Autores

Luz, L.D. (PGE/UEM) ; Parolin, M. (UNESPAR) ; Silva, A. (UFMS - CPAN) ; Stevaux, J.C. (UEM)

Resumo

A junção de dois canais, com fluxo e carga sedimentar distintas, produz um ambiente único dentro da bacia de drenagem. Neste trabalho são apresentados os principais aspectos hidromorfodinâmicos da zona de confluência dos rios Cuiabá e Paraguai, usando levantamento batimétrico por eco-sonda e perfilagem de velocidade, bem como coleta de sedimento de fundo. A zona de confluência é discordante, o rio Cuiabá é 50-60% mais raso que o rio Paraguai, porém no período de vazante apresenta maior poder hidráulico, aproximadamente 100 m3/s a mais que o rio Paraguai. Não obstante, as feições morfológicas encontradas são condizentes com a literatura científica sobre o assunto que envolvem simulações em laboratório e exemplos em campo.

Palavras chaves

Ambiente de Confluência; Morfologia de Canal; Dinâmica de Fluxo

Introdução

A junção abrupta de dois canais fluviais cada qual com fluxo e descarga sedimentar independentes cria um ambiente de erosão e deposição único dentro da bacia de drenagem (BEST, 1986; BENDA et al. 2004), não obstante, apresenta um ambiente de competição e interação de fluxos distintos (BIRON et al. 1996). De acordo com Rhoads e Sukhodolov (2001), a estrutura de fluxo nas zonas hidrodinâmica de confluência (Confluence Hydrodynamic Zone – CHZ) é influenciada por diversos fatores, como: a) estilo da plataforma de confluência, que pode ser simétrico (Y) ou assimétrico (y) (MOSLEY, 1976); b) pelo ângulo de junção (BEST, 1987); c) pela razão de fluxo nas confluências (BEST, 1987); e pelo d) grau de concordância do leito na entrada da confluência, que pode ser concordante (mesma elevação) ou discordante (diferentes elevações) (BIRON et al., 1996), que por sua vez, possui razão direta com as morfologias encontradas nas zonas de confluência. O estudo das zonas de confluência permite diversas aplicações em diferentes campos do conhecimento. No Brasil, segundo Stevaux et al. (2009a), o primeiro trabalho a tratar dos aspectos morfológicos, sedimentológicos e limnológicos da zona de confluência foi Turra et al. (1999). Os estudos em confluência de grandes rios, com uma abordagem voltada ao aporte sedimentar, têm sido desenvolvidos, principalmente, na Bacia Amazônica (SOARES, 2007; FERREIRA, 2013), no Alto rio Paraná (BARROS, 2006; FRANCO, 2007; PAES, 2007; STEVAUX et al. 2009a, 2009b) e recentemente no rio Ivaí (SANTOS, 2015), porém não apresenta até o momento estudos no Pantanal. A dinâmica sedimentar e migração dos canais dos rios pantaneiros são fortemente influenciados pela própria dinâmica hidrológica da bacia sedimentar (ASSINE, 2015). O rio Paraguai é o principal coletor de águas do Pantanal. Nasce na Chapada dos Parecis no estado do Mato Grosso e recebe diversos tributários que nascem nos planaltos a leste e adentram a planície pantaneira por diversos sistemas de leques fluviais (ASSINE, 2003). O rio Cuiabá possui um canal meandrante único em seu baixo curso, perdendo água para a planície apenas em poucos e pequenos canais (PUPIM, 2015). A zona de confluência dos rios Cuiabá e Paraguai está localizada em um dos pontos chaves para a compreensão da dinâmica de inundação do Pantanal, que segundo Assine et al. (2015) compreende um sistema de gargalo (bottleneck) causando um atraso na onda de cheia. Objetivou-se com esse estudo acrescentar maiores informações sobre os aspectos hidrodinâmicos e morfológicos da zona de confluência dos rios Cuiabá e Paraguai no período de vazante e as suas consequências sedimentológicos.

