Autores

Coelho, R.D. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Gomes, M.C.V. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Dias, V.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Dias, H.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Martins, T.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Vieira, B.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)

Resumo

O principal objetivo deste artigo é a caracterização granulométrica dos perfis de alteração em áreas suscetíveis a escorregamentos rasos na bacia do Rio Guaxinduba, Caraguatatuba (SP). Em 1967, esta bacia foi fortemente atingida por eventos pluviométricos de grande magnitude, que levaram à ocorrência de muitos escorregamentos. Foram realizadas sondagens em 3 pontos de diferentes níveis topográficos (alta, média e baixa encosta). Os resultados mostraram que os setores de média e baixa encosta possuem condições mais favoráveis à desestabilização.

Palavras chaves

Granulometria ; Escorregamentos rasos; Serra do Mar

Introdução

No último século grandes eventos catastróficos ligados a escorregamentos foram registrados nas áreas escarpadas da Serra do Mar, com destaque para os eventos ocorridos em 1967 em Caraguatatuba (SP) e na Serra das Araras (RJ), em 1985 em Cubatão (SP) e em 2011 na região serrana do Rio de Janeiro. Embora estes eventos tenham causado enormes danos e prejuízos à sociedade, suas causas são atribuídas principalmente às características naturais deste compartimento geológico-geomorfológico, como os altos ângulos das encostas, os solos com baixa resistência ao cisalhamento e os elevados índices pluviométricos, características que conferem à Serra do Mar uma alta suscetibilidade aos movimentos de massa, sobretudo os escorregamentos rasos. Dentre estes eventos, o ocorrido no fim do verão de 1967 em Caraguatatuba (SP) se destaca pelos índices pluviométricos muito elevados (em torno de 600mm/48h) e pelo volume mobilizado, estimado em aproximadamente 16.000.000 de toneladas (FÚLFARO et al., 1976). De acordo com Cruz (1974), os escorregamentos deflagrados em 1967, em Caraguatatuba, tiveram seu plano de ruptura no contato entre o solo bem desenvolvido (residual maduro) e o material saprolítico (residual jovem) abaixo. Em outros locais tal ruptura se deu entre este solo bem desenvolvido e um material mais heterogêneo abaixo, mostrando a presença de blocos de diferentes diâmetros envolvidos por uma matriz mais fina (CRUZ, 1974). Provavelmente, tal processo está associado aos materiais que contêm mais areia e menos argila e atingem rapidamente o limite de liquidez, depende da plasticidade das argilas (SHOAEI; SIDLE, 2009). Assim, a identificação da influência efetiva das propriedades físicas dos materiais, tais como granulometria, estrutura, porosidade, na ocorrência dos escorregamentos rasos são essenciais para compreensão da dinâmica hidrológica da encosta, sobretudo durante eventos pluviométricos intensos e responsáveis pela deflagração. Deste modo, o presente artigo teve como objetivo caracterizar a granulometria de perfis de alteração em diferentes condições topográficas na Serra do Mar (SP) e avaliar sua relação com os escorregamentos rasos.

Material e métodos

Para a realização deste artigo foi selecionada a bacia experimental do rio Guaxinduba no município de Caraguatatuba, localizado no Litoral Norte do Estado de São Paulo. Esta bacia de drenagem foi uma das áreas mais atingidas por escorregamentos rasos no evento generalizado de março de 1967. A bacia em questão possui uma área aproximada de 24km², com um rio principal de 13,5km de extensão. A referida bacia foi selecionada devido à sua representatividade das características fisiográficas da paisagem da Serra do Mar, como: (i) a presença de encostas íngremes (acima de 20°); (ii) predomínio de complexos ígneos-metamórficos constituídos de granitoides, gnaisses facoidal, leptito, dentre outros (Almeida, 1964); (iii) notável controle estrutural no relevo e na rede de drenagem (Cruz, 1974); (iv) elevados índices pluviométricos e; (iv) presença da mata atlântica de encosta e de altitude. Também foi considerada a existência de acesso às encostas e de cicatrizes de escorregamentos. Um dos critérios adotados para a definição dos pontos para coletadas amostras foram os diferentes setores das encostas, ou seja, alta, média e baixa encosta, associados aos escorregamentos rasos. Desta forma, foram selecionados 3 pontos (P1, P2 e P3). Em cada ponto foram realizadas sondagens a trado e coletadas amostras deformadas nas profundidades: 0,3m; 0,6m; 0,90m; 1,20m; 1,50m; 1,80m; 2,1m; 2,40m; 2,70m e 3,00m. O perfil 1 (P1) localiza-se próximo ao divisor da bacia do Guaxinduba com a bacia do rio Massaguaçu. É constituído de um solo residual com ângulos mais suaves e sem evidência de escorregamentos. O P2, por sua vez, localiza-se em um setor de meia encosta, próximo a uma cicatriz de escorregamento ocorrido em 1967. Já o P3, localiza-se no terço inferior da encosta, tratando-se de um solo coluvial em um segmento retilíneo da encosta, com ângulos entre 30° e 40°. No total, foram coletadas 20 amostras para os ensaios granulométricos. Os resultados foram analisados considerando-se as condições topográficas em que se encontram (posição e ângulo da encosta), buscando identificar sua relação com escorregamentos rasos.

