Autores

Ciciliato, R.N. (UNESP) ; Piroli, E.L. (UNESP OURINHOS)

Resumo

Este trabalho analisou os impactos socioambientais provocados pela construção da hidrelétrica de Capivara ou Engenharia Mackenzie no Rio Paranapanema, estado de São Paulo, Brasil. Desde a formação do reservatório da hidrelétrica de Capivara em 1977, grandes transformações ocorreram no seu entorno, como a formação de penínsulas, áreas alagadas, lagoas marginais, várzeas, alagamento de remanescentes de vegetação primitiva, além de um processo de ocupação irregular em suas margens. Em áreas de APP (Áreas de Preservação Permanente) foram verificadas erosões marginais que comprometem a estabilidade do solo, com processos de erosões e assoreamento do reservatório de Capivara.

Palavras chaves

Reservatório de Capivara; Áreas de Preservação Permanente; erosões marginais

Introdução

No estudo dos processos erosivos dos solos e das erosões marginais dos reservatórios de hidrelétricas, é fundamental o papel da Geomorfologia no entendimento das formas de relevo e os processos associados às erosões, como suporte empregado no uso mais racional dos solos, evitando danos tanto no local onde as atividades rurais são praticadas, como em áreas urbanizadas, ou mais afastadas, sob o efeito da ação eólica, ou das precipitações. Sobre estes fatores e efeitos provocados pelo transporte de sedimentos em rios, lagos e reservatórios, Guerra (2004) destaca que os processos erosivos verificados nas áreas lindeiras aos reservatórios de hidrelétricas causam prejuízos ao meio ambiente e à sociedade, tanto no local (on site), onde os processos ocorrem ou em áreas próximas ou afastadas (off site). Para Guerra (2004) os efeitos off site incluem diminuição da fertilidade dos solos, afetando o crescimento das plantas, bem como uma diminuição da capacidade de retenção da água nos solos. Os efeitos “off site” devem-se ao escoamento de água e sedimentos, causando danos em áreas agrícolas afastadas ou contíguas àquelas onde a erosão esteja ocorrendo, mudanças negativas ao meio ambiente, bem como danos relacionados a enchentes, assoreamento de rios, lagos e reservatórios. Os principais agentes de erosão são o embate de ondas, o escoamento superficial e a elevação do lençol freático. Dentre esses agentes, o embate de ondas constitui-se no processo erosivo mais devastador e ocorre principalmente em grandes reservatórios, cuja extensa área superficial apresenta “fetchs” (corredores e/ou pistas de ventos) significativos e propícios à geração de ondas por vento (SIQUEIRA, 2000). As dimensões do reservatório, suas características topográficas e os regimes de ventos (direção, intensidade, duração) determinam as condições de formação das ondas (D´ARMADA, 2011). Além disso, a ação dos ventos dominantes no espaço, a ocupação da orla dos reservatórios e as condições operacionais das águas do reservatório durante os períodos de chuvas no verão e inverno, e a concomitância do aumento das vazões médias e a sua regulação também contribuem para este processo. Num reservatório de grandes dimensões, como os utilizados para geração de energia elétrica no país, alguns fatores exercem esforços significativos no reservatório. Dentre estes fatores, as ondas são o principal agente modelador das margens dos reservatórios em virtude dos esforços constantes e o transporte de sedimentos que acarretam (FURNAS, 2000). As ondas que ocorrem nos grandes corpos d’água, incluindo os reservatórios, são geradas pela transferência de energia de outras fontes como o vento, para a superfície líquida que as transporta e as transfere para alguma estrutura ou linha de margem, que, em geral, dissipa uma parcela da energia e reflete o restante (SOUZA, 2004). A erosão por ação da água resulta do desgaste abrasivo ou desagregação por embate da água sobre um substrato mineral. Para a TVA - Tennessee Valley Authority USA (2011), as margens de cursos d’água e encostas estão sempre condicionadas à variação do processo natural de erosão, onde o solo erodido transportado é depositado em outro local e que, em certas condições, a velocidade da erosão pode aumentar, destacando-se como causas a remoção da cobertura vegetal, aumento de vazão dos rios; ação das ondas provenientes dos ventos e do movimento de embarcações. O efeito físico dos ventos que formam as ondas é um fenômeno que ocorre devido à ação contínua e direcionada do vento sobre a superfície das águas, ou seja, a formação de ondas é o resultado da atuação de forças tangenciais entre o vento e a água, em atuação combinada com diferenças de pressão atmosférica sobre as superfícies dos reservatórios (FENDRICH, 1979, apud MULLER, 1995). Segundo Müller (1995), a nova linha de costa que surge com a formação de um reservatório é estabelecida em uma superfície geologicamente e biologicamente

