Autores
Carneiro, M.M. (UEPG) ; Pereira, D.C. (UEPG) ; Cassol Pinto, M.L. (UEPG)
Resumo
Os cemitérios constituem uma potencial fonte de contaminação do solo e águas quando as suas construções não levam em conta aspectos como geologia, geomorfologia, declividade. Neste contexto, o objetivo deste estudo é identificar qualitativamente os principais metais pesados presentes nos solos do Cemitério Municipal de Carambeí-PR, pela Fluorescência de Raios X. Definiu- se três zonas para a coleta de solos, sendo ZA, ZB e ZC, utilizando critérios de tipos de sepultamentos, topografia e profundidade de solos, em profundidades de 20-40 cm, 70-90 cm e 100-120 cm. As análises realizadas apontam que os principais metais encontrados são Al, Fe e Si e, juntos, respondem por mais de 90% da concentração dos metais, principalmente em áreas onde os solos são mais profundos. Além disso, observa-se que o cemitério não se adequa às legislações vigentes, já que está em APP hídrica, de relevo acidentado, não possui um sistema de captação das águas pluviais e sob formação geológica cárstica.
Palavras chaves
solos incipientes; cemitérios; impactos ambientais
Introdução
A prática de sepultamento dos corpos em locais específicos, como realizamos atualmente, se deu com o advento do Cristianismo. Inicialmente, os mortos, cujas famílias possuíam maior poder aquisitivo, eram sepultados dentro das igrejas, uma forma de permanecerem próximos a Deus. No entanto, por questões de higiene esta prática deixou de ser usada e os corpos passaram a ser enterrados aos arredores das Igrejas (CARNEIRO, 2008). Apesar disso, a instalação dos cemitérios não traziam preocupações sanitárias ou ambientais, e ao longo do tempo se tornaram grande fonte de problemas sociais e ambientais por não estarem devidamente instalados e seu gerenciamento serem precários. A discussão dos cemitérios em relação a sua localização, expansão e manutenção é de extrema importância, pois podem ser fontes potenciais de contaminação do solo, das águas superficiais e subterrâneas. A legislação ambiental brasileira apresentou, através da Resolução CONAMA Nº 335, de 03 de abril de 2003, diretrizes que consideram os cemitérios como fontes de contaminação, devendo, após esta data, se adequarem às normas de instalação e manutenção, com o licenciamento ambiental. A falta de uma legislação mais específica explica porque muitos destes estão localizados em áreas impróprias, como próximas a áreas residenciais, nas Áreas de Preservação Permanente (APP), de fragilidade morfodinâmica, solos permeáveis, entre outros. A presença de cemitérios em locais inadequados pode acarretar em vários problemas ambientais e sociais, sendo assim, alguns estudos devem ser realizados para compreender a dinâmica do terreno e dos tipos de sepultamento. Pois a decomposição do corpo pode liberar o líquido conhecido como necrochorume, este podendo conter bactérias, enzimas, vírus e agentes contaminantes que podem ter sido a causa da morte, além de carregar consigo metais pesados, oriundos de vernizes, tintas usados em caixões, e também placas metálicas utilizadas em recuperação de fraturas (SILVA, MALAGUTTI FILHO, 2010). Para identificar esses elementos presentes no solo, algumas técnicas vêm sendo utilizadas como a Difração de Raios X, que são utilizados para identificação de minerais na fração argila e a Espectrometria de Fluorescência de Raios X que permite a identificação e quantificação de metais presentes na fração argila, há também a técnica por espectrometria de Absorção Atômica que permite uma análise de traço de metal de amostras biológicas, metalúrgicas, farmacêuticas e atmosféricas (Barros, et al 2008). Kemerich et.al (2014) destacam que a utilização da técnica de Fluorescência de Raios X na área de ciências ambientais é uma etapa quase indispensável para o sucesso de uma avaliação preliminar e de monitoração de contaminantes em solos e sedimentos. A partir do exposto, o presente trabalho tem como objetivo identificar os principais metais pesados presentes nos solos do Cemitério Municipal de Carambeí-PR, relacionando-os aos impactos ambientais presentes.
