensão da dissecação e evolução do relevo da área estudada. Parâmetros morfométricos foram utilizados para a análise dos canais de cursos fluviais, como maneira de subsidiar interpretações com relação a energia presente nas bacias, o que é indicativo do grau de equilíbrio dinâmico das mesmas. A pesquisa foi conduzida nas bacias do rio Pardo e do alto Jequitinhonha, em domínios exclusivos das rochas siliciclásticas do Supergrupo Espinhaço, na Serra do Espinhaço Meridional, que se estende abaixo do paralelo 17ºS até as proximidades de Belo Horizonte, MG. De acordo com Fogaça (1997), o Supergrupo Espinhaço encontra-se estruturado por um conjunto de falhas de empurrão/zonas de cisalhamento com direção geral N-S e por amplas dobras de eixo que tendem para N-S, resultado das compressões de direção E-W do Evento Brasiliano, (650-550 Ma). Este fato explica a ocorrência de maior deformação na porção leste da Serra, onde está localizada a bacia do alto Jequitinhonha (FONSECA e AUGUSTIN, 2014), a qual, possui um relevo muito dissecado, característico por seus desníveis acentuados e alta declividade das vertentes, já a bacia do Pardo, mais preservada dessas deformações, possui um relevo menos dissecado. A análise destas bacias do ponto de vista energético dá suporte para compreender os padrões de evolução diferenciados dentro do mesmo domínio litológico do Supergrupo Espinhaço.

Material e métodos

Este trabalho se baseou em dados de radar SRTM, com resolução espacial de 30 metros, obtidos do Projeto TOPODATA (VALERIANO et al., 2009) no qual foram elaborados os Modelos Digitais de Elevação (MDE). A hidrografia foi retirada do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM (2012). Os parâmetros morfométricos aplicados foram: A hierarquização fluvial, obtida pelo método de Strahler (1952). O mapa de Densidade de knickpoints, foi produzido a partir da ferramenta knickpoint Finder (SALAMUNI et al., 2013; QUEIROZ et al., 2015), que trata-se de um software que funciona de maneira acoplada ao ArcGIS®. Segundo Salamuni et al. (2013), esta ferramenta foi criada com base no índice de Hack, e busca, de forma automática, pontos que caracterizam rupturas no terreno a partir de imagens raster que possuam dados altimétricos, de onde a drenagem tridimensional é obtida para a análise do IH. Para isso foi utilizado dados topográficos do MDE. O resultado foi uma malha de pontos que indicam os knickpoints. A esta malha foi aplicado o estimador de densidade de Kernel, considerando um raio de 2000 metros, para a espacialização das zonas com maior adensamento de knickpoints, gerando o mapa. O Índice de Hack (IH), que foi proposto por Hack (1973) trata-se da relação entre a declividade e a extensão do canal fluvial em perfis longitudinais de rios e consiste na seguinte fórmula: SL=ΔH/ΔL•L sendo SL o índice (Declividade-Extensão), ∆H a variação altimétrica do segmento, ∆L a projeção horizontal do trecho a ser estudado e L, o comprimento do ponto mais a jusante do trecho estudado à cabeceira da bacia em linha reta (HACK, 1973). Ele pode também ser calculado pela equação simplificada: SL=ΔH/loge•ΔL Foram realizados cálculos do IH para toda a extensão de um curso fluvial, considerando-se a amplitude altimétrica total entre a cota da cabeceira e a cota da foz, bem como o logaritmo natural da extensão total do mesmo, conforme sugerido por (ETCHEBEHERE et al., 2004; FONSECA, 2010; FONSECA e AUGUSTIN, 2011; 2014). Os valores calculados para este índice foram plotados na metade do traçado de cada drenagem (ETCHEBEHERE et al., 2004 e FONSECA, 2010), de maneira a possibilitar a aplicação do interpolador IDW (Inverse distance weighted) para espacializar as informações, os dados foram tratados no programa ArcGIS 10.1. O Índice de Concentração da Rugosidade (ICR), proposto por Sampaio (2008) e melhor discutido por Sampaio e Augustin (2014) adota como referencial de análise, a distribuição espacial da declividade, utilizando-se de valores indiretos da rugosidade, calculados a partir da repetição dos valores de declividade por unidade de área (SOUZA e SAMPAIO, 2010). Esta análise espacial também foi realizada utilizando o estimador de densidade de Kernel, em ambiente ArcGis 10.1. Foi utilizada ainda a Densidade de Drenagem (Dd), proposta por Horton (1945), que correlaciona o comprimento total dos canais de escoamento com a área da bacia hidrográfica. O seu cálculo pode ser realizado conforme a seguinte fórmula: Dd=Lt/A onde: Dd é a densidade da drenagem, Lt, o comprimento total dos canais e A é a área da bacia. Foi produzida uma Dd para cada ordem hierárquica da área. Todos os processos foram realizados no arcgis 10.1, e espacializados pelo estimador de densidade de Kernel. Foram confeccionados gráficos no arcgis 10.1, através da ferramenta de Geostatistical analyst, utilizando-se duas variáveis (Densidade de knickpoints e Densidade de Canais de primeira ordem). Essas variáveis foram normalizadas utilizando o shape da área total de estudo. No momento de produção dos gráficos, foi realizada a divisão desta área total em duas bacias (Pardo e alto Jequitinhonha) e os gráficos foram produzidos para cada bacia, de maneira a possibilitar o entendimento das diferenças de densidade entre as duas.

