Autores

Silva, S.E.L. (PUC-RIO) ; Pinto, R.W.P. (PUC-RIO) ; Freitas, M.M. (PUC-RIO)

Resumo

O relevo do sudeste do Brasil é caracterizado por um extenso planalto que sofreu intensas transformações ao longo do tempo geológico entre as quais se destacam os eventos tectônicos e as mudanças climáticas que influenciaram na morfologia do relevo atual. O Rift Continental do Sudeste do Brasil então teve grande influência na formação dos sistemas de drenagem do antigo planalto sudeste por meio de capturas. Diante disso, será estudada uma bacia de drenagem situada no planalto sudeste para identificar anomalias que indicam capturas de drenagem, a bacia do Rio Negro. Na análise da roseta com a direção dos fluxos de drenagem, pode-se perceber que a bacia possui uma orientação preferencial para NE. Estruturas geológicas condicionam a formação dos níveis de base, com destaque para fraturas ortogonais e a foliação das rochas. A captura de drenagem identificada sugere evolução remontante das cabeceiras, sendo a porção à montante de Euclidelândia sendo capturada pelas drenagens do rio Macuco.

Palavras chaves

Rio Negro; Captura de drenagem; Níveis de base

Introdução

O relevo do sudeste do Brasil é caracterizado por um extenso planalto que sofreu intensas transformações ao longo do tempo geológico entre as quais se destacam os eventos tectônicos e as mudanças climáticas que influenciaram na morfologia do relevo atual (RICCOMINI, 1989). Diversos autores como DANTAS, 1995; e MOURA, 1990; afirmam que o papel da erosão e do intemperismo diferencial é responsável por uma superfície heterogênea e que os sedimentos gerados ao longo do tempo geológico acumulam-se nas encostas, assim como nos fundos de vale, gerando morfologias características. Soma-se a isso, evidências na morfologia desse relevo mostram eventos tectônicos ocorridos no final do Cretáceo e início do Paleogeno (LIMA, 2000; FERRARI, 2001; COELHO NETTO, 1994; MENDES et al. 2007). Para melhor compreender essas transformações é necessário o entendimento sobre os sistemas de drenagem e suas implicações na formação do relevo. Esses sistemas possuem características que podem contribuir na análise da evolução no relevo, dentre as quais podemos destacar as anomalias de drenagem, tais como, mudanças abruptas nas direções dos cursos d’água constituindo, assim, na formação de cotovelos ou capturas de drenagem. Essas capturas podem condicionar a rede de drenagem a ajustarem-se a novos perfis, sendo assim, pode ocorrer alterações na morfologia dos canais envolvidos (SILVA, 2010; BISHOP, 1995; CHEREM et al. 2013). Desse modo, as áreas capturadas são dissecadas e rebaixadas até serem ajustadas a novos níveis de base dessa drenagem, acelerando os processos mofordinâmicos do relevo. De forma geral, a morfogênese de capturas é iniciada com a incisão fluvial de uma cabeceira que drena o canal captor, em seguida, um canal capturado (planalto superior) passa a drenar rumo ao planalto inferior; em consequência disso o novo nível de base local provocao encaixe da rede de drenagem que, por sua vez, leva ao rebaixamento das vertentes e provoca, assim, a aceleração na morfodinâmica do recuo da escarpa em questão (MENDES, 2006). De acordo Howard (1967) uma anomalia de drenagem sugere desvios topográficos ou estruturais quando compreendida como uma discordância local da drenagem regional e/ou dos padrões de canais. As capturas no sudeste brasileiro, como qualquer outra, tem a característica de o canal fluvial tender a seguir o caminho mais fácil e acompanhar a declividade regional. Porém, caso ocorra em um trecho do canal que não corresponda à declividade pode significar uma associação a eventos neotectônicos. Esses eventos estão relacionados ao Rift Continental formado, segundo RICCOMINI (1989), por esforços extensionais NNW-SSE, impostos pelo basculamento termomecânico, além de estar relacionado ao Cinturão de Dobramentos Ribeira (HASUI, 1975). O Rift Continental do Sudeste do Brasil então teve grande influência na formação dos sistemas de drenagem do antigo planalto sudeste por meio de capturas. Diante disso, iremos estudar uma bacia de drenagem situada no planalto sudeste para identificar anomalias que indicam capturas de drenagem, a bacia do Rio Negro. A bacia do Rio Negro localiza-se no Planalto Sudeste Brasileiro abrangendo parte de 7 municípios, da região serrana do estado do Rio de Janeiro, sendo eles: Duas Barras, Cantagalo, Cordeiro, Macuco, Itaocara, São Sebastião do Alto e São Fidelis. O Rio Negro é um importante afluente do Rio Grande que, por sua vez, compõe uma significativa bacia afluente do Rio Paraíba do Sul, nas proximidades de seu baixo curvo. Sua nascente está situada no município de Duas Barras. A bacia de estudo no qual está inserido o planalto pode ter sido, antigamente, muito mais extenso e com uma conformação de drenagem distinta da atual. Devido à sua localização na borda do Rift Continental do Sudeste do Brasil – e do Gráben do Paraíba – acredita-se que suas drenagens e a morfologia do relevo tenham sido influenciados por esses eventos tectônicos associados à consolidação do RCSB.