Material e métodos

A atividade de campo para o levantamento dos dados foi realizada no período de vazante (novembro de 2015), com o objetivo de levantar dados batimétricos e sobre a dinâmica de fluxo. Para a batimetria foi utilizada a eco-sonda FURUNO®, modelo 1650F, acoplada ao GPS Garmim® e a um computador portátil com o uso do software Fugawi 4.5®. A leitura foi realizada com base em malha de perfis transversais com espaçamento de aproximadamente 200 m entre eles, os quais foram desenhados previamente em imagem Landsat-TM 5 da área com o uso do software ArcGis 10.2® e exportados como .geotiff para o software Fugawi 4.5®. Posteriormente, os dados foram exportados como arquivo .txt com dados sobre latitude, longitude e profundidade. Esses dados foram trabalhados no ArcMap10.2®, visualizados no ArcScene10.2® e os ajustes finais foram feitos com o software CorelDRAW X7®. Simultaneamente a coleta de dados sobre a estrutura de fluxo foram feitos perfis transversais usando sonda ADCP (Acoustic Doppler Current Profiler) RD Instrument™ Rio Grande 600 kHz, um a montante da confluência em cada um dos canais, um na zona de confluência, passando pelos dois canais e um no rio Paraguai a jusante da confluência. Os dados da sonda ADCP foram armazenados pelo software WinRiver II®. A leitura da morfologia dos perfis e a estrutura de fluxo foram exportados em .pdf e trabalhados no software CorelDRAW X7®. Em consonância as seções ADCP houve a coleta de sedimento de fundo, recuperadas com uso de amostrador do tipo Van Veen e analisados (granulometria usando o peneiramento manual) no Laboratório de Sedimentologia da Unespar/Fecilcam.

Resultado e discussão

A zona de confluência dos rios Cuiabá e Paraguai encontra-se em uma área de deposição ativa (zona mais distal) do megaleque do Cuiabá (segundo maior megaleque do Pantanal com aproximadamente 15.300 km²), que segundo Pupim (2014) constitui uma planície flúvio-lacustre desconfinada. No lobo atual de deposição do rio Cuiabá ocorre diversos rompimentos do canal principal com a formação de leques de crevasse, conexão com lagoas e áreas permanentemente alagadas. Os paleocanais da planície de inundação são ativados somente durante as cheias (Pupim, 2014). Não obstante, a planície Paraguai-Amolar produz um efeito de gargalo (bottleneck) com as águas dos rios Paraguai e Cuiabá, causando um atraso na onda de cheia. Esse fenômeno é responsável por alimentar lagoas e pântanos nessa planície, produzindo uma área alagada que pode alcançar cerca de 10.000 km2 durante os meses de junho e julho (ASSINE, 2015) Best e Rhoads (2008), com uma extensa revisão bibliográfica, assinalaram a presença de cinco feições morfológicas principais nas zonas de confluência, em diferentes níveis de grandeza, desde canais pequenos até em rios de grande porte, são eles: zona de escavação (scour hole); barras de tributários (tributary-mouth bars); barras pós-confluência (Mid-channel bars); barras laterais (bank-attached lateral bars) e zona de sedimentação no canal principal anterior a confluência. Na morfologia da zona de confluência dos rios Cuiabá e Paraguai (Fig. 2) foram detectadas quatro das cinco feições descritas por Best e Rhoads (2008), com exceção das barras pós-confluência que são mais comuns em confluências simétricas (Y). Mosley (1976) apresentou uma série de experimentos em laboratório sobre as zonas de escavação e concluiu que a profundidade tem razão direta com o ângulo de junção dos canais, no entanto se estabiliza a partir de 100º. No caso dos rios Cuiabá e Paraguai que possuem uma junção com angulação de aproximadamente 160º essa morfologia apresentou uma grande importância dentro da zona de confluência. Bryan e Kuhn (2002) acrescentam que quanto mais assimétrica a junção dos canais, mais complexo se torna a estrutura da zona de escavação, devido a conturbada hidrodinâmica de competição de fluxos. Outra morfologia encontrada foi a formação de barra na foz do rio Cuiabá. Essa morfologia é reportada, conforme Best e Rhoads (2008), por diversos trabalhos que tratam dos processos sedimentares em zonas de confluência. Essas barras são responsáveis pela formação de fáceis de avalanche que se formam em direção à zona de escavação. O crescimento ou erosão dessas barras está condicionada aos pulsos de inundação que os canais recebem. Na data de coleta dos dados, o rio Cuiabá apresentou uma vazão média de 434,061 m³/s, o canal do rio Paraguai antes da confluência apresentou 341,856 m³/s, ou seja, uma vazão de quase 100 m3/s a mais que o canal principal, o que pode estar promovendo a erosão da barra presente na foz do rio Cuiabá no período de vazante. A maior concentração de vazão do rio tributário é explicada pelo fato do rio Cuiabá receber o pulso de inundação antes ao rio Paraguai, fato confirmado em conversa com os ribeiros. A presença de zona de estagnação e sedimentação, com formação de barras laterais, é reportada na margem esquerda do rio Paraguai a jusante da confluência. Essas barras apresentam tamanhos consideráveis que permitem o estabelecimento de vegetação durante a época de vazante. Best (1988) atribui a formação dessas barras à separação de fluxo a jusante da confluência. No entanto, no caso do rio Cuiabá e Paraguai a formação dessas barras está condicionada a zona de desaceleração e fluxo reverso, como descrito por Best e Rhoads (2008), permitindo a sedimentação de sedimentos finos associado a material de granulometria maior em eventos de cheia. O rio Paraguai também apresenta uma zona de estagnação anterior a confluência (Fig. 3), evidenciada no transecto A-A’. Nessa área há a sedimentação de finos com 40% do material de fundo composto por silte/argila. Já após a confluência o rio Paraguai apresenta uma redução nessa porcentagem para cerca de apenas 3% (Fig. 4). Embora o rio Cuiabá apresente um canal mais estreito, o mesmo possui maior potencial hidráulico durante a vazante, o que contribui para a diminuição do fluxo do rio Paraguai anterior a confluência, permitindo a sedimentação de finos. Da mesma forma, o elevado ângulo de junção (160º) contribui para tal fenômeno. Após a confluência o canal do rio Paraguai torna-se mais estreito e profundo, na zona de escavação alçando profundidade de até 14 m, com vazão média de 832,499 m³/s.

