Autores
Sousa, A.S. (USP) ; Ross, J.L.S. (USP)
Resumo
O presente trabalho pretende abordar a importância de se aprofundar nos estudos geoquímicos visando se obter uma melhor compreensão dos processos de intemperismo químico e sua dinâmica influência no rebaixamento do relevo da região tropical. Este tema é de grande relevância e sua adequada compreensão é necessária para o avanço dos conhecimentos de geomorfologia da atualidade.
Palavras chaves
Geoquímica; Intemperismo Químico; Geomorfologia
Introdução
A paisagem é uma herança resultante da interação de processos fisiográficos e biológicos (AB’SÁBER, 2003). Essa interação molda a paisagem de maneira a criar formas diversificadas por toda superfície terrestre, cabendo a Geomorfologia interpretar e estudar o modelado. A Geomorfologia estuda as formas de relevo, e interpreta a sua gênese através da interação das forças endógenas e exógenas que agindo conjuntamente deixam suas marcas no relevo. Com o avanço da compreensão do relevo sistematizou-se uma série de interpretações para as formas existentes, baseadas em observações empíricas, sem a constatação de tais afirmações por dados laboratoriais. Nos estudos de interpretação geomorfológica, a princípio, atrelava-se maior relevância aos processos estruturais (DAVIS, 1899) onde se preconizava uma evolução do relevo a partir de um movimento tectônico inicial. Posteriormente passou a se considerar a importância das forças esculturais/climáticas em moldar as feições de relevo, compreendendo que a alternância entre climas secos e úmidos uma das condicionantes deste processo (AB’SÁBER, 1969). Muitas destas interpretações são hoje contestadas por não apresentarem dados palpáveis que as comprovem, tornando desta forma importante que se façam trabalhos de pesquisa onde se objetive gerar parâmetros para análise adequada da evolução do relevo. Um instrumento importante para que isso se concretize é a utilização de métodos de análise dos processos geoquímicos envolvidos nos processos de intemperismo químico, que resultam na evolução do modelado. Assim torna-se importante a concentração de esforços para a possibilidade de uma revisão da evolução do rebaixamento do relevo levando-se em conta os processos geoquímicos atuantes. A presente publicação visa discutir e apontar possíveis caminhos para que sejam efetuados estudos neste sentido, e se levante a questão da importância destes estudos na Geomorfologia brasileira.
Material e métodos
Para o desenvolvimento de trabalhos que visem a compreensão da importância dos processos geoquímicos na evolução do modelado é preciso, a princípio, que se faça um levantamento bibliográfico considerando os principais autores que abordaram o tema em questão. A partir da leitura destes autores é possível se levantar uma série de hipóteses baseadas em observações empíricas. Algumas destas observações não apresentam embasamento em parâmetros obtidos a partir da medição de variáveis do meio físico, necessitando desta forma serem validadas por tais procedimentos. Assim, como segundo passo é importante que seja feito um levantamento levando em conta os fatores do meio físico avaliados por outros ramos do conhecimento, como a Pedologia e a Engenharia Agronômica. É preciso observar os tipos de fatores comumente avaliados nos estudos destas áreas, com as variáveis analisadas e os índices gerados, bem como sua finalidade, procurando desta forma estabelecer comparativo dos resultados obtidos por estes estudos com as hipóteses levantadas em um primeiro momento, e as formas de adaptar o seu uso para a compreensão da evolução do modelado. Em uma terceira etapa é preciso efetuar pesquisa de trabalhos que já tenham procurado efetuar este tipo de correlação em estudos de caso específico. A gama de trabalhos deste gênero ainda é restrita, mas há casos de estudos que procuraram estabelecer correlação de parâmetros físicos e químicos de horizontes dos perfis de solos à evolução do modelado. Este tipo de procedimento é importante e necessário, pois a partir dele é que se pode chegar a novos entendimentos acerca da evolução do modelado. Assim seguindo estes três procedimentos é possível se estabelecer estudos de forma a se aprofundar o conhecimento sobre como os processos geoquímicos e as variáveis físicas e químicas envolvidas no intemperismo químico podem influenciar tanto na pedogênese quanto na consequente evolução do relevo.