Material e métodos
[Caracterização da área de estudo/u] O Cemitério Municipal, objeto deste estudo, encontra-se na porção sul do munícipio de Carambeí, na região centro-oriental paranaense, às margens da rodovia PR 151 e possui uma área de 11.500m2, aproximadamente. O Cemitério Municipal foi instalado sobre os cambissolos e neossolos originados dos arenitos da Formação Furnas, que possuem características de aquífero fraturado e cárstico (Melo et al, 2011). Ademais, o cemitério situa-se em relevo acidentado e próximo à cabeceira de um curso de água formador do Arroio Boqueirãozinho, sistema baixo-Pitangui. Os solos com forte caráter arenoso facilitam a infiltração rápida das águas da chuva, bem como do necrochorume, até a atingir o nível freático. [Procedimentos metodológicos/u] As coletas de solo foram feitas abrangendo todo o cemitério, destacando suas diferenças topográficas e pedogenéticas, e os diferentes tipos de sepulturas no local. Assim, foram definidas três zonas, sendo a primeira ZA, onde localiza-se a maior parte das sepulturas, sendo esta a parte mais antiga do cemitério. A ZB, a qual as sepulturas são realizadas em covas feitas abaixo do solo com caixa de alvenaria, na tentativa de impermeabilizar e não liberar o necrochorume e gases. Esta zona caracteriza por apresentar características de cemitério parque. A ZC corresponde à área de expansão, onde ainda não há corpos sepultados (figura 1). Feito o zoneamento, definiu-se os pontos e a profundidade das coletas para análises de Fluorescência de Raios X, buscando verificar se a concentração de metais pesados excede aos padrões definidos pela Mineropar (2005), sendo este um bom indicador de contaminação. Na ZA foram determinados seis pontos e, em cada ponto coletaram-se três amostras em profundidades diferentes: 20-40 cm; 70-90cm; 100-120cm. Nas profundidades menores foram coletadas amostras por estarem acima do nível de sepultamento e as profundidades maiores por estarem abaixo das sepulturas. Na ZB foram coletadas em três pontos, no entanto, no terceiro ponto coletou- se amostras apenas na profundidade 20-40 cm devido à pequena espessura do solo. Esta situação ocorreu, também, nos dois pontos da ZC pois a presença de material rochoso aflorante impediu coletas nas outras profundidades. As amostras foram coletadas com um trado do tipo holandês, sempre higienizado após cada coleta. Posteriormente, as amostras foram levadas ao Laboratório de Geografia Física, onde foram secas a temperatura ambiente. Em seguida foram moídas, peneiradas em uma peneira com malha de 45μm (0,045 mm) e armazenadas em Eppendorfs de um grama. Em seguida, as mesmas foram depositadas em porta amostras coberta com uma película de Mylar (6 μm de espessura) e encaminhadas para análise de Fluorescência de Raios X no Laboratório de Física Aplicada a Solos e Ciências Ambientais. As análises foram realizadas utilizando a técnica de espectroscopia de Fluorescência de Raios X por Energia Dispersiva utilizando o instrumento modelo EDX-720 (Shimadzu) equipado com um tubo de Rh. A voltagem do equipamento varia de 5 a 50 kV e a corrente do tubo entre 1 e 1000 μA. O detector é um sistema de Si (Li) de semicondutor arrefecida com nitrogênio líquido a -196 ° C. O tempo de medição para cada amostra foi de 100 s sob vácuo, colimador de 10 mm e tempo morto do detector entre 39% e 40%. (PIRES, PRANDEL e SAAB, 2014). Posteriormente, foram realizados cartogramas que espacializaram, por meio de interpolação usando o método de krigagem, as concentrações em percentuais dos principais metais pesados encontrados no solo, no software Surfer 8. Utilizou-se a base cartográfica da carta topográfica de Castro (SG22–X–A–V– 4). Os resultados das análises foram discutidos utilizando a espacialização das concentrações dos elementos e o levantamento geoquímico dos solos, horizonte B, da instituição Minerais do Paraná (2005), estabelecendo referências da média de elementos encontrados nos solos paranaenses.
Resultado e discussão
Os solos onde está assentado o Cemitério Municipal de Carambeí são
denominados como uma associação de Cambissolos Húmico Alumínico com
Neossolos litólicos conforme é apresentado no Mapa de Solos do Estado do
Paraná (BHERING et. al 2007). Ao longo do tempo, foram realizadas várias
atividades como pastagem para o gado e agricultura e, desde a década de 1930
a área está sendo utilizada como cemitério.