Material e métodos

Os métodos a serem apresentados, visaram compreender a evolução do relevo na bacia do Rio Negro com base na correlação entre aspectos geológicos e geomorfológicos na organização do seu sistema fluvial. Como base para os procedimentos metodológicos, segundo COELHO NETTO (1994), a bacia de drenagem pode ser vista como um sistema hidro geomorfológico por se constituir na unidade de análise da paisagem, uma vez que, mudanças de ordem natural ou antrópicas, de acordo com suas intensidades, operam no fornecimento de energia e causam um reajuste nas formas e processos dentro da mesma. Como procedimentos metodológicos foram utilizados dados retirados das cartas topográficas do IBGE, para a delimitação da bacia feita através do software ArcGis10. Além da delimitação da bacia de drenagem como o recorte espacial da pesquisa, é possível, também, identificar os cursos d’água que compõem o sistema de drenagem do Rio Negro, hierarquizando e buscando o entendimento da sua rede de drenagem. A rede de drenagem foi então mapeada em suas direções, mudanças abruptas de direção, formas, densidade e organização. Segundo HOWARD (1967), a maneira como se desenvolve a rede de drenagem está intimamente ligada ao substrato geológico, ou seja, a rede de drenagem se mostra em padrões variados de acordo com as características deste substrato. Diante disso, foi realizado com os dados do IBGE o mapeamento e identificação de anomalias de drenagem ao longo da bacia de forma que possibilitou uma compreensão maior sobre a dinâmica da rede de drenagem. Ainda foram realizados perfis longitudinais como ferramenta para a identificação de mudanças abruptas ou não na declividade do eixo principal do Rio Negro. Soma-se a isso, a análise de suas características morfológicas e componentes dos principais eixos formadores do Rio Negro até sua confluência no Rio Grande. Após a configuração dos perfis longitudinais, iniciou-se o processo de mapeamento e descrições de outros aspectos importantes para o estudo, tais como: níveis de base locais (knickpoints), orientações da rede de drenagem, lineamentos estruturais e a geologia da bacia. Os níveis de base foram identificados através da análise das curvas de nível extraídas das cartas topográficas do IBGE na escala de 1:50.000 utilizando o software Arcgis. A delimitação dessa feição geomorfológica se deu nos locais onde há uma concentração de curvas de nível que caracterizam um desnível topográfico abrupto e, também, quando as mesmas se aproximam formando um estrangulamento seguido de desnível para jusante. A orientação de drenagem baseia-se em subdividir os cursos d’água de acordo com as suas direções preferenciais, desconsiderando as porções meandrantes dos rios. Os resultados foram exportados para plotagem, visualização e análise para formatos compatíveis com o Stereonet32, roseta que indica as orientações preferenciais dos segmentos de drenagens. Infere-se então que o resultado deste procedimento, juntamente com os dados obtidos dos lineamentos estruturais, permite aferir qual das estruturas geológicas condicionam a organização e arranjo dos sistemas fluviais do Rio Negro. Além disso, foram identificados os lineamentos que tem por objetivo representar as orientações preferenciais das estruturas geológicas da área de estudo. Para este procedimento, os lineamentos foram traçados diante análise das imagens orbitais SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) disponibilizado pela EMBRAPA (MIRANDA, E. E. et al., 2005). Em relação aos dados geológicos foram integrados dados dos mapeamentos de diferentes folhas associadas ao Programa de Levantamentos Geológicos Básicos (PRONAGEO) desenvolvido pela UERJ em parceria com o CPRM. Para composição do mapa geológico da bacia do Rio Negro, foram identificadas as folhas que abrangem a área da bacia, sendo elas: Nova Friburgo (TUPINAMBÁ et al., 2012), Santo Antônio de Pádua (HEILBRON, et al., 2009) e São Fidelis (NOGUEIRA, et al. 2012).