Resultado e discussão

Na Figura 1 são apresentados três mapas que auxiliam na compreensão da evolução geomorfológica da área, baseados em índices espacializados que permitem avaliar as mudanças de energia fluvial dentro de uma área homogênea do ponto de vista litológico. Dessa maneira, é possível dar destaque a outros fatores capazes de “desequilibrar” um sistema fluvial, como exemplo, a mudança de nível de base e reativações tectônicas. As feições herdadas do evento Brasiliano (600 – 550 Ma) influenciam diretamente os processos modeladores das formas de relevo na área estudada, sendo que a bacia do alto Jequitinhonha foi a que sofreu maiores deformações, sendo caracterizada por intensos falhamentos e grandes cavalgamentos (KNAUER, 1990; UHLEIN, 1991; DUSSIN e DUSSIN, 1995; RENGER e KNAUER, 1995, KNAUER, 2007; CHEMALE et al., 2011). Isto é evidenciado pela densidade de knickpoints (Figura 1A), maior nessa bacia, sugerindo que estejam associados a estas zonas de fraqueza herdadas do Brasiliano, com posteriores reativações tectônicas ou não. A bacia do Pardo, quando analisada em toda a extensão, indica a presença de poucos knickpoints, apontando uma baixa ocorrência de rupturas do relevo, indicando tratar-se de área com grandes compartimentos aplainados, circundados por afloramentos, como descrito e mapeados por Augustin et al. (2011) e estudados por Augustin et al. (2014). A maior concentração de knickpoints ocorre na sua borda oeste (Figura 1A), possivelmente por causa da influência do contato litológico dos quartzitos com os carbonatos do Grupo Bambuí, muito bem marcado por grandes escarpas. A ocorrência de maior densidade de knickpoints no alto Jequitinhonha corrobora os resultados de Fonseca e Augustin (2014), no sentido de que nesta porção da bacia há maior energia e, consequentemente, uma intensidade maior de processos tanto de encostas, quanto fluviais, favorecendo maior dissecação do relevo, que é bem distinta entre as duas bacias. O mapa do IH (Figura 1B), que mostra a espacialização dessa energia, permite visualizar a delimitação de grandes compartimentos de valores de alto e baixo índice, por grandes áreas de influência energética. É possível observar que os valores altos correspondentes aos locais de maior energia no sistema e que estes apontam para expressiva diferença dos valores entre a porção leste, ocupada pela bacia do alto Jequitinhonha, e a oeste, pela bacia do Pardo. Na porção oeste, pode-se observar a presença de grandes áreas de baixa energia, classificadas por Augustin et al. (2011) como “áreas erosivas remanescentes”, caracterizadas por extensos platôs pouco recortados por intrusões de rochas metabásicas, o que parece responder por sua evolução mais homogênea, no qual se destacam os afloramentos de quartzito, intercalados por deposições de materiais arenosos. Já a bacia do Jequitinhonha, que apresenta altos valores energéticos, Augustin et al. (2011) classificaram como “áreas modeladas pela incisão vertical da rede de drenagem em planos de falhas e fraturas”, que formam profundas gargantas em quartzitos, como exemplo, o rio Jequitinhonha, o ribeirão do Inferno e córrego Rapadura. Essa característica, apontada pelos autores acima citados, é apoiada também pelos resultados constantes do mapa do ICR (Figura 1C), no qual se observa maior grau de dissecação na bacia do Jequitinhonha É evidente a correspondência espacial entre a densidade de knickpoints e o ICR, o que possibilita confirmar que a densidade de knickpoints possui relevante significado geomorfológico, ao indicar processos de retomada erosiva e aumento na intensidade de dissecação do relevo, sendo de grande importância para os estudos de evolução da paisagem. Outra forma de analisar a maior dissecação na bacia do Jequitinhonha é analisando a densidade da drenagem da área. Na figura 2, é possível verificar uma proporcionalidade relativa da entre as duas bacias, no que se refere ao número de rios de hierarquias superiores por área. Entretanto, quando se trata dos cursos de ordens hierárquicas 2, e principalmente 1 (nascentes), a bacia do Jequitinhonha possui uma proporção bem maior dessas drenagens, principalmente na sua porção mais leste. Isto indica maior energia das bacias, pois valores elevados da Dd são indicativos indiretos do grau também mais elevado de dissecação do relevo pela erosão fluvial, decorrente de fatores como declividade, presença de material subsuperficial pouco permeável, baixa densidade da cobertura vegetal, fatores climáticos, entre outros (FONSECA e AUGUSTIN, 2014) A área leste da bacia do Jequitinhonha com alta Dd apresenta fortes indícios de retomada erosiva recente, o que pode ser interpretado, segundo Fonseca e Augustin (2011) por sua maior proximidade com o mar (nível de base geral), uma vez que a bacia do rio Pardo tem como seu nível de base a bacia do rio São Francisco. Outra possibilidade, de acordo com Augustin (1995) e Fonseca e Augustin (2011; 2014), é que a borda oeste do Supergrupo Espinhaço se comporte como um possível nível de base local para a bacia do Pardo, não permitindo a saída de material que se acumula nas grandes áreas aplainadas dessa bacia. Essas feições são recorrentes em toda essa bacia, áreas aplainadas circundadas por afloramentos. A maior concentração de knickpoints, rugosidade, energia fluvial, e a maior densidade de canais de ordem 1, como pode ser observado nas figuras 1 e 2, são encontrados na bacia do alto Jequitinhonha. Contudo, ao analisar os gráficos de densidade de Knickpoints dos canais de ordem 1, observa se uma proporção maior de knickpoints nos canais de ordem 1 da bacia do Pardo (Figuras 3 e 4). De acordo com Crosby e Whipple (2006), os knickpoints estão associados à dinâmica de ajustamento de canais fluviais, que acompanham alterações climáticas e tectônicas. Os knickpoints são vistos como níveis de base locais, que por quebrarem a energia do fluxo fluvial, funcionam como barreiras para o carreamento dos sedimentos, promovendo a deposição dos mesmos à montante, regulando o entalhe do vale a montante (PHILLIPS et al., 2010) e promovendo uma retomada erosiva. Dessa forma, entende-se que o equilíbrio de uma bacia começa por seus rios principais e segue em cadeia até seus afluentes, em direção às nascentes (erosão à remontante). A resposta do sistema a um impulso de incisão pode ser realizado por etapas. Na primeira, os canais principais ao se ajustarem ao sistema, criam knickpoints, que propagam energia a montante; na segunda etapa, quando este ajustamento fluvial se propaga até chegar aos rios de ordem inferior, eles são incapazes de acompanhar o ritmo da descida e, por isso, desenvolvem knickpoints muito íngremes, que precisam de um tempo bem maior para se ajustarem ao sistema. Esses sucessivos ajustes parecem ter acontecido na bacia do rio Pardo, que já alcançou um maior equilíbrio, ainda que hoje suas nascentes ainda estejam parcialmente se ajustando. Parte desse reajuste ainda está presente em especial nas áreas de maior ruptura de declive, correspondentes aos contatos litológicos entre as rochas do Supergrupo Espinhaço (siliciclásticas) e carbonáticas do grupo Bambuí. Já a bacia do alto Jequitinhonha, em decorrência da sua maior energia, ainda busca um equilíbrio, o que se reflete na maior densidade de knickpoints dos seus rios principais.

