Autores

Oliveira, B.T. (UFJF) ; Dias, J.S. (UFJF) ; Rocha, R.S. (UFJF) ; Felippe, M.F. (UFJF)

Resumo

Esse trabalho objetivou compreender a espacialidade da carga geoquímica de águas fluviais a partir da hierarquia fluvial em bacias de cabeceira, avaliando o grau de mineralização das águas de nascentes e cursos d’água por meio da condutividade elétrica. Foram selecionados 21 pontos de amostragem em canais de diferentes ordens (nascentes, 1ª, 2ª e 3ª) em bacia de 3ª ordem situada na Reserva Biológica Municipal do Poço D’anta, no município de Juiz de Fora, no sudeste de Minas Gerais, para que fossem realizadas as mensurações. Como principais resultados teve-se que na escala trabalhada, a hierarquia fluvial não parece comandar a mineralização das águas e sim os fatores locais (tempo de residência, taxa de mistura e contribuição do aquífero). Diante dessas considerações, tornam-se essenciais novos estudos que aprofundem no que concerne ao entendimento da espacialidade da hidrogeoquímica das águas de canais fluviais bacias hidrográficas situadas em cabeceiras de drenagem.

Palavras chaves

cabeceira de drenagem; hidrogeoquímica; condutividade elétrica

Introdução

As cabeceiras de drenagem apresentam variada distribuição espacial nos limites de uma bacia hidrográfica, sendo que os ambientes aos quais estas se desenvolvem são amplamente diversificados e dinâmicos. Segundo Schumm (1977) as cabeceiras de drenagem encontram-se em áreas do relevo de elevada energia, porém, o entendimento dessas complexas morfologias na evolução do relevo ainda é pouco estudado nas ciências geomorfológicas (LEÃO, 2010; LAVARINI E MAGALHÃES JR, 2013). A intricada distribuição espacial das cabeceiras de drenagem abarca, muitas vezes, contextos físico-geográficos diversificados, efetivados por composições, dentre outras, vegetacionais, litológicas e pedológicas, distintas. Nesse contexto, a carga química da água exfiltrada de nascentes, os inputs de água meteórica dados pela precipitação, assim como a atuação de processos relacionados a outros sistemas ambientais, admitem uma interação que por hora, permanece pouco conhecida na pelos estudiosos. Ademais, sua correlação com os processos desnudacionais ainda encontram pouco entendimento dentro da literatura geomorfológica. Isto posto, o presente trabalho busca compreender a espacialidade da carga geoquímica de águas fluviais a partir da hierarquia fluvial em bacias de cabeceira, avaliando o grau de mineralização das águas de nascentes e cursos d’água por meio da condutividade elétrica (C.E.). A condutividade elétrica constitui-se como a medida da capacidade que a água tem para conduzir corrente elétrica, possibilitando dessa forma a constatação da quantidade de sais solubilizados em corpos hídricos (FEITOSA; MANOEL FILHO, 2000). Tal técnica foi selecionada, pela sua facilidade de execução e baixo custo. A bacia hidrográfica selecionada para o desenvolvimento desse estudo situa- se na Reserva Biológica Municipal do Poço D’anta, localizada no município de Juiz de Fora, na bacia do rio Paraibuna, sudeste de Minas Gerais. A principal potencialidade apresentada pela área para o desenvolvimento da pesquisa foi a diminuta interferência antrópica na bacia, em vista de sua localização em uma unidade de conservação de uso restrito. A área em questão consiste em uma bacia hidrográfica de 3ª ordem na hierarquia fluvial de Strahler (1952), determinadas em escala de campo. Os aspectos climáticos referentes a área de estudo caracterizam-se por um Clima Tropical de Altitude, regime climático de dupla estacionalidade com duas estações bem definidas, em que uma transcorre de outubro a abril, onde as temperaturas encontram-se mais elevadas e as precipitação são mais frequentes e outra (maio a setembro) que apresenta temperaturas mais amenas e um menor quantitativo de precipitação (TORRES, 2006). Em estudo referente a configuração sazonal da precipitação no município, Ferreira (2012) indica que de um total médio anual de 1550,08mm, mal distribuídos entre os trimestres: jan/fev/mar (44%), abr/maio/jun (9,2%), jul/ago/set (6,8%) e out/nov/dez (40%). A área da reserva é embasada litologicamente por rochas do Complexo Juiz de Fora (inclusive a bacia em estudo), o qual é composto por ortognaisses granulíticos ácidos a básicos, com ortognaisse tonalítico subordinado. Em diminuto trecho no NW da REBIO, ocorre a Megassequência Andrelândia e, a N/NW e E, o Complexo Mantiqueira (CODEMIG, 2003). O município está situado na unidade geomorfológica das Serranias da Zona da Mata Mineira, inclusa na Região da Mantiqueira Setentrional (RADAM BRASIL, 1983), onde predomina domínios de mares de morro (AB'SÁBER, 2003). A cobertura vegetal que compreende a unidade de conservação trata-se de fragmento de Floresta Estacional Semidecidual Montana, devido a sua localização a altitudes superiores a 800 m (SOUZA et. al., 2008).