Resultado e discussão

Pode-se perceber que a litologia da bacia do Rio Negro influencia diretamente na morfologia e altimetria do relevo. Nas porções da bacia em que há a ocorrência de granitos pós tectônicos, como a Suíte Serra dos Órgãos e o Complexo Rio Negro, o relevo permanece preservado e mais elevado. Enquanto que as porções do relevo mais rebaixadas ocorrem rochas da Unidade São Fidélis, marcadas por gnaisses menos resistentes ao intemperismo e erosão pela isotropia dos mesmos. Esta característica irá refletir na morfologia do relevo, resultando em relevo montanhoso e, por vezes, serrano próximo às cabeceiras na ocorrência dos granitos, em detrimento das colinas e vales alargados situados sobre as rochas da Unidade São Fidélis que são menos resistentes ao intemperismo e erosão. Os dados dos lineamentos estruturais apresentam direção predominante para ENE, contudo, outros lineamentos possuem representatividade na bacia, como a direção WNW. Este comportamento é bastante observado na região, tendo o eixo principal do Rio Negro orientado nesta direção preferencial mencionada (Figura 1), podendo estar associado ao strike da foliação das rochas. Estes dados irão influenciar diretamente na orientação do fluxo da rede de drenagem, como também, nas formações de inflexões nos cursos dos rios. Na análise da roseta com a direção dos fluxos de drenagem, pode-se perceber que a bacia do Rio Negro não possui uma orientação preferencial, mas sim, um ligeiro predomínio da direção NE. Contudo, nota-se também, boa representatividade das direções NW e SE. Em relação ao eixo principal do Rio Negro, a orientação inicia seu curso com sentido de fluxo para norte até apresentar uma inflexão marcante para nordeste, ficando neste segmento por aproximadamente 30km até Euclidelândia. Posterior a este trecho, a drenagem alterna principalmente em inflexões para NE e SE até sua confluência com o Rio Grande. A boa representatividade de drenagens com fluxo para NW está associada aos afluentes do Rio Negro que podem ter sido influenciadas pela grande quantidade de estruturas nesta direção. As mesmas compreendem à estruturas pretéritas reativadas durante o tectonismo cenozoico (HARTWIG & RICCOMINI, 2010). Através da análise do perfil longitudinal e das informações topográficas do Rio Negro, nota-se que o mesmo apresenta 3 planaltos ou patamares topográficos, interrompidos por desníveis topográficos marcantes (Figura 2). Estes desníveis topográficos estão associados à níveis de base locais e evidenciam o controle litológico e estrutural na rede de drenagem, principalmente por fraturas ortogonais. Posteriormente à identificação dos desníveis topográficos ao longo do perfil, foi elaborado o mapeamento dos níveis de base ao longo da bacia e vistorias de campo, priorizando os níveis de base na calha do rio Negro. Ao todo, foram mapeados em ambiente digital 21 níveis de base ao longo do rio Negro, sendo 5 vistoriados. Como mencionado anteriormente, estruturas geológicas condicionavam a formação dos níveis de base, com destaque para fraturas ortogonais ao eixo de drenagem, bem como, a foliação das rochas (Figura 3). Além disso, foram identificadas anomalias de drenagens ao longo da bacia, com destaque para uma mudança abrupta de direção da drenagem, formando um cotovelo, em Euclidelândia. Neste ponto, há um vale abandonado e um divisor rebaixado à montante do cotovelo, sugerindo que neste ponto ocorreu a captura da drenagem (Figura 4). A ocorrência de um nível de base e desnível topográfico à jusante de Euclidelândia reforçam a ideia de que o rio Negro possuía um curso diferente do atual, drenando, possivelmente, para o rio das Areias. Diante disso, sugere-se que preteritamente a diferença altimétrica entre os níveis de base do rio Negro (mais alto) e o rio Macuco (mais baixo) possibilitou a captura da drenagem do primeiro pelo segundo rio, por avanço de cabeceira como propôs Bishop (1995). Acredita-se que os rios pretéritos correspondiam à frente de dissecação da Serra das Águas Quentes nesta localidade e conseguiram capturar o Rio Negro nesta porção pelo avanço de sua cabeceira. Estas capturas podem ser consideradas como resultado dos múltiplos eventos do Rift Continental Sudeste e rebaixamento do nível de base atlântico que promoveu a reordenação dos sistemas fluviais da região. Devido ao rebaixamento do nível de base geral atlântico, as bacias marginais expandiram sua área de contribuição pelo recuo de cabeceiras e capturas de drenagem do antigo planalto no sudeste, como no caso do Rio Negro.