Resultado e discussão
No ambiente tropical o intemperismo químico tem papel fundamental na
morfogênese. Suas reações são favorecidas pelo aumento de temperatura e
abundância de água e variam conforme o tipo mineralógico das rochas. Em
ambientes onde predominam temperaturas abaixo de 0ºC a ocorrência de
intemperização química das rochas é quase nula (BIGARELLA, 2007), desta
forma em ambientes tropicais esse tipo de processo é muito atuante e
significativo e possui relevante contribuição na gênese das feições de
relevo predominantes nas diversas regiões, bem como na evolução geral do
modelado.
Dentre os autores que abordam o tema, temos Vitte que em sua tese abordou a
etchplanação e a evolução dos estudos geoquímicos até então. Como um dos
primeiros autores a considerar a importância destes processos tem-se Wayland
(1933) que em seus estudos realizados em Uganda considerou que suas
peneplanícies seriam formadas pela alternância entre alterações geoquímica
das rochas e erosão superficial, com isso sua paisagem seria marcada por
planícies rochosas, resultado de um saprólito exumado, dando origem aos
inselbergs (VITTE, 1998).
Mas foi com Büdel (1982) que a teoria ganhou força. Para ele os
processos atuantes na superfície terrestre ocorrem simultaneamente em dois
fronts, causando o intemperismo do material.
O primeiro front estaria relacionado a área superficial, onde há a retirada
do material friável a medida que ocorre o escoamento de água
superficialmente, promovendo uma disjunção nas ligações ferro-argila.
O segundo front está relacionado a percolação da água por entre falhas e
poros que desencadeia uma série de processos químicos de alteração do
material litológico. Esse processo é mais lento que o primeiro, e ocorre de
maneira mais constante, levando-se em conta a questão temporal, enquanto que
o primeiro tende a ocorrer de maneira mais sazonal, considerando-se os
eventos de chuva, por exemplo. Assim para o autor o relevo é formado a
partir da interação entre a superfície e a subsuperfície, sendo a segunda
localizada no contato entre a rocha e a zona de alteração, caracterizada por
Berry & Ruxton (1957) como superfície basal de intemperismo (VITTE, 1998).
Millot (1983) ressalta a pedogênese como importante processo de rebaixamento
do relevo, defendendo que é entre a erosão superficial e o embasamento que
ocorrem os processos modeladores do relevo, através de processos de
lixiviação, dissolução e hidrólise.
Nesse sentido faz-se necessária uma melhor compreensão dos processos
geoquímicos envolvidos no intemperismo. Têm-se o intemperismo como sendo o
“conjunto de processos mecânicos, químicos e biológicos que ocasionam a
desintegração e decomposição das rochas” (GUERRA & GUERRA, 2009), ou seja, é
o conjunto de processos desagregadores das rochas.
As rochas ao se formarem ficam expostas a uma série de fenômenos e processos
que as desintegram e transformam os minerais primários em minerais
secundários. Isso ocorre pela combinação de uma série de fatores, como a
quebra das rochas devido a diferença de pressão e temperatura; por meio de
processos tectônicos; por meio da interação com os gases atmosféricos; pela
elevada temperatura; e através da constante ação da água, principal agente
do intemperismo químico.
A ação da água, juntamente com a interação dos gases atmosféricos
desencadeia uma série de alterações na composição mineralógica das rochas,
deixando os minerais estáveis às condições da superfície terrestre. Conforme
afirma Hypolito (2011) a água reage iniciando o ataque pelos minerais mais
instáveis, sendo que na cristalização magmática são os primeiros minerais a
se formar, como olivinas e plagioclásios cálcicos (Série de Bowen). (SOUSA,
2016)
Os minerais que compõem as rochas possuem partículas em equilíbrio e
distribuídas ordenadamente em arranjos cristalinos, menos quando estas se
encontram em superfícies expostas dos cristais, nas microfissuras, nas
imperfeições cristalinas e em regiões de superfícies quebradas. Ao entrar em
contato com a água, há uma atração de íons de cargas opostas que comprometem
este equilíbrio desencadeando assim o intemperismo químico. (Hypolito, 2011)
Os processos de intemperismo químico são ocasionados por diversas reações
químicas, como a dissolução, hidratação, óxido-redução e a hidrólise.(SOUSA,
2016)
Quando se trata de intemperismo químico, uma importância maior deve ser dada
aos materiais envolvidos no processo, sendo que são importantes tanto os
minerais primários quantos os secundários e as formas que estes reagem a
ação dos processos esculturais.
