Autores
Santos, K.R. (UEG/UNICAMP) ; Vitte, A.C. (UNICAMP)
Resumo
O presente trabalho tem como área de estudo a alta bacia do rio das Antas até a sua confluência com o córrego Reboleiras, na qual instalou-se grande parte do sítio urbano da cidade de Anápolis (GO). O principal objetivo desse contribuição é demonstrar como as características do relevo contribuem para a ocorrência de inundações em Anápolis, cabe ressaltar que esses resultados são parte de uma pesquisa que encontra-se em andamento. Para alcançar tal objetivo buscou-se suporte no método sistêmico, tendo o mapeamento como principal ferramenta de trabalho. Os resultados obtidos até o momento indicam que os locais onde prevalece a forma côncava em planta e em perfil associadas a baixa vertente, com rampas à montante que apresentam pequeno comprimento e alta declividade, tem naturalmente suscetibilidade à ocorrência de inundações. Tal conformação do relevo associado à ocupação irregular gera inúmeros acidentes relacionados às inundações.
Palavras chaves
Inundação ; Relevo; Relações
Introdução
O presente trabalho tem como área de estudo a alta bacia do rio das Antas até a sua confluência com o córrego Reboleiras (figura 01), na qual instalou-se grande parte do sítio urbano da cidade de Anápolis (GO). O município possui população estimada em 2015 de 366.491 habitantes, sendo que grande parte dessa população ocupa a área urbana, mais de 90% do total (IBGE, 2016). A importância logística de Anápolis fez com o crescimento urbano ocorresse em função de fatores predominantemente econômicos, assim no decorrer dos anos foram ocupadas áreas adequadas ao parcelamento urbano, mas também áreas que oferecem riscos à população. Tais riscos estão relacionados tanto a dinâmica natural quanto a potencialização de fenômenos pela ocupação sem um planejamento adequado. Dessa forma, é preciso compreender os diversos fatores que contribuem para a ocorrência de inundação, tanto os naturais quanto os sociais. E essa é a diretriz principal do trabalho que derivou essa pequena contribuição. No entanto, aqui serão apresentados alguns resultados relacionados com a geomorfologia, sendo o principal objetivo desse contribuição demonstrar como as características do relevo contribuem para a ocorrência de inundações em Anápolis, cabe ressaltar que esses resultados são parte de uma pesquisa que encontra-se em andamento. Sobre o relevo de Anápolis, LACERDA (2005) o descreve dividindo-o em modelados de aplanamento, dissecação e acumulação (figura 02). O texto a seguir apresenta as principais características de cada um desses modelados, de acordo com esse autor, nos resultados serão apresentadas as relações desses modelados com as inundações urbanas em Anápolis. O modelado de aplanamento aparece como formas tabulares, constituídas por Topos Planos e rampas com declividades muito baixas. Os topos planos ocorrem em altitudes de 1080 a 1120m, constituindo os divisores das principais bacias hidrográficas. As Rampas constituindo amplos interflúvios posicionados entre os Topos Planos e as Baixas Vertentes (LACERDA, 2005). O modelado de dissecação compreende três compartimentos: Baixas Vertentes; Morros; e Cristas. As Baixas Vertentes ocorrem na forma de faixas bordejando as drenagens. Sua forma em perfil é geralmente convexa e, mais raramente, retilínea. Os Morros são as formas de dissecação que compreendem principalmente uma associação de morros e esporões, que se projetam das áreas mais elevadas, em cotas de 1080- 1120m. As Cristas são um compartimento formado por uma associação de cristas isoclinais com cerca de 500m de comprimento e larguras da ordem de 100m. Na bacia do Antas, prevalece desse modelado as baixas vertentes (LACERDA, 2005). O Modelado de Acumulação compreende formas de acumulação fluvial, caracterizadas como Planícies e Terraços Fluviais. Os aluviões são compostos de areias de granulação média a fina, gradando para níveis síltico- argilosos, com ocorrência local de níveis de cascalho. Na área urbana os aluviões são recobertos por depósitos tecnogênicos com espessura métrica, compostos de areia, cascalho e artefatos. As Planícies Fluviais aparecem na forma de compartimentos planos e horizontais, dispostos ao longo das margens dos cursos d’água. A planície fluvial do Rio das Antas tem largura variando de 300 m a jusante do sítio urbano e cerca de 100m próximo ao centro da cidade. Foi ocupada no processo de urbanização e constitui a principal área de inundações em Anápolis. Nos fundos dos vales, há presença de áreas planas, horizontais ou ligeiramente inclinadas, alçadas em relação às planícies de inundação adjacentes. Estes compartimentos foram interpretados como terraços fluviais (LACERDA, 2005). A partir desse conhecimento, foi possível avaliar como cada compartimento se comporta em relação às inundações assim pode-se partir para a análise de elementos específicos do relevo como a hipsometria, a declividade e as formas das vertentes para buscar algumas das causas naturais para as inundações na alta bacia do rio das Antas.
