Autores

Lopes, A.L.O. (UFPEL) ; Simon, A.L.H. (UFPEL)

Resumo

Deltas são acumulações costeiras marítimas ou lagunares construídas a partir de sedimentos trazidos por um rio. As feições do relevo, geralmente recentes, inconsolidadas e com características planas viabilizam o processo de ocupação e são, ao mesmo tempo, extremamente suscetíveis às alterações em sua morfologia e dinâmica natural. Esse trabalho foi desenvolvido com o objetivo de identificar e analisar as características geomorfológicas do delta intralagunar do Rio Camaquã (RS), a partir do mapeamento de feições do relevo da área. Os modelados predominantes são: as planícies flúvio-lacustres, os terraços flúvio-lacustres, as dunas, as faixas praiais e os paleo-cordões arenosos. Também foram identificadas as seguintes formas e tipologias hidrográficas: canais fluviais, canais pluviais, canais abandonados, meandros abandonados, barras de meandro e canais retilinizados construídos para abastecimento das canchas de cultivo do arroz irrigado.

Palavras chaves

Cartografia Geomorfológica; Sistemas Deltaicos; Ambiente Lagunar

Introdução

A configuração da paisagem litorânea é resultante da interação entre os processos tectônicos, geomorfológicos, climáticos, biogeográficos e oceânicos (Muehe, 2010), sendo ainda influenciada diretamente pela apropriação e uso destes espaços e a consequente quebra em seu equilíbrio dinâmico. Ambientes deposicionais costeiros podem ser caracterizados por sedimentos que são trazidos pelos rios e decantam em áreas litorâneas ou ainda pela dinâmica marítima das ondas e marés. Em áreas onde a força das águas marítimas ou lacustres não possui energia suficiente para alcançar o nível de retrabalhamento do material depositado por um rio em sua costa, temos as condições adequadas para a formação de deltas (ROSSETTI, 2008; SUGUIO 2003). Deltas são acumulações costeiras subaquosas e subaéreas, construídas a partir de sedimentos trazidos por um rio e atrelados à ambientes deposicionais marítimos e/ou lagunares. Os deltas exigem certas condições de formação como: ausência de correntes marinhas, fundo raso e abundância de detritos (WRIGHT, 1978 apud SUGUIO, 2003; IBGE, 2009; GUERRA & GUERRA 2008). Os deltas lacustres constituem-se em uma tipologia de delta construtivo, formados na desembocadura fluvial em um lago de estrutura relativamente simples. Apresenta as camadas de topo com características fluviais, camadas frontais com características mistas (Flúvio-lacustres) e camadas basais com características lacustres (GILBERT 1890 apud SUGUIO, 2003). Já o delta intralagunar é um delta construtivo formado no interior de uma laguna costeira, sendo que os atributos das camadas desta tipologia de delta respeitam as condições gerais dos deltas lagunares. O sistema deltaico do Rio Camaquã se localiza na divisa dos municípios de Camaquã e São Lourenço do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul (Fig. 01). Insere-se na Unidade Geomorfológica da Planície Costeira Lagunar, abrangida pela Região Geomorfológica da Planície Costeira Interna (RADAMBRASIL, 1986). Assenta-se sobre três unidades geológicas: Depósitos de Planície Lagunar composta por areia síltico-argilosa, Depósitos Deltáicos compostos por areia síltico-argilosa, silte e argila com restos orgânicos e Depósitos de Praias e cristas lagunares composta por areias quartzosas finas a muito finas bem selecionadas (CPRM, 2008). Os depósitos de planície deltaica são extremamente sensíveis ao tipo de clima dominante, sendo que em áreas de clima úmido e quente costumam exibir vegetação luxuriante (SUGUIO, 2003). As condições climáticas do Delta do Rio Camaquã se caracterizam por médias anuais de precipitação de 1.213mm e média mensal de 101,08mm. De acordo com a classificação de Köppen, o clima regional se configura como Temperado Úmido. As condições geológicas-geomorfológicas e de clima descritas contribuem para a organização de formações arbóreas de restinga, com uma fisionomia particular e uma flora típica do Bioma Pampa. Os ecossistemas dominantes são lagoas e banhados, praias arenosas, dunas frontais e lacustres, campos litorâneos, matas de restinga e butiazais (formações arbustivas da família das palmeiras, Butia catarinenses), todos típicos de áreas planas litorâneas (WAECHTER 1985). Superfícies de relevo plano como os deltas viabilizam a ocupação além de serem extremamente suscetíveis às alterações em sua morfologia e dinâmica natural, pois tratam-se de feições deposicionais recentes e, geralmente, inconsolidadas. No caso do sistema deltaico do Rio Camaquã as atividades agropastoris (criação de gado e cultivo de arroz irrigado) desenvolveram-se com o decorrer dos anos sem qualquer tipo de planejamento apesar do referido sistema estar incluído dentro de uma unidade de conservação ambiental (Parque Estadual do Camaquã/ lei n° 34.256/1992 - RS). Diante destas considerações iniciais, esse trabalho foi desenvolvido com o objetivo de identificar e analisar as características geomorfológicas do delta intralagunar do Rio Camaquã (RS), a partir do mapeamento de feições do relevo local.

