Autores

Hoffmann Costa, D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA - UFOB) ; Valéria Moreira Pina, N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA - UFOB) ; Barbosa Santos, G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA - UFOB) ; de Tarso Amorim Castro, P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO - UFOP)

Resumo

Sistemas lacustres refletem uma grande interação entre os elementos fisiográficos de um determinado ambiente. O presente trabalho procurou investigar a influência dos fatores geomorfológicos do entorno do sistema lacustre localizado na porção central da bacia hidrográfica do rio Grande e seus reflexos nos depósitos sedimentares em duas lagoas, sendo uma delas próxima ao rio principal homônimo desta bacia e outra próxima ao rio Preto, principal afluente do rio Grande. A área da bacia foi compartimentada em quatro Morfodomínios, e os dados sedimentológicos confirmaram a influência dos mesmos nos depósitos lacustres, revelando que a lagoa do rio Grande é típica de ambiente lêntico, e que a lagoa do rio Preto pode ter tido contribuição fluvial em seus depósitos mais recentes. Isso indica que os elementos geomorfológicos e litológicos exercem uma forte influência na dinâmica destes lagos.

Palavras chaves

Domínios Geomorfológicos; SRTM; Sistema Lacustre

Introdução

A Bacia Hidrográfica do rio Grande situa-se em maior parte no oeste baiano, drenando também para áreas dos estados de Goiás, Maranhão, Tocantins, caracterizado como limite a oeste, e Piauí como limite a norte, estando cerca de 900 km da capital Salvador e 630 km do Distrito Federal. Geotectonicamente a região estudada pertence ao Cráton do São Francisco, área tectonicamente estável, datada do Paleoproterozoico, resultante do ciclo Orogênico Transamazônico, a aproximadamente 2,5 Ga, que abrange os estados da Bahia, Goiás, Minas Gerais e Tocantins (BARBOSA et al., 2003). A porção norte da área de estudos é margeada por regiões envolvidas na tectogênese brasiliana do final do Neoproterozoico denominadas faixas móveis (ALMEIDA, 1981), sendo a Faixa Móvel do Rio Preto o limite norte da área de estudo. No limite leste encontra-se a Serra do Boqueirão, que faz parte do Espinhaço Setentrional, formada por rochas depositadas no aulacógeno neoproterozoico (~900 Ma), com fechamento durante a orogênese Brasiliana (~650 Ma), gerando uma faixa dobrada e estreita (SCHOBBENHAUS, 1996). As unidades litológicas que afloram na área da bacia são: rochas siliciclásticas, de idade cretácea, formadas por conglomerados, arenitos e siltitos do Grupo Urucuia (SPIGOLON; ALVARENGA, 2002); rochas neoproterozoicas do Grupo Bambuí, representadas em sua base por calcários cinza-escuros intercalados a margas e siltitos da Formação São Desidério, por metarcóseos e metarenitos, com lentes de metamargas e metacalcários da Formação Riachão das Neves e por metassiltitos, ardósias e metacalcários intercalados a metarenitos finos da Formação Serra da Mamona (EGYDIO-SILVA, 1987); metadiamictitos, metarenitos e metamargas da Formação Canabravinha, retrabalhados no ciclo Brasiliano (CAXITO et al., 2012); metabrechas, quartzitos e metarritmitos pertencentes ao Grupo Santo Onofre (ARCANJO; BRAZ FILHO, 1994; SCHOBBENHAUS, 1996); e sedimentos arenosos neogênicos e quaternários, onde está situado o sistema lacustre na porção central da bacia hidrográfica do rio Grande, cobrindo as unidades litológicas do Grupo Bambuí. Geomorfologicamente a bacia do rio Grande é composta pelas seguintes unidades: planalto, planalto em patamar, depressão e serras (MOREIRA e SILVA, 2003). A bacia encontra-se inserida no bioma Cerrado em sua porção oeste e central, e a leste insere-se na faixa de Tensão Ecológica, que se configura como uma zona de transição entre o Cerrado e a Caatinga (IBGE, 1992). A bacia hidrográfica do rio Grande possui uma área de 76.089 km², sendo este considerado como o mais importante afluente da margem esquerda do São Francisco no que tange a sua extensão (ALVES, 2011). Este trabalho tem por objetivo compartimentar as feições geomorfológicas adjacentes ao sistema lacustre da bacia do rio Grande, para que se possa compreender a influência de cada compartimento nos sedimentos de duas lagoas, sendo uma localizada na área de influência do rio Grande e outra do rio Preto, os dois únicos rios perenes que drenam a área do sistema lacustre, e que possuem suas nascentes e percursos em compartimentos externos ao sistema.