Material e métodos
As inundações em Anápolis são recorrentes e oferecem riscos a população uma vez que ocorrem em diversos pontos da cidade. Num levantamento sobre inundações urbanas em Anápolis, Santos e Santos (2015) chegaram a conclusão que a bacia do rio das Antas apresenta grande quantidade de registros de inundações implicando em consequências para a população, denotando prejuízos econômicos e sociais. Dentre os vários acidentes, esses autores enfatizam as ocorrências na bacia do córrego Cesários, afluente do Antas (Figura 01). Já Teixeira et al. 2004, destaca que a confluência do rio das Antas com o Córrego dos Góis (Figura 01) como sendo a que apresenta mais prejuízos para a população. Tanto a confluência do córrego dos Góis, quanto a confluência do córrego Cesários com o rio das Antas ocorrem na área central de Anápolis. Para analisar tal recorrência é necessário segui um caminho, adotar um método. Quando se refere ao método, em especial em geografia física, tem-se apresentado duas tendências principais, sendo segundo Nunes et al. (2006), uma de caráter neopositivista e outra com base no materialismo histórico- dialético. No século passado , a primeira, de caráter neopositivista foi a que mais norteou trabalhos nessa área. Considerando o caráter neopositivista, a perspectiva teórica que se tem destacado é a abordagem sistêmica, que trabalha com a ideia de sistemas complexos, a partir das trocas de energia e matéria; abandona a visão fragmentada, centrada no elemento e absorve a ideia de interatividade e conjunção (NUNES et al, 2006). Pensando também nesses estudos ambientais, Guerra e Marçal (2006) afirmam que “a abordagem ambiental, nos estudos geomorfológicos, abrange a compreensão das relações do homem com a natureza, dando-lhe suporte técnico importante para se trabalhar a questão ambiental dentro de uma ótica integradora”. Segundo Cunha e Mendes (2005), a proposta de integração dos dados físicos se norteia pelos pressupostos da Teoria Geral dos Sistemas. A visão sistêmica possibilita estabelecer e analisar as inter-relações entre os elementos do meio físico e da atividade antrópica, assim como compreender os vínculos de dependência entre os diversos fatores ambientais. Devido a essas possibilidades buscou-se essa visão integradora para compreender como os diversos elementos do relevo se intercombinam para favorecer a ocorrência de inundações, ressaltando que aqui será apresentado os elementos relacionados a geomorfologia, sem perder no entanto a consciência de que outros elementos se combinam para que ocorram as inundações. Um vez definido o método de trabalho fica subentendido que a escolha da bacia hidrográfica como unidade de análise. Vê-se assim que para compreender as características das inundações, faz-se necessário analisar o contexto de ocorrência das mesmas. Para analisar tal fenômeno é coerente se usar como recorte espacial a bacia hidrográfica, que é um sistema e, portanto, possibilita uma visão totalizante. Considera-se, assim, que é possível observar o problema de forma mais holística quando a caracterização envolve tanto os aspectos do meio físico, quanto os aspectos do uso e da ocupação da bacia. É necessário quando se busca as causas das inundações procurar compreender a bacia hidrográfica como um sistema onde todos os elementos se integram e principalmente onde o espaço deve ser compreendido como uma unidade e não como uma soma de elementos. Por isso conhecer o palco (o relevo) desses fenômenos e ações é fundamental. Como passos metodológicos adotou-se a pesquisa e revisão bibliográfica, o mapeamento de características morfométricas da bacia e trabalho de campo. O mapeamento foi realizado no software de geoprocessamento ArcGis, devidamente licenciado. As bases cartográficas utilizadas foram as disponíveis no SIEG (Sistema Estadual de Geoinformção de Goiás / SEGPLAN / GOVERNO DE GOIÁS) e os dados Aster/Terra, todos esses disponibilizados gratuitamente em meio digital.
Resultado e discussão
Para nortear esse trabalho adotou-se o conceito de inundação apresentado por
Oliveira (1998, p.11),
[...] inundações são fenômenos que fazem parte da dinâmica fluvial,
atingindo periodicamente as várzeas, também denominadas planícies de
inundação. Correspondem ao extravasamento das águas de um curso de água para
as áreas marginais, quando a vazão é superior à capacidade de descarga da
calha.