Material e métodos

O mapeamento geomorfológico do delta intralagunar do Rio Camaquã foi organizado a partir do reconhecimento das formas do relevo e da rede de drenagem atuais e pretéritas que compõe a área em estudo. A estruturação da simbologia utilizada pautou-se nas propostas de Tricart (1965) e Verstappen & Zuidam (1975). Os símbolos foram organizados em uma única legenda a partir das concepções de uma cartografia do relevo pautada nos princípios da gestão ambiental proposta por Cunha (2001) e também aplicadas por Simon (2007; 2010). Cunha, 2001 explica que: “é impossível estabelecer um mapeamento geomorfológico visando à gestão ambiental que seja universal e dogmático (p.109)”. Dessa maneira, torna-se necessário considerar os diferentes sistemas geomorfológicos existentes para então propor as adaptações que a área exige durante o processo de mapeamento. Nesse sentido, levando em consideração as características deposicionais da área de estudo, a legenda foi elaborada a partir de uma adaptação de símbolos que se adequassem às principais feições identificadas ao longo da elaboração do mapeamento, de modo que os símbolos ficassem dispostos em uma única legenda facilitando sua leitura e interpretação. Para a confecção da carta geomorfológica do delta do Camaquã foram utilizadas quatro imagens do satélite RapidEye, referentes ao mês de maio de 2012, com resolução espacial de 5m e resolução radiométrica de 12 bits. As imagens foram disponibilizadas pelo Ministério do Meio Ambiente (Geocatálogo, MMA). Para a interpretação das imagens foram utilizadas as composições coloridas naturais (R3, G4, B5) e infravermelho próximo (Ir) onde a cor, a rugosidade, a forma e a textura foram os fatores que auxiliaram na interpretação e reconhecimento das formas do relevo e da hidrografia. Para a vetorização das feições e edição do mapa foi utilizado o software ArcGis versão 10.0 (licença LEAGEF/UFPel). Além da elaboração do produto cartográfico foi realizada também uma revisão teórica onde foram consultados livros e artigos sobre a temática, com destaque para o Manual Técnico de Geomorfologia do IBGE (2009) e Suguio (2003).