Discussões acerca de processos geoquímicos remetem ao clássico exemplo das
stone-lines, ou linhas de quartzo. Os aloctonistas consideram as stone-lines
como indicativos de paleopavimentos,tendo sua formação relacionada a
sedimentação em alternância de climas secos e úmido. Já os autoctonistas, em
estudos mais atuais levando em conta as questões geoquímicas entendem sua
gênese relacionada a processos geoquímicos, sendo as linhas de
quartzo um material residual de um processo de dissolução de materiais.
Há demais exemplos como Brisky (2009) que efetuou ensaios de parâmetros
geoquímicos no embasamento cristalino, bem como Sousa (2016) que procurou
por meio da comparação de parâmetros físicos e químicos de perfis de solos
presentes em rochas metamórficas e magmáticas identificar indicadores de
semelhanças e diferenças evolutivas.
Considerações Finais
o aprofundamento dos estudos dos processos de intemperismo químico e as variáveis físicas e químicas envolvidas são fundamentais para uma melhor compreensão da evolução pedogenética e consequentemente do modelado. Desta forma é importante que sejam elaborados estudos visando uma melhor compreensão dos fatores envolvidos na gênese e evolução pedológica visando compreender sua importância e relevância na atual compartimentação do relevo. Para isso é preciso que se efetuem trabalhos com coleta de amostras de perfis de solo em áreas de litologia distintas e mesmo padrão geomorfológico, de forma a possibilitar a comparação das semelhanças e diferenças existentes entre elas, podendo assim se identificar de maneira adequada a influência da litologia e da morfologia na evolução pedogenética e do modelado. Esse tipo de estudos permitirá estabelecer critérios físicos e químicos para as interpretações geomorfológicas, deixando assim de serem feitas apenas interpretações inferidas e permitindo à geomorfologia uma contribuição ainda mais significativa aos estudos de ciências da terra em geral.
Agradecimentos
Referências
AB’SÁBER, A.N. (2003) – Os Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. São Paulo. Ed. Ateliê Nacional.
BIGARELLA, J.J. (2007) – Estrutura e Origem das Paisagens Tropicais e Subtropicais. Volume 1, 2 e 3. Florianópolis. Editora da UFSC.
BRISKI, S.J. Ensaios Geoquímicos e geoambientais como subsídio à interpretação das unidades de relevo em litologia do embasamento cristalino. 2009. Tese de Doutorado. FFLCH, USP. São Paulo.
BÜDEL, J. (1982) – Climatic Geomorphology. Nova Jersey. Princeton University Press
CARVALHO, I.G. (1995) - Fundamentos da Geoquímica dos Processos Exógenos. Salvador. Bureau.
CASSETI, V. (2005) - Geomorfologia. [S.l.]: Disponível
em: <http://www.funape.org.br/geomorfologia/>. Acesso em: 2013/2014
DAVIS, W. M. (1899) - The Geographical Cycle. Geogr. Journ., London, v. 14, n. 5, p. 481-504.
MELFI, J. A. e PEDRO. G (1977). Estudo geoquímico dos solos e formações superficiais do Brasil. Parte 1 – tipos de evolução pedogeoquímica. Revista Bras. Geociências, (4), p. 271-286.
MILLOT, G. (1983) Planation of continents by intertropical weathering and pedogenetic processes. In: MELFI, A.J. e CARVALHO, A. de. (orgs.) Laterisation Processes. Proceedings II International Seminar on Laterisation Processes. São Paulo, Brasil. p. 53- 63.
OLLIER, C. (1969) Some features of granite weathering in Australia. Zeits Geomorph., vol. 3. p. 285-304.
SOUSA, A.S. (2016) Processos Geoquímicos e a esculturação do relevo: ensaios analíticos - Planalto do Paraitinga/Paraibuna - SP. Dissertação de Mestrado. DG/FFLCH/USP. São Paulo.
VITTE, A.C. (1998) – Etchplanação em Juquiá (SP) – Relações entre intemperismo químico e as mudanças climáticas no desenvolvimento das formas de relevo em margem cratônicas passiva. Tese de Doutorado. FFLCH, USP. São Paulo.
VITTE, A.C. (2005) – Etchplanação Dinâmica e Episódica nos Trópicos Quentes e Úmidas. In: Anais do XI Simpósio de Geografia Física Aplicada – Revista de Departamento de Geografia, nº16. FFLCH, USP. São Paulo. Pág. 105 a 118.