Figura 1: Localização da zona de confluência estudada

Imagem de Satélite Landsat 8, composição R6G5B4, setembro de 2015.

Figura 2: Diagrama da zona de confluência

No círculo está a zona de estagnação que ocorre logo após a confluência, responsável pela formação de barras laterais.

Figura 3: Transectos realizado com sonda ADCP

velocidade de fluxo e morfologia do canal nos pontos analisados.

Figura 4: Granulometria do sedimento de fundo



Considerações Finais

A zona de confluência dos rios Cuiabá e Paraguai apresentam um potencial muito grande para os estudos de hidromorfodinâmicos, devido as suas características peculiares, como o alto ângulo de junção (aprox. 160º) e pelo fato de estar localizada em uma bacia sedimentar ativa e extremamente dinâmica. Os resultados aqui apresentados e discutidos estão em consonância com os demais trabalhos que se dedicam ao estudo das zonas de confluência. No entanto, com o trabalho de campo do período de cheia será possível estabelecer se haverá mudanças nas morfologias e na hidrodinâmica da área.

Agradecimentos

O primeiro autor agradece à CAPES pela concessão da bolsa de doutorado. Os autores agradecem ao financiamento do CNPq (Processo 443437/2014-9 e 447402/2014-5), a FUNDECT (0133/12 – SIAFEM: 020839), a UFMS - CPAN pelo o apoio para a realização de nossas pesquisas, ao CNPq pela Bolsa PQ2 a AS (312386/2014-1), à Edward Lo, Hudson Azevedo Macedo e Josemir Antunes pela ajuda no trabalho de campo, ao Laboratório de Sedimentologia da Unespar/Fecilcam e à ECOA – Ecologia e Ação pelo alojamento em campo.