Resultado e discussão

De acordo com Liell, (1832) citado por Suguio, (2003) os deltas podem ser continentais ou oceânicos, dependendo das características da bacia receptora. Nessa perspectiva, o delta intralagunar do rio Camaquã se enquadra como um delta continental. Baseado na classificação de Bates (1953), onde são analisados os contrastes de densidade do curso fluvial deltaico e o corpo líquido receptor, o delta intralagunar do Rio Camaquã se enquadra no tipo Homopicnais, onde a densidade do meio transportador é praticamente igual à do meio receptor, fazendo a sedimentação progredir nas três dimensões (x, y, z). O ambiente flúvio-lacustre onde está inserido o delta do rio Camaquã possui uma morfodinâmica sensível, suscetível tanto às alterações de ordem antrópica quanto à dinâmica natural que se desencadeia na interface dos ambientes fluvial e lacustre, e que atua na formação de bancos de areia, ilhas e áreas úmidas, consolidando uma paisagem única e dinâmica, assinalada como um dos principais exemplos de delta intralagunar do Brasil, e que, portanto, precisa ser compreendido não só pelos aspectos referentes à biodiversidade, mas também no que se refere as suas peculiaridades vinculadas à geomorfologia. A interpretação da carta geomorfológica do Delta do Rio Camaquã possibilitou a constatação e análise das seguintes formas do relevo: Planície Flúvio-lacustre, Terraço Flúvio-lacustre, Duna, Faixa Praial e Paleo-cordões Arenosos. Também foram identificadas as seguintes formas e tipologias hidrográficas: canais fluviais, canais pluviais, canais abandonados, meandro abandonado, barras de meandro e ainda os canais retificados. A análise das morfologias do delta do Rio Camaquã obedeceu à estrutura da legenda do mapeamento geomorfológico (fig.01) que apresenta a seguinte ordem de categorização: 1. Ação das Águas Correntes e as Formas de Origem Flúvio-lacustre: conjunto de fisionomias oriundas da dinâmica hidrográfica e lagunar, tanto atual como pretéritas. Esta classe foi dividida em duas subclasses: as feições hidrográficas e as formas de acumulação. As feições hidrográficas são representadas pelos elementos da rede de drenagem como canais fluviais e pluviais, onde a rede fluvial de maior grandeza forma um arranjo espacial deltaico, além de uma série de canais fluviais de menor expressão e canais pluviais que contribuem para o sistema fluvial (fig. 01). De acordo com Hansen (2007), a área de estudo possui grande risco de inundação, possuindo baixa densidade de drenagem. Os tipos de canais da área são meandrantes (Arroio Barretas - fig. 01) e deltaicos (Rio Camaquã) onde o fluxo se dá por distributários que atingem a Laguna dos Patos. As formas de acumulação são as fisionomias resultantes dos processos deposicionais comandados pela morfodinâmica das águas correntes e dos corpos lacustres. A área classificada como Duna tem sua gênese ligada ao estoque de sedimentos fornecidos pelo sistema fluvial e, sobretudo, lacustre. Na área de estudo esta formação encontra-se à montante da faixa praial na margem sudoeste do delta. As dunas apresentam-se sem vegetação rasteira ou arbórea. Pela origem dos sedimentos ser flúvio-lacustre estes são mais grosseiros, o que dificulta seu retrabalhamento e remobilização via ação dos ventos. A faixa de praia lagunar é a extensão ativa de areia que sofre interferência direta da morfodinâmica praial da Laguna dos Patos. No caso do sistema deltaico do Camaquã além da zona praial, nesta classe estão inseridas também as barras de desembocaduras do Rio Camaquã, caracterizadas por sedimentos acumulados do fluxo fluvial que ao entrarem em contato com a laguna depositam-se formando uma espécie de soleira ou banco de areia na foz dos cursos fluviais deltaicos. Foram identificadas ainda áreas de planície flúvio-lacustre, que são as áreas baixas e planas que sofrem influência tanto da laguna como principalmente da dinâmica fluvial do Rio Camaquã, podendo ser classificada também como planície deltaica de inundação (ROSSETTI, 2008). No sistema delta do Camaquã estas áreas se manifestam no entorno do Rio Camaquã, seus distributários e ilhas (fig.01). O sistema de terraços Flúvio-lacustres compreende os modelados de acumulação que apresentam formas planas, levemente inclinadas, exibindo rupturas de declive em relação às planícies Flúvio-lacustres mais recentes situadas em nível inferior. Os terraços Flúvio-lacustres foram amplamente entalhados devido às variações de nível da lâmina de água provocadas por mudanças de condições de escoamento ou perda por evaporação e consequente retomada de erosão (IBGE, 2009). Na área de estudo essas formações deposicionais se apresentam na porção leste da carta e exibem um quadro de ocupação agrícola delineado pelas plantações de arroz irrigado. As Barras de meandros (point bars) são os bancos arenosos construídos pelo rio através da deposição no lado interno da curvatura da drenagem e resultam dos materiais mobilizados dos bancos de solapamento situados à montante (CHRISTOFOLETTI, 1980). 2. As Paleoformas, podem ser definidas, de acordo com Guerra (1966, p. 290), como as “formas de relevo desarmônicas existentes dentro de um sistema morfoclimático diferente do atual”. Na área do delta do Rio Camaquã as paleoformas compreendem os paleo-cordões arenosos e a paleodrenagem. Paleo-cordões arenosos são detritos acumulados na costa pela dinâmica marítima ou lacustre. Os paleo-cordões do sistema deltaíco do Camaquã estão organizados, de forma geral, paralelos à costa lagunar e apresentam um grau de ocupação significativo principalmente na ilha de Santo Antônio (fig. 02), onde ocorre uma aglomeração urbana e pequenas instalações agrícolas, além de apresentarem focos de silvicultura (fig. 02). Os paleo-cordões arenosos da área se encontram em estágio avançado de arrasamento pluvio-erosivo, formando, em muitos setores, superfícies de planície flúvio-lacustre. A paleodrenagem é composta pelas formas de deposição linear – fluvial, flúviomarinha ou lacustre – correspondente a uma drenagem preexistente na forma de canal (paleocanal) ou de meandro abandonado. Ocorre nas planícies e nos terraços fluviais de rios e margens lacustres (IBGE, 2009). Em áreas deltaicas é comum à existência de paleo-canais devido a dinâmica do sistema deltaico, sendo assim estas paleofeições são de extrema importância no que se refere ao conhecimento do comportamento hidrográfico local. 3. O modelado antrópico diz respeito às formas produzidas pelo agente antrópico durante o processo de ocupação e uso da terra. Na área de estudo esta classe está representada pelos canais retificados para irrigação das plantações de arroz. De acordo com o mapeamento geomorfológico de detalhe do delta do Camaquã (fig. 01) é possível constatar diversos canais que se comunicam com o Rio Camaquã e demais distributários tanto no entorno do delta como no interior das ilhas. Esse tipo de prática tem causado alterações sobre as feições geomorfológicas e rede de drenagem. Além disso, para o cultivo de arroz são utilizadas técnicas que causam o aplainamento da superfície, descaracterizando o relevo local e compactando o solo. A análise da carta geomorfológica do delta do Rio Camaquã evidencia que as áreas de cultivo do arroz irrigado ocorrem com maior intensidade em superfícies de terraço Flúvio-lacustre.

