Autores

Lunguinho, R. (UFPB) ; Souza, J. (UFPB) ; Souza, B. (UFPB)

Resumo

A constituição cristalina e as formações geológicas originadas por processos ao longo de milhões de anos proporcionou o surgimento de relevos residuais do tipo inselbergs por todo o semiárido brasileiro, afloramentos rochosos que exercem papel fundamental, ainda que pouco conhecido, no desenvolvimento dos solos e da vegetação. Este trabalho foi desenvolvido na Bacia do rio Taperoá – PB, com o objetivo de identificar as relações existentes entre essas formas de relevo, a dinâmica hidrológica e as caatingas. Para tanto, foi identificado o índice topográfico de umidade (TWI) e o índice de vegetação IVDN de parte da região destacada. Os resultados indicaram uma correspondência direta entre os dois elementos, pondo em evidência a importância dos inselbergs como de grande relevância na dinâmica hídrica local, o que favorece a presença de importantes remanescentes de vegetação no seu entorno.

Palavras chaves

Geomorfologia; Inselberg; Caatinga

Introdução

Para responder a muitos questionamentos acerca das relações homem natureza, áreas inerentes à Geografia expuseram seus pontos de vista, sendo a geomorfologia uma delas. Guerra (1994) expõe que a geomorfologia não se restringe a reconhecer apenas os tipos de relevo e os processos a eles relacionados, mas procurar buscar respostas que possam explicar como os processos se articulam e como evoluem os grandes conjuntos de relevo e seu significado no contexto ambiental. Na preocupação em discutir a importância do elemento topográfico na geomorfologia, Birkeland (1984) destaca a sua influência na orientação da pedogênese e na distribuição da vegetação, destacando que o fator biótico na pedogênese se torna difícil de avaliar devido à dependência da cobertura vegetal e dos solos em relação ao clima. Iturbe & Porporato (2004), por sua vez, destacam que o relevo é um fator fundamental no controle ecossistêmico, proporcionando o estabelecimento de paisagens diferenciadas, e consequentemente seus elementos (vegetação, solo e água) apresentam características e comportamentos distintos nos diversos compartimentos existentes. Quando direcionamos os estudos de geomorfologia aos ambientes áridos a compreensão do papel da topografia se torna fundamental. Thomas (1989) destaca que a geomorfologia em ambientes áridos sofre grande influência atmosférica tendo como ambiente modificador o vento que ajuda a provocar a baixa precipitação e alta evapotranspiração, ocorrendo impacto importante na vegetação e nos solos, destacando os efeitos topográficos como de sombras pluviais como um fator de elevada importância na distribuição espacial das chuvas. Ab’Saber apud Cunha & Guerra (2012) coloca que no contexto brasileiro a geomorfologia é caracterizada tendo por base o conhecimento da posição e significado das superfícies aplainadas – de cimeira interplanálticas e intermontanas (pediplanos, ectaplanos) -, terraços escalonados, e o posicionamento e gênese de diferentes gerações de “pães de açúcar” e inselbergs, além dos depósitos correlativos de distribuição ampla ou localizada. Os inselbergs, por sua vez, são modelos de macrodomos cristalinos dentro do conjunto do território brasileiro sujeitos a evolução topográfica, geomorfológica e ecológica diferenciadas, sendo constituições cristalinas predominantes no semiárido nordestino (CIRILO et al., 2007). Bigarella et. al. (1994) colocam que essas formas de relevo constituem-se em uma colina de vertentes íngremes, elevando-se abruptamente em terrenos planos. Em sua origem, deve-se considerar que a evolução de uma região no decorrer do tempo geológico sofre o impacto de grandes mudanças climáticas, responsáveis pela vigência alternante de processos morfoclimáticos completamente distintos entre si. Além disso, os diversos estudos acerca dos inselbergs vêm a indicar a sua ocorrência em zonas tectonicamente estáveis como Austrália, América do Sul e Alguns locais da África (FRAHM, 1996; BOURNE & TWIDALE, 2002; NETO & SILVA, 2012). Assim, os inselbergs são considerados por vários autores como de origem estrutural, enquanto os pedimentos (formas associadas) estariam ligados à origem climática (BIGARELLA et. al., 1994). A importância dessa áreas, quanto a preservação de umidade e a influência direta sobre a vegetação, apesar de ainda pouco conhecida, é destacada por Porembsky (2000) e Sarthou (2007), onde os mesmos destacam algumas espécies de plantas de importância botânica com estratégias adaptativas a esses ambientes. Em função do exposto, o objetivo deste trabalho é destacar as áreas de inselbergs como zonas acumuladoras de umidade, de fundamental relevância no semiárido brasileiro, o que proporciona a presença de importantes remanescentes vegetais na caatinga, tendo como área de estudo parte da Bacia Hidrográfica do Taperoá, na região do Cariri Paraibano.