Estas atividades podem ter alterado ao longo dos anos as propriedades
físico-químicas do solo através do pisoteio dos animais, aumento na
quantidade de matéria orgânica, revolvimento do solo preparando-o para o
plantio. Nos últimos anos, a degradação adveio da realização dos
sepultamentos, visto que os corpos são enterrados em profundidades maiores
de 70 cm. Além destas, a decomposição de roupas e de marca-passos e placa
metálicas, o uso de materiais para a construção de túmulos em alvenaria,
como cimento, cal e tijolos entre outros também podem ocasionar
transformações.
Os trabalhos de campo permitiram levantar várias situações preocupantes
relacionadas à manutenção de algumas sepulturas construídas em alvenaria,
mas em especial com as chamadas covas rasas que se encontram na ZB, onde a
maioria fica saturada no período de chuvas concentradas - o período chuvoso
corresponde aos meses de outubro a março. O forte calor verificado no verão,
com temperaturas alcançando entre 25-28ºC, favorece a evaporação e a
transpiração superficial do solo. Isto minimiza em parte a presença de água
no fundo das covas rasas. No inverno, mesmo sendo considerado período de
seca, a ocorrência de chuvas superiores aos 30 mm/dia representa risco a
salubridade do local.
A presença de água nesses túmulos pode dificultar o processo de decomposição
dos corpos, ocasionando a conservação deste, conhecido como saponificação.
Os resultados obtidos da Fluorêscência de Raios X demonstraram que os metais
Al; Si e Fe são os mais abundantes no solo do cemitério, respondendo por
mais de 90% da concentração, bastante comum em solos da Formação Furnas. Os
elementos Ba, Ti, S, Ca, V, Mg, Zr, Cr, Cu, Zn K, Ga, Br, Sr, Ni, P e Y
também foram detectados, mas devido as suas baixas concentrações serão
discutidos em outras oportunidades. Estes dados apresentam erros e desvios
que estão abaixo de 0,50 % o que não interfere nos resultados.
Sendo assim, apresenta-se os principais elementos componentes do solo, os
quais Al, Si e Fe.
1- Alumínio (figura 2)
• Na Zona A, em todos os pontos e em todas as profundidades, o
alumínio se manteve entre 37,465% e 45, 399%, ultrapassando em 5% o valor de
referência indicado pela Mineropar (2005) de 39,12%. No entanto, os
Cambissolos derivados da Formação Furnas apresentam alto teor de alumínio.
• Na Zona B, em todos os pontos e em todas as profundidades, o
alumínio está com uma concentração alta, entre 40,580% e 47,913%, sendo
estas maiores que o valor estabelecido pela Mineropar (2005). Estas altas
concentrações podem ser justificadas pela maior proximidade ao material de
origem.
• Na Zona C, os valores encontrados para o alumínio estão dentro da
média encontrada para os Cambissolos do Paraná.
As maiores concentrações de Al são encontradas nas profundidades
maiores, entre 100-120 cm, que demonstra um aumento da concentração à medida
que se aumenta a profundidade do solo. Estas áreas estão em altitudes mais
elevadas, com baixas declividades de até 3%, onde a pedogênese é mais
pronunciada.
2- Silício (figura 3)
Não foi encontrado um valor de referência para o elemento Si, apenas existe
para a forma SiO[2], conhecido como sílica, procedendo-se a análise para
esta substância.
• Na Zona A, os valores encontrados para esta substância estão entre
23,8% e 31,085% em todos os pontos e se mantém equilibrado entre as
profundidades estudadas. O valor de referência estabelecido pela Mineropar
(2005) de <43,88% indica que provavelmente a sílica está conforme a média
encontrada no Paraná.
• Na Zona B, os valores encontrados para esta substância estão entre
25,554% e 30,061% em todos os pontos e se mantém equilibrado entre as
profundidades estudadas. O valor de referência estabelecido pela Mineropar
(2005) de <43,88% indica que provavelmente a sílica está conforme a média
encontrada no Paraná.
• Na Zona C, encontrou-se os valores entre 28,463% e 32,225%, estes
estão dentro valor de referência estabelecido pela Mineropar (2005) de <
43,88% e indica que provavelmente a sílica está conforme a média encontrada
no Paraná.
O silício possui uma distribuição heterogênea aos longo das
profundidades e dos perfis amostrados. Na profundidade 20-40 cm dos perfis
os maiores teores estão na ZB e ZC, onde os perfis de solo são incipientes.
A medida que os perfis se aprofundam as concentrações de Si são mais
discrepantes, sem manter um padrão definido.