Material e métodos

A delimitação dos Morfodomínios e os perfis longitudinais foram obtidos a partir de um Modelo Digital de elevação. Primeiramente foram adquiridas 8 imagens SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) desenvolvido pela NASA, em parceria com o Centro Aeroespacial Alemão (DLR) e a Agência Espacial Italiana (ASI). O projeto SRTM é um sistema RADAR que utilizou a técnica de interferometria para geração do modelo numérico do terreno (MNT) com resolução de 90 metros (RABUS, 2003). Tais dados foram refinados e disponibilizados em sub-produtos SRTM com resolução espacial de 30 metros pelo projeto TOPODATA (VALERIANO, 2008), que foram compilados para as análises deste estudo no endereço (http://www.dsr.inpe.br/topodata/acesso.php), cujo tratamento se deu no software ArcGis 9.3 no Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Para a análise sedimentológica foram abertas trincheiras de 1 m de profundidade nas lagoas LT e LSRC respectivamente com o objetivo de descrever as fácies sedimentares lacustres, no que tange a textura do material, cor, arranjo, organização, espessura, presença e tipo de estruturas primárias, presença e tipos de concreções e mosqueamentos. O material de cada fácies foi coletado para posteriores análises granulométricas de acordo com a metodologia da EMBRAPA (2011) no Laboratório de Geomorfologia, Análise e Conservação do Solo (LAGCAS) da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB).

