Autores

Lima Amaral, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; de Campos Zancopé, M.H. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS)

Resumo

Estudos anteriores verificaram mudanças no canal do médio Rio Araguaia nos últimos 40 anos, ocasionadas pelo aumento do aporte sedimentar, associados ao desmatamento e agropecuária. Esse trabalho apresenta as mudanças morfológicas de trecho do alto Araguaia, com duas ravinas conectadas ao rio. Interpretou-se fotos aéreas e imagens de satélite Landsat 5 e ALOS AVINIR, de 1965 a 2008, mapeando variáveis morfológicas por meio da vetorização das margens do rio, erosões e bancos arenosos. Os resultados demonstraram mudanças na morfologia do canal, devido a concentração de bancos arenosos, provindos dos sedimentos gerados pelas erosões conectadas ao canal.

Palavras chaves

Dinâmica Fluvial; Processos Erosivos; Assoreamento

Introdução

A partir de 1970, a fronteira agrícola avançou pelo Cerrado, devido a demanda de novas terras agricultáveis (MORAIS, 2006). Esse processo de ocupação teve grande representatividade na área da bacia do Alto Araguaia. Práticas agropecuárias não conservacionistas adotadas, associadas às limitações do meio físico que não foram consideradas, tiveram como consequência o aumento e aceleração de processos erosivos de grande porte, como ravinamentos e voçorocas (SANTANA, et al., 2007). Cerca de 300 focos erosivos foram detectados na bacia do alto Araguaia, destacando a porção sul da bacia com densidade elevada de focos (SANTANA, et al., 2007), os quais surgem a partir de 1980 (CASTRO, 2005). Acredita-se que esses impactos acabam por lançar os sedimentos nos afluentes do alto Rio Araguaia, afetando o médio curso. Os canais fluviais exibem diferentes morfologias, que são padrões de canais que possuem uma combinação de variáveis (ZANCOPÉ, 2008). Portanto, se alguma variável sofrer alteração, a forma do canal também pode vir a sofrer. No caso do médio curso do Araguaia, no período entre 1965 e 1998, observou-se um aumento de 31% da carga de sedimento de fundo no médio Araguaia, passando de 6,7 milhões de toneladas para 8,8 milhões de toneladas de sedimentos (LATRUBESSE, et al., 2009).Em resposta ao incremento de sedimentos, o médio Araguaia apresentou um crescimento significativo no número de barras arenosas, colmatação de canais secundários e diminuição da sinuosidade do canal principal (LATRUBESSE, et al., 2009). Os estudos sobre mudanças morfológicas no Araguaia, causadas pelo aumento da carga sedimentar, se concentram sobre o médio curso. Este trabalho apresenta uma avaliação da mudança morfológica de um trecho do alto curso do Rio Araguaia com duas ravinas conectadas ao canal, no período de 1965 a 2008, mapeando o desenvolvimento das ravinas e seus respectivos leques de dejeção e a evolução das margens e dos bancos arenosos no canal.