Referências

ASSINE, Mário et al. Avulsive Rivers in the Hydrology of the Pantanal Wetland. In: BERGIER, Ivan; ASSINE, Mario (Orgs): Dynamics of the Pantanal wetland in South America. Springer, 2015 (83-110).
ASSINE, Mario L. Sedimentação na Bacia do Pantanal Mato-grossense, Centro-Oeste do Brasil. 105 f. Tese Livre-Docente. Departamento de Geologia Aplicada – Instituto de Geociências e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2003.
BARROS, Carolina Silva. Dinâmica sedimentar e hidrológica na confluência do rio Ivaí com o rio Paraná, município de Icaraíma- PR. 69f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2006.
BENDA, L. et al. Confluence effects in rivers: Interactions of basin scale, network geometry, and disturbance regimes, Water Resources Research, 40, (2004),
BEST, J.L. The morphology of river channel confluences. Progress in Physical Geography, 10, 157-174, 1986
BEST, J. L. Flow dynamics at river channel confluences: Implications for sediment transport and bed morphology, in Recent Developments in Fluvial. Sedimentology, Society of Sedimentary Geology, 39:27–35, 1987.
BEST, J. L. Sediment transport and bed morphology at river channel confluences, Sedimentology, Wiley Online Library, 35: 481–498, 1988.
BEST, J.L.; RHOADS, B.L. Sediment transport, bed morphology and the sedimentology of river channel confluences. In: RICE, S.P.; ROY, A.; RHOADS, B.L. River confluences, tributaries and the fluvial network. Wiley-Interscience, 2008, pp. 45– 72.
BIRON, P.; ROY, A.G.; BEST, J.L. Turbulent flow structure at concordant and discordant open-channel confluences. Experiments in Fluids, Springer, 21:437-446, 1996.
BRYAN, R.B.; KUHN, N.J. Hydraulic conditions in experimental rill confluences and scour in erodible soils. Water Resources Research, 38, 5, 2002.
FERREIRA, Manuela Pinheiro. Geocronologia e proveniência dos sedimentos holocênicos da confluência dos rios Negro e Solimões, AM. 95f. Dissertação (Mestrado em Geoquímica e Geotectônica) – Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
FRANCO, André Luiz Amancio. Análise da dinâmica e estrutura de fluxo e da morfologia da confluência dos rios Ivaí e Paraná, PR/MS. 98f. Dissertação (Mestrado em Análise Geoambiental), Universidade de Guarulhos, Guarulhos, 2007.
MOSLEY, M.P. An experimental study of channel confluences. The Journal of Geology. University of Chicago Press. 84:535-562, 1976.
NOBRE, P.; SHUKLA, J. Variations of sea surface temperature, wind stress, and rainfall over the tropical Atlantic and South America. Journal of Climate, 9:2464-2479, 1996.
PAES, Renato José. Dinâmica sedimentar e hidrológica na confluência do rio Ivaí com o rio Paraná, município de Icaraíma- PR. 53f. Dissertação (Mestrado em Análise Geoambiental), Universidade de Guarulhos, Guarulhos, 2007.
PUPIM, Fabiano do Nascimento. Geomorfologia e paleo-hidrologia dos megaleques dos rios Cuiabá e São Lourenço, Quaternário da bacia do Pantanal. 119f. Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambiente) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2014.
RHOADS, B.L.; SUKHODOLOV, A.N. Field investigation of three‐dimensional flow structure at stream confluences. Water Resources Research, Wiley Online Library, 37.9: 2393-2410, 2001.
SANTOS, Vanessa Cristina dos. Ambientes de confluência no contexto da rede de drenagem: exemplo da bacia hidrográfica do rio Ivaí – Estado do Paraná. 458 f. Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambiente), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2015.
SOARES, E.A.A. Depósitos pleistocenos da região de confluência dos rios Negro e Solimões, Amazonas. 205f. Tese (Doutorado em Geologia Sedimentar) - Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
STEVAUX, J.C. et al. Flow structure and dynamics in large tropical river confluence: example of the Ivaí and Paraná rivers, Southern Brazil. Geociências, São Paulo, 28:1-13, 2009a.
STEVAUX, J.C. et al. Morphodynamics in the Confluence of large regulated Rivers: the case of Paraná and Paranapanema Rivers. Latin American Journal of Sedimentology and Basin Analysis, 16(2):101-109, 2009b.
TURRA, T.M.; MARQUES, V.V.; STEVAUX, J.C. Confluence bar of the São Pedro Brook in the Paraná River: Genesis and environmental importance. Boletim Goiano de Geografia, 19(1):50-54, 1999.
VALERIANO, M.M. et al. Relações entre a distribuição da precipitação e o relevo da bacia do alto Paraguai. In: 4º Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, Bonito, MS, 2012. Anais. Embrapa Informática Agropecuária/INPE, pp 289-298