Material e métodos

A área de estudo está localizada na bacia do rio Taperoá (Figura 1) que compreende uma área de 5.673 Km2, localizada no Cariri paraibano, com predominância de clima semiárido, vegetação de caatinga e rios intermitentes. A pluviosidade gira em torno de 500 mm, com chuvas concentradas de fevereiro á maio. As zonas de inselbergs da região se caracterizam por rochas graníticas com vegetação conservada no seu entorno, apresentando nessas áreas porte arbóreo e elevada densidade, ao passo que, quanto maior o distanciamento dessas formas de relevo, temos o domínio de uma vegetação de porte predominantemente arbustivo e menor adensamento. A área denominada Plutão Bravo corresponde a uma cadeia de inselbergs formados nos últimos quinhentos milhões de anos passando por inúmeras mudanças provocadas por processos geológicos e ações intempéricas com o controle estrutural exercido por zonas de cisalhamento em suas bordas, provocando a imersão de rochas expostas (LAGES et al., 2013). O Lajedo Salambaia é um dos inselbergs existentes nessa área, com extensão de cerca de 2 Km. - Materiais Para a representação do relevo e geração do índice topográfico de umidade (TWI), foi utilizada uma imagem de radar do sensor Advanced Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer Global Elevation Model (ASTER/GDEM) disponibilizado pela National Aeronautics and Space Administration (NASA), com resolução espacial de trinta metros. Para a identificação do índice de vegetação, utilizou-se uma imagem do satélite Landsat 8, sensor OLI, do dia 14/11/2015 de mesma resolução. - Métodos Através da imagem de radar do sensor ASTER, gerou-se por software de Sistema de Informação Geográfica (SIG) os parâmetros hidrológicos (fluxo acumulado e direção de fluxo) e declividade, para obtenção do índice topográfico de umidade (TWI), via relação do fluxo acumulado e a declividade, executado pela fórmula: ln ((A+1)/tanB), onde: A = Fluxo Acumulado e B = Declividade (CARSON & KIRKBY, 1972). Para identificar a resposta da umidade à vegetação, obteve-se o Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (IVDN), gerado por software de SIG. Para gerar o IVDN da imagem do satélite Landsat 8, foram utilizadas as bandas 4 (Vermelho) e banda 5 (Infra Vermelho) através da formula: (IVP – V)/(IVP + V), onde: IVP = Infra Vermelho Próximo e V = Vermelho. Com o fim de identificar a importância hidrológica das áreas de inselbergs, foram traçados perfis que apresentaram a dinâmica da umidade e da vegetação ao longo do relevo. O primeiro perfil representou uma área significativa de inselbergs conhecida como Plutão Bravo (LAGES et al., 2014), enquanto o segundo, em uma escala ampliada representou uma área menor, denominada Lajedo Salambaia (Figura 1).