Material e métodos

Área de estudo A área de estudo está situada no Sudoeste do estado de Goiás, circunscrita a região da bacia hidrográfica do alto curso do Rio Araguaia, no território dos municípios de Mineiros, no Estado de Goiás e Alto Taquari, no Estado do Mato Grosso. O trecho do canal analisado está compreendido entre as seguintes coordenadas planas UTM:272000mE a 276000 e 8019000mN a 8024000mN, localizado próximo as nascentes do Araguaia, na porção sul da referida bacia (Figura 1). Na área de estudo predomina solos arenosos, principalmente Neossolos Quartzarênicos, provenientes da alteração dos arenitos Jurássicos da Formação Botucatu da Bacia Sedimentar do Paraná. Quanto ao relevo, há predominância de formas suave-onduladas, com longas vertentes e baixa declividade, que associado ao clima com chuvas intensa, concentradas de novembro a março, e ao desmatamento para o uso agropecuário, a região apresenta um estado crítico com grande concentração de focos erosivos (SANTANA, et al., 2007; BARBALHO, 2002). Procedimentos metodológicos As mudanças morfológicas trecho fluvial estudado foram realizadas a partir da vetorização das margens do rio, das duas ravinas existentes conectadas ao canal e dos bancos arenosos (B. A.) no interior do canal. Os mapeamentos foram realizados para os anos de 1965, 1985, 1990, 1995, 2000 e 2008, por meio da interpretação de imagens, utilizando o software ArcGis 10. Para o ano de 1965 foi utilizada uma foto aérea de 10m de resolução espacial, obtida junto ao CPRM. Para os anos de 1985 (agosto), 1990 (março), 1995 (julho) e 2000 (maio), foi utilizado imagens LANDSAT 5 e para o ano de 2008, foi utilizado uma imagem AVINIR ALOS. As ravinas mapeadas foram subdividas em três segmentos, sendo elas: segmento de erosão, segmento de transporte e segmento do leque de dejeção. O segmento de erosão constitui a parte da ravina onde predomina o processo de remoção dos sedimentos. O segmento de transporte é a parte onde predomina o deslocamento dos sedimentos, isto é, onde o volume removido é equivalente ao volume depositado. O leque de dejeção é a parte da ravina onde predomina a deposição dos sedimentos. Os bancos arenosos (B.A.) foram classificados em bancos arenosos emersos, bancos arenosos submersos rasos e bancos arenosos submersos profundos. Os B.A. emersos correspondem àqueles cuja parte superior está acima do nível da água e os submersos estão abaixo do nível da água. A profundidade foi estimada relativamente pela tonalidade/cor dos bancos nas imagens. A classificação dos bancos arenosos foi corroborada com observação em campo. Ainda foram identificados depósitos arenosos presentes na planície de inundação por transbordamento.