Resultado e discussão

Regionalmente a área em que se localiza o sistema lacustre (Figura 1) é influênciada por quatro Morfodomínios que compreendem a toda área da Bacia Hidrográfica do rio Grande (Figura 2): a) O Morfodomínio 1: Caracterizado pelo Chapadão do Urucuia, associado aos arenitos do Grupo Urucuia, com altitude média de 700 a 1000 metros. Nesta unidade se encontram as nascentes dos principais rios que drenam em direção ao sistema lacustre, se configurando como área fonte dos sedimentos que são acumulados na área dos lagos e com grande expressividade regional tanto pela área quanto pela recarga e reserva de água do Aquífero Urucuia; b) O Morfodomínio 2: Situado abaixo do Chapadão, caracterizado pelos Planaltos em Patamares, constitui uma área dissecada formada por colúvios, apresentando formas de colinas com altitude variando entre 700 a 450 metros. Nesta unidade afloram rochas pelíticas e carbonáticas do Grupo Bambuí; c) Morfodomínio 3: Caracterizado como Morfodomínio de menor altitude, inferiores à 450 metros. Está inserido na Depressão do São Francisco, o que faz desta unidade uma zona de acumulação de sedimentos areno-argilosos provenientes das unidades mais elevadas, do seu entorno, o sistema lacustre está totalmente inserido neste morfodomínio. d) Morfodomínio 4: É caracterizado por formas com grande retilinidade das Serras do Boqueirão e Estreito, com altitude que alcançam 1000 metros, que compõem um seguimento paralelo da unidade da Serra do Espinhaço Setentrional, onde afloram rochas quartizíticas dos Supergrupos Espinhaço e São Francisco. Na presente classificação dos Morfodomínios, após traçar o perfil longitudinal dos dois principais cursos fluviais que drenam para o sistema lacustre, rios Preto e Grande, foi possível determinar o percurso de cada um deles em cada Morfodomínio (Figura 3). O rio Preto, percorre 133,78 km no Morfodomínio 1 (arenitos do Grupo Urucuia); 73,99 km no Morfodomínio 2 (metapelitos do Grupo Bambuí); e 109,26 km no Morfodomínio 3 (coberturas areno-argilosas inconsolidadas). O rio Preto possui um afluente na margem esquerda que possui sua nascente no Morfodomínio 4. Já o rio Grande percorre 128,65 km no Morfodomínio 1 (arenitos do Grupo Urucuia); 63,92 km no Morfodomínio 2 (metapelitos e calcários do Grupo Bambuí); e 122,11 km Morfodomínio 3 (coberturas areno-argilosas inconsolidadas), tendo como limite á leste o Morfodomínio 4 (Serra do Boqueirão e Estreito) para ambos os rios. A análise sedimentológica das duas lagoas revelou três fácies para ambas. Na lagoa LSRC em suas fácies 1 e 2, mais antigas, apresentou níveis muito argilosos, coloração acinzentada e mosqueamentos raros, e em sua fácies 3, mais recente, apresentou nível arenoso com presença de seixos arredondados de quartzo e mosqueamento abundante. Já a lagoa LT localizada próxima ao rio Grande, às três fácies apresentaram granulometria muito argilosa, com aumento de argila em direção à superfície. A fácies 3 apresentou mosqueamentos abundantes, enquanto as fácies 1 e 2 apresentou coloração acinzentada, e a última com precipitação dendrítica de óxido de manganês, as raízes foram ficando mais raras em profundidade (Figura 3).

Figura 1

Localização do sistema lacustre

Figura 2

Modelo Digital de Elevação (MDE/SRTM) ilustrando os 4 Morfodomínio

Figura 3

Descrições das fácies das lagoas LT (a) e LSRC (b)

Considerações Finais

O uso do MDE-SRTM foi útil para a delimitação dos Morfodomínios que influenciam a área do sistema lacustre. Foi possível observar que mesmo o rio Grande possuindo maior trecho do seu curso sobre os arenitos do Grupo Urucuia, a granulometria dos sedimentos é muito fina, o que permite inferir que são depósitos de ambientes necessariamente lênticos. Já os sedimentos da lagoa próxima ao rio Preto, que mesmo apresentando um percurso superior no Morfodomínio 2, com rochas metapelíticas, apresentou granulometria mais grosseira em sua fácies mais recente, o que sugere um ambiente fluvio lacustre. Os seixos de quartzo provavelmente tem como área fonte rochas quartizíticas do Grupo Santo Onofre (Morfodomínio 4), que foram trazidos por afluentes que nascem na Serra do Boqueirão e as rochas quartizíticas da Formação Formosa, onde o próprio rio Preto atravessa (Morfodomínio 2). Os mosqueamentos mais abundantes na lagoa relacionada ao rio Grande, em relação à lagoa próxima ao rio Preto, sugere que a primeira passa por oscilações mais constantes do nível da lâmina de água. A evolução da paisagem do sistema lacustre pertencente à Bacia do rio Grande, revelou que as lagoas da sub-bacia do rio Preto possuem uma influência, em seus depósitos mais recentes, dos Morfodomínios 2 e 4 por meio de seus afluentes. Enquanto as lagoas mais próximas ao rio Grande revelam um ambiente de sedimentação de baixa energia e grande oscilação do nível da água.O sistema apresenta uma forte influência regional.

Agradecimentos

Referências

ALMEIDA, F. F. M. O Cráton do Paramirim e suas relações com o do São Francisco. In: SBG, Simpósio sobre o Cráton do São Francisco e suas Faixas Marginais, 1, Salvador, 1981, Anais: p. 1-10. 1981.

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