Figura 2: Densidade de drenagem por ordem hierárquica.



Figura 3: Gráfico mostrando a Densidade de Knickpoints pela densidade



Figura 4: Gráfico mostrando a densidade de Knickpoints pela densidade



Figura 1: Mapas de espacialização dos parâmetros morfométricos nas bac



Considerações Finais

O estudo de bacias de drenagem com o uso de parâmetros morfométricos como Densidade de knickpoints, Índice de Hack, Densidade de drenagem e Índice de Concentração da Rugosidade mostrou que estes são eficientes indicativos do estado de equilíbrio e ajustamento das mesmas. Sua espacialização foi essencial para a interpretação da ocorrência e distribuição dos fenômenos, o que possibilita compreender melhor as suas influências no modelado do relevo. É possível concluir através dos parâmetros morfométricos, que as bacias estão em processos de equilíbrio distintos, no qual a bacia do alto Jequitinhonha possui maior vigor energético, e a bacia do Pardo está mais ajustada a um perfil de equilíbrio, o que pode estar associado a mudanças maiores no nível de base ou reativações tectônicas na bacia do alto Jequitinhonha. Padrões de comportamento semelhantes entre diversos índices encontrados (Densidade de knickpoints, IH, Dd e o ICR) evidenciam maior taxa de dissecação na bacia do Jequitinhonha do que na bacia do Pardo (Figura 1). Os resultados apontam para a importância do fator litoestrutural na evolução do relevo da área em estudo, evidenciando ainda que as áreas de alta energia sofrem influências de um conjunto de variáveis, entre elas, o clima, a vegetação, e não apenas da energia presente no sistema de drenagem.

Agradecimentos

Agradeço a FAPEMIG pelo apoio financeiro.

Referências

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