Material e métodos

Os procedimentos metodológicos iniciaram-se com o levantamento de referências bibliográficas nacionais e internacionais que abordassem as temáticas discutidas nesse trabalho. Em sua vertente prática, foram realizadas cinco campanhas de campo exploratórias, com o intuito de levantar a configuração espacial da rede de drenagem da área selecionada. Esses campos ocorreram entre fevereiro e setembro de 2015, onde seria possível se visualizar o comportamento da drenagem nos período úmidos e sua transição para a estação seca do ano hidrológico, O processo de restituição da drenagem desdobrou-se nas seguintes etapas: i-) mapeamento das nascentes e canais de drenagem, onde esses eram nomeados e, posteriormente, eram marcadas suas coordenadas, por intermédio da utilização de GPS de navegação modelo GarminMap 76CSX e, ii-) correções em gabinete referentes à rede de drenagem, fazendo uso do software ArcGis 10.2.2 (ESRI), finalizando dessa forma a rede de drenagem referente a área de estudo. A utilização de uma imagem SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission), com composição de 1 arco de segundo foi utilizada para a obtenção de curvas de nível, sendo que estas, possibilitaram a confecção de um modelo hipsométrico, destacando dessa forma as morfologias do terreno com aceitável precisão. De posse da restituição da drenagem a bacia foi ordenada a partir da proposta de hierarquia fluvial propugnada por Strahler (1952). Com isso, foram selecionados 21 pontos de amostragem (FIGURA 1), que distribuídos ao longo das três sub-bacias que compõe a bacia em análise, sendo sete em nascentes (consideradas neste trabalho, à revelia da hieraquização de Strahler, como canais de 0ª ordem), sete em canais de 1ª ordem, seis ao longo dos canais de 2ª ordem e um em canal de 3ª ordem. Para a identificação de tais pontos de amostragem foi elaborada uma nomenclatura, que era composta por três caracteres, onde a letra no princípio (A), refere a amostra, o primeiro número refere-se a ordem do canal (0, 1, 2 e 3) e o último é alusivo ao número, iniciado em 1 e sendo crescente e correspondente a quantidade de amostras coletas nos canais daquela determinada ordem. Para a coleta da água eram utilizadas seringas e recipientes plásticos que eram, inicialmente, ambientadas, em cada ponto de amostragem. As amostras eram acondicionadas em tais recipientes plásticos que permitiriam a conservação de suas propriedades para que suas condutividades elétricas fossem analisadas em laboratório. As análises laboratoriais foram realizadas no Núcleo de Geomorfologia, da Universidade Federal de Juiz de Fora, vinculado ao grupo de pesquisa do CNPq – TERRA (Temáticas Especiais Relacionadas ao Relevo e a Água). A avaliação da condutividade elétrica das amostras foi executada a partir do condutivímetro microprocessado portátil (modelo mCA 150P) da MS Tecnopon. O equipamento era, inicialmente, acionado e calibrado a partir de solução padrão (146,9 μS/cm), conforme orientações do fabricante. Após essa etapa, as condutividades eram aferidas em μS/cm (microSiemens por centímetro), sendo indicada a temperatura da amostra no momento da medição, tendo por referência a temperatura de 25 °C (correção automática do aparelho). A sonda e o termômetro eram lavados com água destilada e secados com papeis absorventes macios. Todas as medições foram executadas em duplicata, visando se assegurar a veracidade dos resultados. Por fim, foram calculadas as médias dos resultados das duas medições de condutividade elétrica para cada ponto amostral segundo os meses em que foram realizadas as coletas. Os resultados das análises foram plotados em planilhas do Microsoft Excel e, posteriormente, analisados no que concerne a espacialidade da mineralização das águas levando-se em consideração as possíveis causas geológicas, geomorfológicas e hidrológicas de suas generalidades e especificidades.