Portanto, o fenômeno é natural e pode ocorrer sem a interferência humana.
Por outro lado em áreas ocupadas pelo homem as modificações no meio físico
podem agravar (intensidade e/ou recorrência) ou mesmo gerar inundações em
locais onde não há suscetibilidade, uma vez que o extravazamento do fluxo
drenagem não ocorre de forma homogênea em todo o canal.
As inundações em áreas ribeirinhas, segundo Tucci (1999) advém de uma
combinação de fatores: o tipo de ocupação das planícies fluviais; as
características dos solos e rochas; a densidade de drenagem e a forma da
bacia hidrográfica.
As características do relevo, do clima, da vegetação entre outros fatores
também influenciam fortemente na ocorrência de inundações. Dentre esses
fatores, procurou-se no presente trabalho enfatizar a geomorfologia, uma vez
que a configuração do relevo é um fator prepoderante na identificação da
suscetibilidade às inundações.
A geomorfologia tem íntima relação com as inundações, isso porque as formas
do relevo definem principalmente a direção de fluxo, locais de concentração
e de dispersão do escoamento superficial (SANTOS, 2010).
O escoamento superficial influencia na vazão e na ocorrência de inundações,
Tucci (2003), afirma que o excesso do volume que não é drenado pelo solo e
escoa para as porções mais baixas do relevo, ocupa a várzea, inundando de
acordo com a topografia das áreas próximas aos rios. Essa relação escoamento
x infiltração é importante quando se analisa a influencia do relevo nas
inundações, como discutido a seguir quando se relaciona os modelados do
relevo e as inundações.
As áreas de topo e rampa com baixa declividade, estão densamente ocupadas,
uma vez que o relevo favorece a ocupação. Isso promove a impermeabilização
do solo, o que reduz a infiltração e potencializa o escoamento superficial.
Essa área que era destinada a infiltração e recarga de aquífero agora
contribui para o incremento do escoamento em função da impermeabilização. Em
condições naturais a presença dessas áreas favoreceria, combinado com a
presença de vegetação e solos espessos (típicos dessas áreas), uma grande
taxa de infiltração.
As baixas vertentes, em geral, convexo-côncavas são adjacentes as drenagens
em grande parte da área, exceto naqueles locais onde se identifica a
presença de planície de inundação ou terraços fluviais. Esse compartimento
do relevo com essa forma potencializa o aumento da velocidade do fluxo do
escoamento superficial das áreas à montante, no caso de Anápolis, as rampas.
Essa combinação entre o curto comprimento de rampa, as baixas vertentes
convexas, e as concavidades próximas as drenagens, favorece o aumento rápido
da vazão.
O modelado de acumulação é o que tem relação direta com a ocorrência de
inundação, uma vez que ele está representado na bacia pelas planícies de
inundação que são áreas naturalmente propícias ao extravazamento do fluxo do
canal.
Na análise do relevo enfatizou-se ainda as características morfométricas da
bacia na busca pelas causas das inundações, por essas indicarem
direcionamento e velocidade do fluxo.
A curva hipsométrica é a representação gráfica do relevo de uma bacia e
constitui o estudo da variação da elevação dos vários terrenos da bacia com
referência ao nível do mar (JORGE e UEHARA, 1998).
O mapa hipsométrico (figura 03a) demonstra que a bacia apresenta cotas que
variam entre 939m a 1134m de altitude, as cotas maiores encontram-se
predominantemente na porção sul da bacia, próximo a nascente principal.
Essas cotas correspondem aos topos e rampas do modelado de aplanamento. As
cotas intermediárias correspondem, principalmente as baixas vertentes e por
fim as menores cotas estão associadas ao fundo de vale na porção sul da
bacia e as baixas vertente e fundos de vale da porção centro-norte da bacia.
A diferença expressiva de cotas (mais de 200m de desnível em curtos
comprimentos de rampa) entre os topos e a baixa vertente, principalmente na
porção sul da bacia potencializa a velocidade do fluxo do escoamento
superficial, isso ocorre principalmente até a confluência com córrego dos
Góis. Tal conformação contribui que haja recorrentes casos de inundações
próximo a essa confluência e mesmo antes dela.
O mesmo ocorre com o córrego Cesários, segundo afluente do Antas, existe uma
grande diferença nos valores de cotas entre o topo e a baixa vertente,
favorecendo as recorrentes inundações.