Fig. o1: Carta Geomorfológica do Delta do Rio Camaquã - RS



Fig. 02: Ocupação dos paleo-cordões arenosos na ilha de Santo Antônio.



Considerações Finais

Grande parte dos sistemas costeiros marítimos e lagunares no Brasil foi ocupada sem o planejamento espacial adequado. Na área do delta do rio Camaquã os processos de ocupação datam desde 1807 (Prefeitura Municipal de Camaquã, 2016) e tiveram seu processo fortemente aliados ao cultivo agrícola do arroz, prática que perdura até a atualidade. Apesar da área de estudo ser abrangida por uma unidade de conservação ambiental, instituída desde 1975, até o momento não existe nenhum tipo levantamento, regularização ou mesmo fiscalização quanto às práticas desenvolvidas na área. Sabe-se que a legislação que o protege ainda não é suficiente para conter os processos de ocupação no local. Os dados obtidos a partir do mapeamento geomorfológico corroboraram para o entendimento da gênese e caracterização das formas do relevo que compõem o sistema deltaico em estudo, permitindo assim uma melhor compreensão dos processos ambientais responsáveis pela fisionomia local. E esse entendimento contribuirá para o futuro zoneamento ambiental da Unidade de Conservação Parque Estadual do Camaquã onde insere-se o delta intralagunar do Rio Camaquã, atuando para o planejamento ambiental da área.

Agradecimentos

Referências

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