Resultado e discussão

Os resultados obtidos nas coletas permitiram uma reflexão acerca do papel da hierarquia fluvial e dos fatores locais na hidrogeoquímica das águas superficiais em bacias situadas em cabeceiras de drenagem. Nesse exame, em linhas gerais, coube ressaltar certos pontos, entre eles o fato da bacia apresentar, sobretudo, dosséis fechados a semiabertos, por onde se dão os sucessivos inputs meteorológicos nos pontos amostrados. Com a adição de água no sistema fluvial, a partir dessas precipitações, as frações solúveis de matéria orgânica presentes na bacia, provenientes de tais coberturas vegetais, desenvolvem interações com o solvente (água), sendo assim, lixiviadas, em maior intensidade, para os cursos d’água presentes nas imediações acarretando o acréscimo em sua carga química. Espacialmente, cabe considerar que a parcela da bacia que se encontra em área de relevo mais elevado (sub-bacia 1) caracteriza-se como uma bacia de 2ª ordem com altimetrias que variam entre os 845 m e 940 m, sendo que suas cabeceiras de drenagem se encontram em locais onde se dá a deposição de materiais coluviais no sopé das vertentes e a decomposição de matéria orgânica, que estabelecem constante relação com a calha dos canais onde as amostras foram coletas. A geometria das vertentes, predominantemente convexas, possibilita que o escoamento superficial dê-se de maneira mais acentuada pelas características próprias das formas e pela ação da gravidade que é facilitada pelo gradiente potenciométrico desse trecho da bacia. Nessa sub-bacia, os resultados das maiores condutividades elétricas (TABELA 1) ocorrem principalmente no mês de novembro/2015, sendo o valor de A22 (39,4μS/cm), o mais alto amostrado. É possível que esses resultados estejam atrelados ao processo de lixiviação da carga intemperizada que estava inerte nos solos, uma vez que, em novembro ocorreu um incremento nos acumulados de precipitação. Assim, ocorreu a remobilização dos materiais que foram disponibilizados como resíduos das reações de hidrolise ou hidratação, comuns nos solos da região, desencadeando assim uma maior mineralização dos corpos hídricos. Além disso, cogita-se a presença de constituintes químicos provenientes da atmosfera que são transportados pela precipitação e incorporados diretamente aos cursos d’água. No caso de A22, situado no canal de 2ª ordem, os valores observados em todas as mensurações são superiores aos encontrados nos pontos de amostragem a montante e podem estar associados à morfologia do vale. O ponto A22 ocorre em uma área de baixa energia e acúmulo de sedimentos (físicos e orgânicos). Por conseguinte, a água subsuperficial possui dinâmica mais lenta e maior tempo de residência, o que levaria à maior mineralização. As médias das C.E. dos meses de dezembro e janeiro apresentam contínuo decréscimo em relação a novembro. O input sucessivo de água meteórica nesses meses determina uma maior taxa de mistura entre as águas provenientes da precipitação e as subterrâneas, diluindo os solutos. O fato das águas meteóricas apresentarem graus de mineralização menores (uma vez que as chuvas antecedentes já haviam retirado a carga acumulada de particulados da atmosfera) se comparadas as águas subterrâneas podem providenciar tal explicação. Nesse caso, o aquífero poderia ser interpretado como um aquífero livre, devido a variação do nível freático observada a partir da migração para montante, com o avanço do período úmido, das nascentes que se encontram nas sub-bacias com menores altimetrias e da intermitência das nascentes nos períodos de estiagem. A sub-bacia 2, situada em altitudes de 845 m, apresenta declividade menos acentuada e vegetação lenhosa a sub-lenhosa com dosséis semi-aberto. Ressalta-se que a ocorrência de matéria orgânica é mais conspícua nessa zona. São observados constantes depósitos coluviais nos canais de 0º ordem e 1a ordem, demonstrando que as vertentes côncavas e convexas presentes na área estabelecem constante dinâmica com os pontos de amostragem. Ainda é possível notar a presença de depósitos aluviais em trechos mais a jusante, já no canal de 2ª ordem. Os maiores resultados da C.E. nessa sub-bacia (TABELA 2) variaram entre os meses de outubro e novembro de 2015, sendo que os mesmos alteraram conforme a ordem dos canais. Em tais meses os inputs meteorológicos estabeleceram um regime pluviométrico transicional de tendência a uma condição climática mais úmida, se comparado aos meses anteriores e como supracitado podem ter estimulado o processo de lixiviação. Em certos pontos de amostragem, os valores mais elevados foram observados nos canais de 0ª ordem (A02, A04, A05), todavia o padrão não se manteve, com exceção de A05, e em algumas coletas, sobretudo, as decorridas nos meses de dezembro e novembro, passando os canais de 1ª ordem a responderem pelos valores mais expressivos de C.E. Em casos como a de A02, a manutenção dos maiores valores em seu canal de 0ª ordem e sua inversão nas medições subsequentes poderia ser explicado pela migração da nascente para montante por influência da ascensão do nível freático devido a disponibilização de águas meteóricas e a consequente elevação da taxa de mistura. Os pontos de amostragem (A06/A16) apresentaram os maiores valores de C.E. da sub-bacia 2, o que pode dever-se ao diminuto fluxo apresentado pelos canais oriundo de uma lenta exfiltração que permitia que a água ficasse um maior tempo em contato com o substrato sendo assim enriquecida. A relação entre os pontos de amostragem A26 e A23 parece denotar uma influência do canal proveniente de A06/A16, uma vez que os maiores valores de mineralização originárias desse curso d’água podem ter influenciado a ascensão dos valores de A23, que se encontra poucos metros a jusante da confluência do canal de 2ª ordem que vem de A26 com o canal de A16 (FIGURA 1). Os resultados das análises de C.E. da sub-bacia 3 (TABELA 2) temporalmente apresentaram comportamento similar ao observado nas demais sub-bacias. Isso pode indicar que nos campos de coleta de setembro e outubro ainda não havia se dado a transição para a estação úmida e os canais de 0 e 1ª ordem eram alimentados por um maior volume de água proveniente do fluxo de base. Dada essa mudança, a precipitação pode ter tido uma importante função no processo de mistura de tais águas. Como características em comum de tais pontos estava o fluxo diminuto no canal de 1ª ordem, ainda menor que nas nascentes, o que permitia que a água permanece mais tempo em contato com os materiais, o que poderia explicar seus maiores valores. Com o aumento do fluxo em janeiro, a taxa de mistura contribuiu para o decréscimo desses valores. O ponto de amostragem (A31), o limite da área de estudo na bacia, está localizado em segmento do curso d’água que tem sua morfologia condicionada pela presença de afloramentos rochosos e depósitos de blocos e matacões. Os resultados observados podem indicar que esses valores acompanharam os demais pontos de amostragem em seus aspectos temporais.