Material e métodos

Materiais utilizados A área analisada neste trabalho a área de influência do reservatório de Capivara localizada na região Sudeste do Brasil, no rio Paranapanema, que é afluente do rio Paraná, entre os estados de São Paulo e Paraná. Foram feitas pesquisas em artigos, dissertações e teses que tratam do tema abordado, fato que, contribuiu de maneira positiva para a compreensão dos impactos ambientais e sociais provocados pela construção de barragens em hidrelétricas em todo território Brasileiro. Ao mesmo tempo, buscaram-se as bases de dados para o mapeamento das condições físicas da área de estudo. A base cartográfica utilizada nesta pesquisa foi: - Carta topográfica do IBGE anos 1970. - Carta de classificação de solos EMBRAPA (1981). - Imagens digitais do satélite Landsat 8. - Software (Arcgis, Versão 9) para suporte à análise e integração dos dados. - SIG do ICG-SP- Geoprocessamento (2010). Para a realização das pesquisas e observações a campo, foram utilizados os seguintes materiais: - Câmara fotográfica digital Nikon, C35. - GPS Garmin. - Barco Levefort (6 metros). - Motor Mariner- 25 HP. - Veículos particulares para locomoção. Procedimentos Metodológicos Nesta pesquisa, a unidade básica para o recorte espacial foi a bacia hidrográfica do rio Paranapanema, na região do entorno do reservatório de Capivara, formado pela construção da Hidrelétrica Escola de Engenharia Mackenzie, entre os estados de São Paulo e Paraná. A rede hidrográfica foi baixada do site do SIGEL (Sistema de Informações Georreferenciadas do Setor Elétrico) vinculado a ANEEL (Agencia Nacional de Energia Elétrica). A partir desta, estabeleceu-se o limite da bacia do rio Paranapanema, suas sub-bacias e outras áreas de interesse. Para os mapas de uso e cobertura da terra, foram usadas imagens do satélite Landsat 8 que permitiram a classificação, pelo método supervisionado, onde foram criadas assinaturas espectrais de áreas homogêneas para que o SIG (Sistema de Informação Geográfica) reconhecesse toda área com os critérios estabelecidos. A classificação dos usos da terra baseou-se no Manual técnico do uso da terra 3ª edição, elaborado pelo IBGE (2013). A delimitação dos buffers de 100 e de 1.000 metros no entorno do reservatório, foi realizada através da opção Buffer do Aplicativo Analysis Tools /Proximity também disponível no SIG Arcgis 9.3. A partir deste banco de dados, foram gerados Buffers destacando as APP de acordo com a legislação ambiental, sobretudo, o Código Florestal e suas legislações complementares. Para avaliação das classes de solo predominantes na área de estudo, foi elaborado o mapa de solos da bacia do rio Paranapanema, a partir do mapa publicado por Oliveira et al (1999).