Resultado e discussão

Desde 1965, constatou-se a presença de uma ravina na porção mato-grossense do vale do alto rio Araguaia (1 na Figura 1). O processo erosivo mostra-se bastante incipiente, com uma ravina pouco profunda, apresentado um leque de dejeção ainda desconectado ao canal do alto Araguaia. De acordo com as observações realizadas na imagem foi possível identificar que o caminho feito pelo gado converge para a ravina, sugerindo que a erosão tenha sido causada pela trilha do gado. Neste período não foi identificado a presença de bancos arenosos no trecho do Araguaia a jusante desta feição erosiva. No ano de 1985 (Figura 2), foram identificadas duas ravinas. A ravina localizada ao norte, indicada com número 1, corresponde aquela já observada em 1965, enquanto que a segunda ravina, localizada ao sul do trecho, na porção goiana, indicada com número 2, é registrada neste momento. Verifica- se que ambas ravinas possuem seus respectivos leques de deposição conectados ao Araguaia. É possível observar mudanças morfológicas no canal do Araguaia, devido ao surgimento de 11 bancos arenosos emersos distribuídos ao longo do canal, imediatamente a jusante dos respectivos leques de dejeção de ambas ravinas. Em 1990 (Figura 2), verifica-se que as ravinas 1 e 2 evoluíram, desenvolvendo ramificação na ravina 1, surgimento de uma seção de transporte na porção intermediária da mesma e ampliação do leque de dejeção. Os bancos arenosos no leito do Araguaia, a jusante da ravina 1, ampliam-se em relação a 1985, configurando 5 bancos arenosos emersos. A jusante da ravina 2, verifica-se a presença de 2 bancos submersos rasos que ocupam grande parte do canal. Neste período, a largura do canal é maior em relação as datas anteriores, em parte devido a imagem de 1990 ser de março, último terço do período de cheia e a imagem de 1995 ser de agosto, segunda metade do período de vazante. Em 1995 (Figura 3), as ravinas sofreram pequenas alterações de crescimento, em relação a 1990. Deste período em diante, constatou-se pouca alteração no tamanho das ravinas estudas, bem como de seus respectivos segmentos. O canal do Araguaia apresenta, em 1995, 5 bancos arenosos emersos, localizados a jusante da ravina 1, enquanto que a jusante da ravina 2 foram identificados 1 banco arenoso submerso profundo e 1 banco arenoso submerso raso, ocupando quase toda extensão do trecho fluvial entre as duas ravinas. Em 2000, as alterações são mais notadas no tamanho e posição dos bancos arenosos (B.A.) no canal do Araguaia (Figura 3). No período 1995-2000, alguns bancos do canal a jusante da ravina 1 foram aderidos à planície, devido ao deslocamento do talvegue em direção a margem oposta. O surgimento de vegetação, onde antes havia o canal e bancos arenosos (B.A.), sugere tal processo. Em relação aos bancos arenosos do canal é importante ressaltar que a classificação varia de acordo com a profundidade do canal. No grupo de imagens Landsat 5 (1985, 1990, 1995 e 2000), os bancos arenosos não são definidos com muita precisão devido a insuficiência da resolução espacial das imagens. Contudo, é possível inferir que os bancos localizados a jusante da ravina 1 são menos estáveis, pois em 1985 estão concentrados em alguns bancos arenosos emersos, enquanto que em 1990 os sedimentos estão dispersos. Em 1995, os bancos voltam a se concentrar, e em 2000 os sedimentos se dispersam novamente em uma situação semelhante a 1990. Os sedimentos lançados pela ravina 1 realizam certo estrangulamento no canal, fazendo com que os sedimentos lançados pela ravina 2 (a montante) sofram uma tendência maior para deposição, gerando bancos mais estáveis. Como observado ao longo dos anos amostrados, esses bancos foram crescendo ao longo do canal. No período 1995-2000, no trecho fluvial entre ambas ravinas, os bancos arenosos (B.A.) submersos rasos reduzem de tamanho, mantendo-se próximos ao leque de dejeção da ravina 2. Por outro lado, os B.A. submersos profundos aumentam de tamanho, aproximando-se do mesmo leque. As mudanças de tamanho e posição entre os B.A. submersos profundos e rasos, neste trecho no referido período, sugere um ajuste na dinâmica de transporte de sedimentos. Tal ajuste decorreria pela diminuição do aporte de sedimentos fornecidos pelas ravinas, uma vez que elas reduzem suas taxas de crescimento no mesmo período. Por outro lado, nos B.A. submersos profundos, parte dos sedimentos deslocam-se a jusante, enquanto que nos B.A. submersos rasos a montante, parte dos sedimentos deslocam-se para a posição ocupada antes pelos sedimentos dos B.A. submersos profundos outrora transportados. Essa dinâmica de transporte de sedimentos é caracterizada por um efeito remontante, no qual os B.A. submersos profundos, a jusante, ampliam o tamanho em detrimento dos B.A. submersos rasos a montante, os quais reduzem o tamanho, a medida que parte dos sedimentos é transportado para os bancos a jusante. Em 2008 (Figura 4), os tamanhos e posições dos bancos arenosos no canal do Araguaia continuam a concentrar as maiores alterações observadas, em relação ao período anterior. O canal do Araguaia apresenta cerca de 46 bancos arenosos emersos imediatamente a jusante dos leques de dejeção de ambas as ravinas, confirmando a tendência de ramificação do leito em função da quantidade de sedimentos fornecidos. Imediatamente a montante da ravina 1 ocorrem 2 bancos arenosos submersos rasos e 1 banco arenoso submerso profundos. No período anterior, estes bancos se estendiam desde o leque de dejeção da ravina 2. A configuração desses bancos submersos sugere, como já observado antes, o estrangulamento do canal pelo leque de dejeção da ravina 1, forçando a deposição dos sedimentos trazidos pela ravina 2 a montante, bem como, demonstra a situação já percebida no período anterior, na qual a alteração da forma e dimensão dos bancos submersos ocorre à medida que os sedimentos são transportados a jusante. A planície de inundação possui cerca de 37 depósitos arenosos de transbordamento, a maioria concentrados a jusante da ravina 1. Porém, eles também são observados imediatamente a jusante da ravina 2. Nesses depósitos, a carga de sedimentos em suspensão, durante o período da cheia, é depositada nas planícies de inundação proximais. A resolução espacial da imagem colaborou para uma melhor precisão no mapeamento dos bancos e depósitos nesse período, por isso o detalhamento encontrado. A carga detrítica presente no canal é uma importante variável para determinar sinuosidade do canal e assim relaciona que o aumento da granulometria e da carga detrítica pode causar uma diminuição da sinuosidade (SCHUMM, 1977). Comparando o ano de 1965 e 2008 (figuras 1 e 4), com resoluções espaciais que permitem maior detalhamento, verificou uma redução da sinuosidade do canal, convergindo com as ideias referenciadas, bem como para o médio curso do Araguaia (LATRUBESSE, et al., 2009). A redução das taxas de crescimento das ravinas nos últimos anos (2008) reajustou a morfologia do canal do alto Araguaia. A ramificação em canais secundários ficou quase que restrita ao trecho imediatamente a montante a ravina 1. Os demais trechos retomam a morfologia de canal único, anterior ao incremente da carga sedimentar pelas ravinas, porém agora com presença acentuada de bancos arenosos centrais e laterais, cuja a mobilidade acelerada altera constantemente a posição do talvegue. Esta morfografia seria similar aos padrões anabranching típicos. Esta tendência de reajustes da morfologia do canal demonstra a eficiência relativa do transporte de sedimentos no trecho estudado. Este trecho estudado não apresenta suscetibilidade a assoreamento, de acordo com Zancopé, Gonçalves e Bayer (2015), corroborando tal eficiência no transporte de sedimentes e os reajustes da morfologia do canal do alto Araguaia.