Resultado e discussão

A Figura 2 compreende a área da Bacia do Rio Taperoá e em destaque as duas áreas selecionadas (Plutão Bravo e Lajedo Salambaia). A Bacia do Rio Taperoá apresentou um TWI médio de 3.915, o que corresponde a uma baixa umidade, enquanto a área do Plutão Bravo, destacado no item A da Figura 2, apresentou um TWI médio de 3.808, portanto próximo ao TWI que foi identificado na Bacia do Rio Taperoá. A área que compreende o Lajedo Salambaia (Figura 2 – B), por sua vez, apresentou um TWI médio de 4.628, superior as áreas anteriores. Dessa forma, esse último valor encontrado está diretamente relacionado a influência local dos afloramentos rochosos sobre a dinâmica hídrica, proporcionando maior umidade. O perfil A da Figura 2 (Plutão Bravo) apresenta uma oscilação nos valores de TWI justificado pela característica do relevo local. Nesse caso, no inicio do perfil temos altos valores de TWI alcançando picos de 6 a 14, que se justifica pela proximidade de áreas de afloramentos rochosos, destacado pela queda da linha do gráfico do perfil, em sua sequência, revelando o poder de escoamento das áreas rochosas para o seu entorno. Esses afloramentos apresentam declividades mais acentuadas em torno de 18 a 39 graus, favorecendo o escoamento superficial. Ao longo do perfil isso se repete, ou seja, os menores valores de umidade correspondem às áreas onde estão situados os topos dos afloramentos, enquanto que os maiores valores correspondem às áreas de seu entorno. Atestando tal afirmativa, observa-se o perfil B da Figura 2 (Lajedo da Salambaia), onde sua parte superior apresenta baixo valor de TWI, variando de 1,996 a 3,391, enquanto o seu entorno apresenta altos valores, variando de 4 a 9. Para analisar a vegetação, utilizou-se o Índice De Vegetação por Diferença Normalizada (IVDN). A Bacia do Rio Taperoá apresentou um IVDN médio de 0.157, o que caracteriza uma predominância de baixa biomassa. A área do Plutão Bravo destacado do item A da Figura 3, apresentou um IVDN médio 0.167 enquanto que a área do Lajedo Salambaia (Figura 3 – B) apresenta um IVDN de 0.181. Esses números, apesar de próximos, indicam o domínio de maiores valores de biomassa na área que compreende o afloramento rochoso (Lajedo Salambaia). O perfil A (Plutão Bravo) da Figura 3 apresenta oscilações de biomassa apresentando maiores valores entre 0,17 a 0,24 no inicio e final do traçado, enquanto que os menores valores de IVDN variam de 0 a 0,14 na área mais central. O perfil B da mesma figura, o qual destaca o Lajedo Salambaia, por sua vez, indica que os maiores valores de biomassa estão localizados no seu entorno, enquanto os menores valores estão localizados no topo do afloramento. Juntando os dois elementos analisados, temos a figura 4, onde notamos uma forte sintonia entre os padrões de TWI e IVDN na área estudada, o que é proporcionado pelas características topográficas aí existentes, onde as zonas dos topos dos afloramentos rochosos, como áreas de exportação de sedimentos e água, propiciam o domínio de pouca cobertura vegetal, ao passo que esses elementos estarão muito mais presentes na área de entorno dessa forma de relevo, onde ocorre a acumulação dos elementos citados. Tal observação pode ser melhor visualizada nos perfis da figura 4, no início, centro e final, indicando que nas áreas de maior umidade há uma correspondência direta da biomassa. Para atestar tal afirmativa em um contexto mais detalhado, evidencia-se a área do Lajedo Salambaia (Figura 4), onde é possível observar altos índices de IVDN e TWI em seu entorno. Tal quadro nos mostra o alto poder de escoamento do afloramento, proporcionando assim uma manutenção de água em sua base à qual favoreceu a presença de elevada riqueza de vegetação. As ocorrências de baixo TWI e IVDN em algumas áreas nas zonas de entorno do afloramento, por sua vez, estão diretamente relacionadas a algumas ações antrópicas que resultaram na retirada da vegetação, observadas em campo, acarretando menor presença de biomassa (IVDN), com influência direta na capacidade dos solos absorverem a água escoada e responderem a umidade (TWI).

Figura 1: Áreas de Estudo - A: Plutão Bravo; B - Lajedo Salambaia

Representação das áreas de estudo onde encontram-se a Bacia do Rio Taperoá, Plutão Bravo e Lajedo Salambaia.

Figura 2: Perfis de Distribuição de Umidade: A - Plutão Bravo; B - Laj

Distribuição dos índices de umidade via TWI nas respectivas áreas de estudo.

Figura 3: Distribuição de biomassa: A - Plutão Bravo; B - Lajedo Salam

Distribuição de biomassa via IVDN das áreas de estudo.

Figura 4: Analise Comparativa Umidade e Biomassa: A - Perfil TWI Plutã

Analise comparativa de umidade e biomassa afim de identificar a influência do relevo

Considerações Finais

Através dos resultados apresentados foi observado que os inselbergs exercem uma influência direta na existência de áreas mais úmidas na caatinga, o que proporciona, quando em situação de preservação, um ambiente do tipo florestal no entorno dos afloramentos rochosos aí ocorrentes, possivelmente também distinto quanto as espécies em relação à vegetação localizada a distância maior dessas formas de relevo, com características mais xéricas. Sendo assim, mesmo em situação de baixa pluviosidade, durante as chuvas, a água é escoada de parte do inselberg, alocando-se em sua base, favorece a presença e manutenção dessa vegetação e solos mais ricos em matéria orgânica. Dessa forma, tais formas de relevo são responsáveis diretos pela criação de ambientes com um microclima diferenciado e de grande importância no contexto regional. Quanto as técnicas de análise aplicadas nesse trabalho, evidenciou-se que o uso do TWI em conjunto com o IVDN apresentaram-se como importantes ferramentas de análise das condições hidrológicas e ecológicas. Acrescenta-se que, em outros trabalhos, ao serem adicionadas informações referentes as características pedológicas, poderemos obter resultados ainda mais relevantes quanto as relações solo, planta e água na caatinga, ainda pouco conhecidas, o que poderá contribuir decisivamente para a gestão sustentável dessas terras no Brasil.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro do Ministério do Meio Ambiente/Fundo Nacional sobre Mudança do Clima ao projeto 02/2014 “Desenvolvimento de capacidades técnicas e institucionais de parceiros locais em bacias hidrográficas para o desenvolvimento de estratégias para a conservação de ambientes naturais: Conhecendo as relações biofísicas e antrópicas para subsidiar uma convivência sustentável no Alto Curso do rio Paraíba – PB” e UFPB, GESA e GEAFS que permitiu a realização deste trabalho.

Referências

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