Autores
Santos, G.B. (UFOB) ; Castro, P.T.A. (UFOP) ; Pina, N.V.M. (UFOB)
Resumo
Estudos sobre lagos abarcam diferentes ramos das ciências e revelam como os diferentes processos contribuem na construção desta paisagem. Os processos que afetam os lagos podem ser endógenos, resultantes da evolução geológica, ou exógenos, relacionados ao clima. Diante disso, o objetivo deste trabalho é identificar as características e evolução de lagos existentes no oeste da Bahia, nas bacias hidrográficas dos rios Preto e Grande. Para tanto, foi realizada a classificação de imagens de satélite e tabulação de dados de precipitação para períodos de estiagem e de chuva. Os resultados obtidos revelaram um comportamento diferenciado entre as lagoas das duas bacias hidrográficas, no que tange à presença de lâmina d'água, vegetação, umidade e homogeneidade no total precipitado, com melhor distribuição das chuvas na bacia do rio Grande. Tais variações podem ser melhor explicadas principalmente pela permeabilidade do substrato do que por questões relacionadas ao clima regional.
Palavras chaves
Sistema Lacustre; Classificação de Imagens; Sazonalidade
Introdução
Na região oeste da Bahia, na unidade geomorfológica denominada Depressão do São Francisco, circundada pelo Chapadão do Urucuia, pelos Planaltos em Patamares e a Serra do Boqueirão (Serra do Espinhaço Setentrional) existem aproximadamente 2.024 lagos com tamanhos e formas variados. Estes lagos são desconexos das planícies fluviais dos três principais rios que drenam esta região, denominados rio Grande, Preto e Camboeiro, sendo os dois primeiros perenes e o último intermitente (Figura 1). Figura 1. Localização da área de estudos: (A) polígono para classificação de imagem das lagoas da bacia do rio Preto; (B) polígono para classificação de imagem das lagoas da bacia do rio Grande. Esta área deprimida, onde se localiza estas lagoas rasas, se configura como uma unidade de acumulação de sedimentos arenosos neogênicos e quaternários, que têm como base rochas carbonáticas e metapelíticas do Grupo Bambuí. As condições climáticas nesta área são subúmidas secas, muito próximas da transição para o clima semiárido, com deficiência hídrica de seis a nove meses, o que confere à vegetação uma aparência contrastante durante os períodos chuvosos e de estiagem. Os índices pluviométricos anuais variam de 800 a 1100 mm (MOREIRA e SILVA, 2010). A vegetação que se adapta a essas condições foi classificada pelo IBGE (1992) como Área de Tensão Ecológica, que se configura por ser uma faixa que conecta comunidades biológicas ou áreas em que ocorrem mudanças abruptas de simetria, denominada faixa de tensão, área de tensão, ou ecótono. Na região estudada, a área de tensão ecológica é a zona de transição entre os biomas do Cerrado e Caatinga. Para Costa et al. (2013) esta faixa pode ser tratada como uma região de transição entre comunidades que contém espécies características de cada um dos dois biomas e presumivelmente é intermediária em termos de condições ambientais. Os estudos de Santana et al. (2010) mostraram que a transição entre o Cerrado e a Caatinga no oeste da Bahia se destaca pela maior biodiversidade em relação a cada um dos biomas e possui forte endemismo por se situar mais distante dos eixos dos outros ambientes. No entorno das lagoas é possível observar espécies arbóreas típicas do Cerrado, sendo também comum a presença da palmeira buritirana (Mauritiella aculeata), muito semelhante á palmeira buriti (Mauritia flexuosa), sendo espécies bioindicadoras de áreas alagadas, com solos hidromórficos, a segunda espécie citada é muito comum em ambiente de veredas. Já o gênero Mauritiella é caracterizado por indivíduos, de forma geral, menores que os de Mauritia, e se distingue por hastes agrupadas, que são cobertas próximo a base com espinhos cônicos fortemente enraizados, relacionado à áreas que possuem alta sazonalidade com período de seca prolongada (LIMA, 2012). Além desta vegetação é comum a presença de mandacarus (cactos), uma das plantas mais características do semiárido nordestino, assim como a macambira, que é uma planta da família das Bromeliáceas. Levando em consideração a configuração desta paisagem este trabalho tem por objetivo identificar as variações sazonais do sistema lacustre do médio São Francisco, utilizando imagens de satélite e dados de precipitação de dois setores deste sistema, sendo um pertencente à bacia hidrográfica do rio Preto (Figura 1A) e outro na bacia hidrográfica do rio Grande (Figura 1B). Tal análise se justifica devido às características geoquímicas e sedimentológicas distintas encontradas por Santos e Castro (2015) em lagoas pertencentes a estas duas bacias hidrográficas, onde está inserido o sistema lacustre investigado neste trabalho.