Figura 1

Localização do trecho estudado e situação do trecho em 1965

Figura 2

Trecho do Araguaia em 1985 e 1990

Figura 3

Trecho do Araguaia em 1995 e 2000.

Figura 4

Trecho do Araguaia em 2008.

Considerações Finais

Os resultados mostram a reação do sistema canal-planície em função do aporte de sedimentos oriundos do desenvolvimento e evolução de ravinas e voçorocas conectadas ao canal fluvial. A análise aplicada ao trecho do alto curso do Araguaia demonstrou que o rio sofreu ajuste na morfologia do canal decorrente do aumento da carga de sedimentos, similar ao observado no médio Araguaia, por Larubesse et al. (2009), guardando a devida proporcionalidade escalar entre ambos sistemas fluviais. A carga de sedimentos constitui sedimentos arenosos provenientes das erosões dos solos nas vertentes, cujo excedente acaba armazenado no interior do canal, afetando claramente a sua morfologia. De 1965 a 2008, os bancos arenosos, que não existiam, passam a ocorrer em número significativo, acarretando redução da sinuosidade do canal.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq e a Universidade Federal de Goiás (UFG) pela concessão de bolsa de Iniciação Científica por meio do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC), os quais permitiram o desenvolvimento e conclusão deste trabalho.

Referências

BARBALHO, M. G. da S. Morfopedologia aplicada ao diagnóstico e diretrizes para o controle dos processos erosivos lineares na alta bacia do rio Araguaia (GO/TO). 2002. 140f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, 2002.

BAYER, M., ZANCOPE, M.H.C. Ambientes sedimentares da planície aluvial do rio araguaia. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 15, nº 2, 2014.

CASTRO, S.S. Erosão hídrica na alta bacia do Rio Araguaia: distribuição, condicionantes, origem e dinâmica atual. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 17, p. 38-60, 2005.

GUERRA, A. J. T., CUNHA, S.B. Geomorfologia uma atualização de Bases e Conceitos. 2 ed, Rio de Janeiro, 1995

LATRUBESSE, E.M., AMSLER, M.L., DE MORAIS, R.P., AQUINO, S. The
geomorphologic response of a large pristine alluvial river to tremendous deforestation in the South American tropics: The case of the Araguaia River, Geomorphology (2009).

MORAIS R. P. A Planície Aluvial do Médio Araguaia: processos geomorfológicos e suas Implicações Ambientais. 2006. Tese de doutorado, CIAMB - Universidade Federal de Goiás, 2006.


SANTANA, N. M. P. et al. Chuvas, erosividade, erodibilidade, uso do solo e suas relações focos erosivos lineares na alta bacia do rio Araguaia. Sociedade e Natureza, Uberlândia, n 19, p. 103-121, 2007

ZANCOPE, M.H.C. Análise morfodinâmica do Rio Mogi Guaçu. 2008. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, (2008).