As regiões de maiores cotas altimétricas, tanto na sul da bacia, quanto a
pequena porção no norte, próximo a nascente do Cesários são superfícies
residuais de formações do terciário, a cobertura detrito-laterítica com suas
concreções ferruginosas.
Outro parâmetro analisado são as declividades do terreno que expressam a
inclinação da vertente em relação ao plano horizontal (CUNHA, 1991). Quanto
maior a declividade de um terreno, maior a velocidade da água tal velocidade
afeta o tempo que a água da chuva leva para concentrar-se nos leitos
fluviais (JORGE e UEHARA, 1998).
Em relação as declividades (figura03b), de modo geral, os valores são
baixos, inferiores a 20%. No entanto, é possível observar manchas de alta
declividades em locais como nas baixas vertentes e as áreas próximas a
cabeceira de drenagem da principal nascente. As declividades altas são
responsáveis por aumento da velocidade do fluxo do escoamento superficial,
aumentando rapidamente a vazão dos cursos de água em períodos de chuvas
extremas, típicas em regiões de Cerrado, potencializando assim a ocorrência
de inundações. Mais uma vez as regiões onde ocorrem mais acidentes estão à
associadas aos locais em que as declividades favorecem tal fenômeno.
No que diz respeito as formas, essas podem ser consideradas em perfil ou em
planta e podem ser côncavas, convexas ou retilíneas. Na forma vertical
apresenta-se, geralmente, segmentos de formas diferentes num mesmo perfil
(MOREIRA & PIRES NETO, 1998). Combinando a forma em planta com a forma em
perfil, têm-se nove tipos de vertentes (GUERRA, 2003).
O mapa de formas de vertente em perfil (figura 04a) possibilita observar que
há um predomínio de vertentes côncavas na bacia, isso denota uma forte
tendência a concentração de fluxo, principalmente associadas aos canais de
drenagem. As vertentes côncavas, em geral na baixa vertente, são precedidas
de vertentes convexas, o que gera aumento de velocidade e depois
concentração de fluxo. Pode-se perceber ainda que existe uma faixa de
vertentes côncavas que acompanha os canais de drenagem.
Ao associar as informações desse mapa com o mapa hipsométrico e
clinográfico, vê-se que os fundos de vale da região sul da bacia, são
receptores de fluxo de rampas curtas com altas declividades, seguidas por
baixa vertentes com forma convexo-côncavo. Isso gera escoamento com alta
velocidade, que encontra próximo ao canal de drenagem concavidades
acentuadas, tem-se então tendência a concentração de fluxo e o
extravasamento das águas para além do leito do rio.
Em relação as vertentes côncavas em planta, essas concentram o fluxo do
escoamento superficial. Já as convexas em planta provocam divergência do
escoamento (SILVA et al. 2003). Portanto as vertentes mais problemáticas no
caso de inundações e/ou alagamentos são as côncavas em planta, por
concentrarem fluxos.
Quanto a distribuição das formas de vertente em planta (figura 04b) é
possível perceber que há predomínio de concavidades em planta, acumuladoras
de fluxo. Nas áreas distantes dos cursos d'água isso pode possibilitar
alagamentos e nas áreas próximas as drenagens isso contribui para a
concentração de fluxo e para a ocorrência de inundações.
Localização da bacia do rio das Antas até sua confluência com o córrego Reboleiras.
Mapa fotointerpretado de formas de relevo. Fonte: Elaborado por Lacerda (2005) a partir de interpretação de fotos aéreas e análise cartográfica.
Figura 03a - Hipsometria. Figura 03b - Declividades.
Figura 04a - Forma em Perfil das Vertentes. Figura 04b - Forma em Planta das Vertentes.
Considerações Finais
De acordo com a observação dos mapas pode-se inferir que em locais onde prevalece a forma côncava em planta e em perfil associadas a baixa vertente, com rampas à montante que apresentam pequeno comprimento e alta declividade, tem naturalmente suscetibilidade à ocorrência de inundações. Em síntese, buscou-se, aqui, a relação do fenômeno inundação com geomorfologia. Essa relação será feita em trabalhos futuros com outros atributos do meio físico, como a geologia, o clima, o tipo de solo outros. Dessa forma, espera-se entender qual a contribuição de cada um desses elementos no condicionamento ou na potencialização das inundações. Admite-se que os fatores naturais podem ser os causadores das inundações, mas não os únicos responsáveis pela ocorrência delas. Sabendo disso, segue-se essa pesquisa buscando entender como a natureza e a sociedade interagem na ocorrência de fenômenos.
Agradecimentos
Agradecimentos à Universidade Estadual de Goiás, à Universidade Estadual de Campinas, ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
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