Resultado e discussão

A implantação do reservatório de Capivara no rio Paranapanema possibilitou que as áreas marginais ficassem sujeitas às novas condições físicas, criando-se novas Áreas de Preservação Permanente – APP com o estabelecimento das cotas de inundação máxima e mínima estabelecidas pela ANEL. Não houve no período de implantação um controle sobre a ocupação das áreas lindeiras, favorecendo o desmatamento de fragmentos florestais que existiam junto às antigas margens do rio Paranapanema e favorecendo o avanço de erosões nas faixas marginais do reservatório. Dentre as regiões onde foram verificadas erosões marginais foram analisadas as áreas de influência da sub-bacia dos rios Bugio e Anhumas, região de Pedrinhas Paulista localizada na margem esquerda do rio Paranapanema, no estado de São Paulo (Figura 1). Como o reservatório neste trecho apresenta larguras que superam cinco quilômetros, formam-se condições ideais para o aumento da velocidade dos ventos, determinando a formação de ondas que atingem até dois metros, e pelo grande volume na água no local e pela topografia do terreno, estas atingem os barrancos acelerando o processo de erosão marginal. Figura 1 - Mapa do reservatório de Capivara no rio Paranapanema. Fonte: Ciciliato, RN. - Catânia, A. 2015. Na figura 2 destaca-se a península de Pedrinhas Paulista junto ao rio Anhumas, onde foi verificado o maior avanço de erosões marginais junto ao reservatório de Capivara, no rio Paranapanema. Figura 2 - Erosão Marginal junto ao reservatório de Capivara, Pedrinhas SP-. Fonte: SIG, IGC-SP-Org. Ciciliato, 2015. Nesse cenário, este estudo verificou a susceptibilidade das margens do reservatório aos processos erosivos causados pelas ondas geradas pela ação dos ventos e a influência da ocupação da orla sem a manutenção da vegetação ciliar. A presença destas erosões marginais na orla do reservatório de Capivara e avaliadas as características que determinaram a formação destas, mostram que sua existência está ligada à forma e extensão do reservatório, a formação do relevo marginal, a geologia e tipologia dos solos das margens. Grande parte das árvores da mata ciliar existente no local foram arrancadas pela ação das águas do reservatório, e as que ainda estão no local apresentam a exposição de suas raízes, estando sujeitas a queda em futuras tempestades que possam atingir a região. A atividade erosiva é intensa, e existe importante assoreamento carreando os solos e toda cobertura pedológica para o reservatório (Figura 3), fato verificado pelas águas mais rasas a uma distância de 100 metros da margem, o que dificulta a navegação. Segundo os proprietários, as erosões marginais aumentaram principalmente nos últimos dez anos, devido às frequentes oscilações do nível de elevação das águas do reservatório de Capivara, principalmente nos meses de verão, quando as precipitações são mais intensas. Figura 3 - Erosão marginal expondo raízes de árvores junto a APP. Foto: Ciciliato, 2015. Como as erosões aumentam a cada ano, as APP existentes nas margens são estendidas para áreas de agricultura, que até então, não estavam nos limites legais destas APP. Na região de estudo predominam grandes propriedades rurais, com extensas áreas expostas às oscilações do reservatório de Capivara e que não apresentam cobertura vegetal de proteção. Ao mesmo tempo, estes grandes proprietários lindeiros ao reservatório de Capivara, não promovem a recuperação florestal exigida por Lei, nem mesmo a Reserva Legal que obriga a manutenção das Áreas de Preservação Permanente junto ao lago e do rio Paranapanema. Como efeito direto da não existência da cobertura vegetal ciliar, verifica-se o avanço das erosões marginais provocadas por ondas que atingem frequentemente a região. O aumento da velocidade dos ventos e tempestades tropicais na região é segundo os moradores, cada vez mais frequente, causando danos às propriedades e aumentando os riscos de navegação no lago de Capivara pelos pescadores amadores e profissionais. Dado a localização do reservatório de Capivara, no sentido leste-oeste, paralelamente a linha imaginária do Trópico de Capricórnio, no hemisfério meridional, os ventos predominantes da região sopram do quadrante SE para NO, de modo que as margens voltadas para esta posição ficam mais sujeitas à ação das ondas, que superam os dois metros de altura durante os meses mais chuvosos na região. Estas ondas provocam intensa ação erosiva nas margens e avançam pelos canais e lagoas marginais existentes nas margens do reservatório. No caso da área verificada a campo, foi observada a proximidade dos pontos de erosão do canal ou talvegue do Rio Paranapanema, segundo cartas náuticas que mostram a localização do canal fluvial principal antes da formação do reservatório de Capivara. Outro elemento verificado junto a estas margens com intensos processos de erosão marginal foi a formação pedológica local, com a presença de latossolos vermelhos expostos a ação das ondas junto à cota máxima de inundação do reservatório de Capivara e de barrancos formados pela erosão com até 3 metros de altura avançando sobre as propriedades lindeiras. A grande altura destes barrancos (Figura 4) demonstra uma intensa ação erosiva, com ondas que podem facilmente ultrapassar os dois metros de altura, durante intensas chuvas e ventos no quadrante SE-NO verificados no trecho percorrido por navegação do Lago de Capivara, entre os Municípios de Pedrinhas Paulista e Cruzália, na margem direita do Rio Paranapanema. Figura 4 – Erosão marginal no reservatório de Capivara. Foto: Ciciliato, 2015. A variação da tipologia dos solos associada a não existência da cobertura ciliar protetora, é um dos fatores que mais contribuem para o avanço destas erosões marginais no entorno do reservatório de Capivara. Além disso, nos últimos dez anos, não tem havido um programa perene de reflorestamento das margens, nem por parte dos proprietários lindeiros nem mesmo pela concessionária de energia da geração Paranapanema. Essas erosões marginais já comprometem a estabilidade das margens em grandes extensões do reservatório de Capivara, provocando a destruição das áreas de APP previstas em Lei, acima da cota máxima de inundação (PIROLI, 2011). Estas erosões marginais em extensas áreas do reservatório de Capivara comprometem a estabilidade das margens do reservatório, exigindo estudos aprofundados da geomorfologia fluvial do entorno do reservatório, da ação das ondas e dos sistemas climáticos que atuam na região, antes que estas erosões aumentem a ponto de comprometerem os limites legais determinados pelas Áreas de Preservação Permanente.