3- Ferro (figura 4)
Assim como no elemento Silício, o Ferro não possui valores de referência,
apenas os valores para Fe[2]O[3], reconhecido como o óxido III de ferro, o
mineral hematita.
• Na Zona A, a concentração do ferro variou entre 20,467% e 33,702%,
que demonstra uma variação considerável entre os pontos, sendo o de maior
valor o ponto 4. Considerando o padrão estabelecido pela Mineropar (2005) de
<15,05% todos os pontos estão acima. No entanto, pode-se justificar por duas
hipóteses: a primeira é o aumento de ferro derivado da contaminação pelos
materiais enterrados no cemitério, e a segunda é devido a uma estrutura
geológica (de origem basáltica) que acompanha o canal fluvial que nasce nas
imediações do cemitério.
• Na Zona B, a concentração do ferro variou entre 19,731% e 24,867%,
que demonstra uma variação considerável entre os pontos e, assim como na
Zona A, os valores estão acima do obtido pela Mineropar (2005).
• Na Zona C, a concentração do ferro variou entre 21,236% e 23,383%
que também demonstram uma variação acima do obtido pela Mineropar (2005).
As concentrações de Fe são mais altas, em todas as profundidades estudadas,
onde os perfis de solos são mais profundos e a pedogênese é mais
pronunciada.
Considerações Finais
Os cemitérios, bem como as práticas de sepultamento, podem ser atividades contaminantes do solo e das águas superficiais e subterrâneas devido ao vazamento de necrochorume das valas comuns e de construções tumulares, e ainda podem ser lócus de proliferação de animais peçonhentos e transmissores de doenças. Sendo assim, há que se ter um bom conhecimento das características físico-naturais dos lugares que se deseja instalar tal empreendimento, tendo como base a legislação que norteia toda a sua operacionalização. Os resultados obtidos pela análise de Fluorescência de Raios X mostraram que os elementos Al, Si e Fe são os mais abundantes no solo do cemitério, respondendo por mais de 90% da concentração destes, muito comum em solos da Formação Furnas. Os elementos estão em concentrações que ultrapassam as referências apresentadas pela Mineropar (2005), entretanto não é possível distinguir com exatidão qual a origem da presença destes elementos. Estas concentrações, em geral, são maiores nos solos mais espessos, que em combinação com a geomorfologia local, propiciam uma maior pedogênese e processos físico-químicos mais atuantes. Os solos predominantemente arenosos, possuem grande capacidade de permeabilidade, o que facilita a infiltração de água e a manutenção do terreno encharcado por longos períodos. Os fluxos de água permitem uma maior facilidade do necrochorume alcançar áreas mais longínquas aos limites do cemitério.
Agradecimentos
Agradecimentos ao professor André Mauricio Brinatti e a Luis Valério Prandel que contribuíram com as análises de Fluorescência de Raios X.
Referências
BHERING, S. B et al. Mapa de Solos do Estado do Paraná. 1a edição. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2007.
CARNEIRO, V. S. Impactos causados por necrochorume de cemitérios: Meio ambiente e saúde pública. Anais do XV Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas. Natal, RN. 2008
CONAMA. Resolução nº. 335, de 03 de abril de 2003. Licenciamento ambiental de cemitérios. Brasília, DF, 2003.
KEMERICH, P.D.C et al. Concentrações de metais em solo ocupado por cemitério- uso da técnica de espectrometria de fluorescência de raios- x por energia dispersiva- EDXRF. Revista Monografia Ambientais. V.14. n.1, p. 2875-2889. 2014.
MELO, M. S. et al. Carste em rochas não-carbonáticas: o exemplo dos arenitos da Formação Furnas, Campos Gerais do Paraná/Brasil e as implicações para a região. Espeleo-Tema. V.22, n.1. 2011.
MINEROPAR. Minerais do Paraná. Levantamento geoquímico multielementar do Estado do Paraná: Geoquímica de solo-Horizonte B. Relatório Final de Projeto. Volume 1. Curitiba: Mineropar. 2005.
PIRES, L. F; PRANDEL, L. V; SAAB, S. C. The effect of wetting and drying cycles on soil chemical composition and their impact on bulk density evaluation: An analisys by using XCOM data and gamma – ray computed tomography. Revista Geoderma. V.213. p. 512-520. 2014.
SILVA, R. W. C; MALAGUTTI FILHO, W. Emprego do Imageamento Elétrico no Estudo da Contaminação por Cemitérios. Geociências, v.29, n.3, p. 343-354. UNESP. São Paulo, 2010.