Figura 1

Figura 1: Pontos de amostragem na bacia hidrográfica de estudo

Tabela 1

Tabela 1: Distribuição espacial e temporal da condutividade elétrica na bacia hidrográfica

Considerações Finais

Em virtude das interpretações realizadas tem-se que: - Os valores de condutividade elétrica não tenderam ao decréscimo com o aumento da ordem do canal, mostrando que a carga geoquímica de origem subterrânea exfiltrada nas nascentes pode não ser a que responde, em maior nível, pela mineralização das águas dos canais estudados. - No rol dos pontos amostrados, as nascentes (canais de 0º ordem) não apresentaram um maior grau de mineralização, tendo os canais de 1ª ordem representado percentual mais relevante, o que parece estar condicionado, sobretudo, as diferenças no tempo de residência da água no substrato, a taxa de mistura ao qual tais águas foram submetidas e ao percentual de contribuição do aquífero. - Fatores locais parecem comandar a mineralização das águas na área de estudo, uma vez que na escala adotada, a hipótese levantada acerca da influência da hierarquia fluvial provou-se não ser verdadeira. Diante disso, são necessários estudos que se aprofundem mais na temática visando um melhor entendimento do comportamento da hidrogeoquímica de cursos d’água em cabeceiras de drenagem.

Agradecimentos

Referências

AB'SÁBER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. Ateliê Editorial. (2003).
BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Secretaria Geral. Projeto RADAMBRASIL: Folha SD. 23. Rio de Janeiro, 1982. 660 p. (Levantamento de Recursos Naturais, v. 29).
CODEMIG. Projeto Sul de Minas – Etapa; Mapa Geológico – Folha Juiz de Fora, escala 1/100.000, 2003.
FEITOSA, F.A.C.; MANOEL FILHO, J. Hidrogeologia: conceitos e aplicações. 2ed. Fortaleza: CPRM/REFO, LABHID-UFPE, 391p., 2000.
FERREIRA, C. C. M. Estudo do Comportamento do período chuvoso em Juiz de Fora - MG. Revista GeoNorte, v. 1, p. 953-963, 2012.
LAVARINI, C.; MAGALHÃES Jr, A. P. Análise morfométrica de bacias de cabeceira como ferramenta de investigação geomorfológica em média e larga-escala espacial. Revista Brasileira de Geomorfologia, 14(1). (2013).

LEÃO, M.R. Desnudação geoquímica e evolução do relevo nas vertentes leste e oeste da Serra do Espinhaço Meridional-MG. 2011. 94 p. (Dissertação de Mestrado). Instituto de Geociências. Universidade Federal de Minas Gerais.
SCHUMM, S.A., 1977. The Fluvial System. John Wiley & Sons, New York.
SOUSA, B. M. et. al. Plano de Manejo da Reserva Biológica Municipal Poço D’Anta, Juiz de Fora - MG. 322p. Arcellor Mittal Juiz de Fora, AGENDA JF/ IEF. Juiz de Fora, 2008.
TORRES, F. T. P. Relações entre fatores climáticos e ocorrências de incêndios florestais na cidade de Juiz de Fora (MG). Caminhos de Geografia 7 (18) 162 - 171, jun/2006.