Considerações Finais

Após as análises dos diferentes tipos de margens existentes no entorno do reservatório de Capivara pode-se afirmar que sua maior parte apresenta erosão marginal. A composição e classificação destas margens também exercem um papel importante quanto à estabilidade das áreas marginais ao reservatório de Capivara, acelerando o assoreamento e impactando diretamente centenas de proprietários lindeiros.Verificou-se ao longo do trabalho que a variação da tipologia dos solos associada a não existência da cobertura ciliar protetora em área de APP, é um dos fatores que mais contribuem para o avanço destas erosões marginais no entorno do reservatório de Capivara. Além disso, não foi observado que haja um programa de reflorestamento efetivo das margens do reservatório, nem por parte dos proprietários lindeiros nem mesmo pela concessionária de energia da geração Paranapanema. Observou-se que as erosões marginais já comprometem a estabilidade das margens em grandes extensões do reservatório de Capivara, provocando a destruição das áreas de APP previstas em Lei, acima da cota máxima de inundação.Em áreas de APP em que não existem matas ciliares observou-se que a erosão atua de maneira mais intensa, expondo os solos ao avanço das erosões marginais junto ao reservatório de Capivara. Foi verificado que tais processos ocorrem principalmente em grandes propriedades lindeiras, que procuram ocupar as áreas de preservação permanente para atividades econômicas, principalmente a pecuária e cana de açúcar, que avançam junto a estas áreas.

Agradecimentos

Agradeço a todos os professores da FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - FCT/UNESP CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE,Departamento de Geografia da UNESP(PPGG),em particular ao Dr. Edson Luis Piroli, Orientador( CEDIAPGEO-Ourinhos), Dr. Antonio Cezar Leal(GADIS), Dr. Raul Borges Guimarães, Dr. Paulo Cesar Rocha e Drª Renata Ribeiro, pelas orientações obtidas durante a realização da Tese de Doutorado.Muito Obrigado!

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