Material e métodos
Para a análise da sazonalidade das lagoas, foram escolhidos dois quadrantes na área de estudos, estando um localizado na bacia do rio Preto e outro na bacia do rio Grande (Figura 1). As lagoas de cada quadrante foram identificadas pelo método de classificação supervisionada, com base em imagens de satélite, uma imageada no final do período de estiagem de 2014 e outra no final do período chuvoso de 2015. As imagens utilizadas neste trabalho foram do satélite Landsat 8 OLI (Operational Land Imager), órbita/ponto 219/68, com passagem em 04 de setembro de 2014 e 18 de maio de 2015, com resolução espacial de 30 metros adquiridas gratuitamente pelo site da USGS (United States Geological Survey) http://earthexplorer.usgs.gov/. O processamento digital das imagens foi realizado no ArcGis 10.1, o primeiro procedimento foi o georrefenrenciamento das imagens, após estarem devidamente ajustadas realizou-se então a composição de falsa cor RGB654. A escolha desta composição (RGB654) justificou-se por ser a mais adequada para caracterização visual entre feições de vegetação, corpos d’água e solo exposto, visto que a contraposição entre as Bandas 4 (0,64 - 0,67 μm) e 5 (0,85 - 0,88 μm) permitem a separação entre estratos de vegetação (arbórea e rasteira) bem como os limites e margem de corpos d’água, assim como a Banda 6 (1,57-1,65 μm) discrimina melhor o conteúdo de umidade do solo e da vegetação (PAULA et al., 2012). Além disso, a água apresenta baixa reflectância entre 0,38 e 0,70 μm, absorvendo toda a radiação acima de 0,7 μm. Portanto, nestes canais a delimitação de corpos de água, como as lagoas, alvo de estudo desta pesquisa, se torna evidenciado (NOVO, 1992). A classificação das imagens Landsat 8 OLI para a análise do comportamento sazonal das lagoas, foi gerada no ArcGis 10.1 a partir do método supervisionado utilizando o algoritmo da máxima verossimilhança (MAXVER), por meio da definição das áreas de treinamento, ou seja, da delimitação de polígonos representativos das classes de interesse, como lagoa com lâmina d'água, lagoa com vegetação úmida, seca e queimada. Para análise dos dados de precipitação, primeiramente foi feito um levantamento das estações pluviométricas localizadas nas bacias hidrográficas dos rios Grande e Preto. Os dados foram obtidos a partir de 11 estações pertencentes à Agência Nacional das Águas (ANA); dessas, 6 estão localizadas na bacia do rio Grande e as outras 5 na bacia do rio Preto. Essas informações pluviométricas são disponibilizadas virtualmente em um sistema de informações hidrológicas (Hidroweb) no sítio da internet da ANA: www.hidroweb.ana.gov.br. Foram sistematizados os dados de precipitação total por estação e em seguida calculada a média da precipitação mensal para cada bacia hidrográfica em análise, e posteriormente calculada a média da precipitação total para o período analisado.
Resultado e discussão
No polígono da bacia do rio Preto, as lagoas possuem tamanho médio de
1,2 quilômetros quadrados, neste polígono foi possível detectar as classes
lagoas com lâmina d'água e lagoa seca.
Já as lagoas pertencentes à bacia do rio Grande, possuem tamanho
inferior com área média de 0,1 quilômetros quadrados e vegetação de maior
porte ocupando toda a extensão das lagoas, o que não permitiu a delimitação
da classe lagoa com lâmina d'água. Diante disso, foram criadas classes de
acordo com as respostas espectrais da vegetação, sendo elas lagoa seca,
lagoa com vegetação úmida e lagoa com vegetação queimada. Neste grupo foi
possível identificar que a vegetação que ocupa estas lagoas apresentou
diferentes valores de reflectância devido ao teor de umidade no solo e às
queimadas, que são mais comuns nesta bacia em relação à bacia do rio Preto,
no período de estiagem.
No polígono da bacia do rio Preto, onde se concentram as lagoas de
maior área, a classificação revelou que há uma grande variação da lâmina
d'água. No final do período de estiagem de 2014 as lagoas possuíam apenas
0,5 quilômetros quadrados de lâmina d'água, já no final do período de chuvas
de 2015 esta área aumentou substancialmente para 8,5 quilômetros quadrados
(Figura 2a e b).
As lagoas pertencentes ao polígono da bacia do rio Grande
apresentaram no final do período de estiagem de 2014 três classes: lagoa
seca (área coberta por gramíneas e por solo exposto); lagoa com vegetação
seca (com ciperáceas e arbustos secos); e lagoa com vegetação queimada.
Sendo assim, nenhuma lagoa permaneceu com água no período de estiagem
(Figura 2c). No final do período de chuvas, em maio de 2015, a resposta
espectral da vegetação na área das lagoas, registrou apenas duas classes:
lagoa seca com gramíneas; e lagoa com vegetação úmida com ciperáceas e
arbustos com muita umidade, com uma área total de 3,1 quilômetros quadrados
(Figura 2d).
Figura 2. Classificação de imagem Landsat 8: (a) e (c) fim do período de
estiagem; (b) e (d) fim do período de chuva.