Figura 1

Geologia e lineamentos estruturais que ocorrem na Bacia do Rio Grande.

Figura 2

Perfil Longitudinal do Rio Negro, elucidando os patamares topográficos e os desníveis topográficos.

Figura 3

(a) Fraturas ortogonais condicionando a formação de níveis de base locais. (b) Foliação marcante orientando o eixo de drenagem. (c) Knickpoint vistori

Figura 4

Vale abandonado à montante de Euclidelândia, com destaque para o divisor rebaixado.

Considerações Finais

Durante os estudos de campo, foi possível evidenciar o controle geológico e estrutural do sistema de drenagem da bacia do Rio Negro. Este controle pode ser elucidado pela resistência geológica dos granitos na manutenção das cotas altimétricas elevadas na região de Nova Friburgo e como o nível de base de próximo à Duas Barras sustenta este relevo, impedindo maior dissecação da drenagem remontante. Os lineamentos estruturais e as orientações da rede de drenagem coincidem preferenciais para NE, em sua maioria relacionada com o strike da foliação das rochas. Em relação à foliação, o avanço da drenagem do Rio Negro sobre o antigo Planalto Sudeste foi facilitado por essa estrutura dos gnaisses associada à Unidade São Fidélis que ocorrem na região. O perfil longitudinal demonstra duas marcantes quebras topográficas do rio Negro e coincidem com a ocorrência de níveis de base locais, formados pela erosão diferencial e resistência ao intemperismo das rochas. Como no caso do nível de base próximo a Duas Barras e em Euclidelândia, que sustentam o relevo na região. A captura de drenagem identificada ao longo do trabalho sugere evolução remontante das cabeceiras, sendo a porção à montante de Euclidelândia sendo capturada pelas drenagens do rio Macuco que possuía maior energia. Com a captura, formou-se o cotovelo de Euclidelândia e um vale abandonado, e uma nova dinâmica erosiva passou a controlar o relevo do antigo planalto. Por fim, enfatiza-se neste trabalho a necessidade de novas pesqu

Agradecimentos

Referências

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