A figura 3 ilustra a paisagem de duas lagoas, uma em cada bacia
hidrográfica, no período de estiagem e de chuvas. A lagoa da bacia do rio
Preto, apresenta uma cobertura vegetal de gramíneas em quase toda sua
extensão (área seca), ciperáceas em áreas úmidas e encharcadas, e no entorno
da lâmina d'água ocorrem macrófitas e ninfeáceas, esta vegetação morre
durante o período de estiagem (Figura 3a e b). Já a lagoa localizada na
bacia do rio Grande (Figura 3c e d) possui apenas ciperáceas e alguns
arbustos, e esta vegetação apenas muda sua fisionomia de acordo com a época
do ano, refletindo apenas a variação de umidade e vegetação queimada, não
apresentando lâmina d'água.
Figura 3. Contraste da vegetação e presença de umidade: (a) fim do período
de estiagem, vegetação totalmente seca e (b) fim do período de chuva,
presença de macrófitas e ninfeáceas no entorno da lâmina d'água em uma lagoa
na bacia do rio Preto; (c) fim do período de estiagem, ciperáceas
esbranquiçadas; (d) fim do período de chuva, vegetação verde escura
indicando umidade em uma lagoa na bacia do rio Grande.
Os dados de precipitação das bacias hidrográficas dos rios Preto e
Grande podem ser visualizadas na Figura 4. No período de setembro de 2014 a
maio de 2015 a média do total de chuvas para as duas bacias em análise
tiveram valores praticamente iguais, sendo 92,6 mm para a bacia do rio
Grande e 92 mm para a bacia do rio Preto, já a distribuição da precipitação
durante os meses não foi homogênea.
No mês de setembro de 2014, final do período de estiagem e maio de
2015 final do período chuvoso e início do período de estiagem, a
precipitação na bacia do rio Grande foi superior à bacia do rio Preto. Nos
meses de outubro de 2014 a abril de 2015 a variação da precipitação nas duas
bacias foi similar, porém com uma média mensal superior para a bacia do rio
Preto.
Figura 4. Precipitação média mensal das bacias dos rios Preto e Grande para
o período de setembro de 2014 e maio de 2015.
Os meses mais chuvosos foram novembro e dezembro de 2014 para as
duas bacias. Isso indica que no período estudado as chuvas na bacia do rio
Grande foram melhor distribuídas durante o período de estiagem e chuvas em
relação à bacia do rio Preto.
Localização da área de estudos: (A) polígono para classificação de imagem das lagoas da bacia do rio Preto; (B) polígono para classificação de imagem
Figura 2. Classificação de imagem Landsat 8: (a) e (c) fim do período de estiagem; (b) e (d) fim do período de chuva.
Figura 3. Contraste da vegetação e presença de umidade: (a) fim do período de estiagem, vegetação totalmente seca e (b) fim do período de chuva, pres
Figura 4. Precipitação média mensal das bacias dos rios Preto e Grande para o período de setembro de 2014 e maio de 2015.
Considerações Finais
Por meio da classificação de imagens Landsat, em diferentes estações do ano foi possível observar que as lagoas da bacia do rio Preto acumulam mais água e que durante o período de estiagem muitas delas permanecem com lâmina d'água, diminuindo apenas sua área, o que indica certa impermeabilidade de seu substrato. Já as lagoas do rio Grande não apresentaram lâmina d'água e sim uma área com vegetação herbácea e arbustiva com variação no nível de encharcamento. Estas lagoas secam completamente no período de estiagem, indicando melhores condições de infiltração. A partir da análise dos dados de precipitação e da variação de umidade das lagoas nas duas bacias hidrográficas identificadas pela classificação de imagens de satélite, foi possível observar que a sazonalidade das lagoas não pode ser explicada pelo quantidade e distribuição das chuvas, indicando que outros fatores interferem nos processos de acúmulo ou não de água nas lagoas, podendo estar ligados à permeabilidade das litologias subjacentes às coberturas inconsolidadas cenozoicas, que afloram na superfície e que comportam todo o sistema lacustre.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) mediante concessão de Bolsa durante os dois primeiros anos de Doutorado do primeiro autor.
Referências
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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 92p. 1992.
LIMA, N. E. 2012. Filogeografia de populações naturais do buriti (Mauritia flexuosa L. f., Arecaceae) do Brasil Central. Dissertação de Mestrado,Universidade Federal de Goiás , 73 p.
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NOVO, E. M. L. Sensoriamento Remoto - Princípios e Aplicações. Edgard Blucher 2. ed. São Paulo, 308 p. 1992.
PAULA, M. R.; CABRAL, J. B. P.; MARTINS A. P. Uso de técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento na caracterização do uso da terra da bacia hidrográfica da UHE Caçu – GO. Revista GeoNorte, v. 4, p. 1482-1490, 2012.
SANTANA O. A.; CARVALHO JÚNIOR, O. A.; GOMES R. A. T.; CARDOSO, W. S., MARTINS, E. S.; PASSO D. P; GUIMARÃES, R. F. Distribuição de espécies vegetais nativas em distintos macroambientes na região do oeste da Bahia. Espaço e Geografia, v.13, n.2, p.181-223, 2010.
SANTOS, G. B.; CASTRO, P. T. A. Os lagos da bacia do rio Grande - oeste da Bahia: caracterização geoquímica das águas e fácies sedimentares de lagos. Congresso Internacional de Hidrossedimentologia. Porto Alegre- RS, 2015.