Resultado e discussão

Os três perfis de alteração apresentaram predominantemente matriz franco- arenosa (Figura 1), ainda que algumas profundidades amostradas sejam constituídas de um teor expressivo de argila, considerando-se suas condições topográficas. Todos os perfis são constituídos de altos teores de areia (média de 56%), observando-se a tendência de aumento com a profundidade. As frações silte e argila variaram entre 3 e 61% e 0 e 45%, respectivamente. Enquanto não houve um padrão de distribuição do silte ao longo dos perfis, o teor de argila diminuiu expressivamente. O P1, localizado no terço superior da encosta, não apresentou uma grande variação granulométrica, tendo matriz franco-arenosa até 1,20m e, a partir desta profundidade, matriz areia franca. O teor de argila teve variação pouco expressiva com a profundidade (19,6% aos 0,3m e 10,6% aos 3,0m), enquanto o silte uma redução significativa (de 28,5% aos 0,6m para 3,5% aos 3,0m). Já o teor de areia aumentou progressivamente em profundidade (57,1% aos 0,3m, 74,4% aos 1,5m e 85,8% aos 3,0m). O Perfil 2 (P2) apresentou maior variação granulométrica, sendo constituído de uma matriz argilosa mais próximo à superfície (cerca de 40% de argila até 1,2m), franca-argilosa próxima aos 1,5m, franca aos 1,8m e franco-siltosa a partir dos 1,8m. O teor de areia pouco variou em profundidade, (de 31 a 38% entre 0,6 e 2,4m), tendo havido um aumento abrupto em 2,7m (66,7%). O teor de argila, por sua vez, diminuiu progressivamente até os 1,8m, apresentando valores insignificantes a partir desta profundidade, enquanto o silte aumentou progressivamente: 19,4% (0,30m), 38,3% (1,50m) e 61,6% (3,0m). O Perfil 3 (P3), que se distingue dos demais por ser um solo coluvial, não se diferenciou em relação à distribuição granulométrica. Apresentou predominantemente matriz franco-argilosa até 0,6m, franco-arenosa entre 0,6 e 2,75m e, a partir desta profundidade, areia franca, o que evidencia o aumento da fração areia com a profundidade (Vieira et al., 2015). De acordo com as autoras, foram identificados blocos centimétricos a decimétricos imersos na matriz arenosa em toda a espessura ocupada pelo solo coluvial. A característica comum a todos os perfis de alteração P1, P2 e P3 – o aumento do teor de areia com a profundidade – confirma o que alguns autores já discutem desde a década de 1980 a partir dos primeiros levantamentos in situ realizados na Serra do Mar (DE PLOEY; CRUZ, 1979; WOLLE; HACHICH, 1989). Além do aumento do percentual de areia, a existência de um saprolito e da rocha alterada, ambos muito fraturados, permitem que a frente de umedecimento avance justificando as altas taxas de infiltração durante eventos pluviométricos, como observados por Furian (1987). Além disso, foram também verificados em alguns trabalhos que há elevados percentuais da precipitação anual que alcançam o fluxo basal (59%) (Fujieda et al., 1997) e a existência de descontinuidades hidráulicas ao longo dos perfis, ainda que haja tendência de aumento da condutividade hidráulica saturada com a profundidade (Vieira et al., 2015). No que se refere à granulometria e às classes texturais verificadas no Perfil Divisor P1, verificou-se que, mesmo em situações de chuvas intensas, a frente de infiltração poderia não encontrar obstáculos em seu avanço vertical, uma vez que a granulometria progressivamente se torna mais grosseira, sem a presença de descontinuidades mecânicas abruptas. Por outro lado, o Perfil de Meia Encosta (P2), embora também apresente um aumento gradual das frações areia e silte, ou seja, redução da argila com a profundidade, é constituído de uma grande quantidade de argila até 1,50m (30%, aproximadamente). Ainda que as argilas da Serra do Mar possuam, em sua maioria, atividade baixa ou inatividade (Furian et al., 1999; Vieira et al., 2015), este alto teor encontrado em uma espessura expressiva do perfil pode impedir o fluxo vertical da frente de infiltração. Consequentemente, pode haver o aumento do grau de saturação e o desenvolvimento de fluxos laterais na encosta. Soma-se a isso as características topográficas em que esse perfil se encontra, associado ao elevando ângulo da encosta (acima dos 30°), contribuindo para o aumento das forças solicitantes na encosta. O perfil de alteração localizado na baixa encosta (P3), assim como os demais, apresentou aumento progressivo do teor de areia. No entanto, de acordo com Vieira et al. (2015), mesmo com esse aumento e predomínio da fração areia (até 83%), a condutividade hidráulica saturada dos solos (Ksat) sofreu uma redução de, aproximadamente, 100 vezes (10-4m/s para 10-6m/s) entre 2,5 e 2,75m. A redução da Ksat em horizontes mais arenosos (neste caso, saprolítico) interfere significativamente na precária estabilidade das encostas da Serra do Mar, uma vez que, com o aumento do grau de saturação nesses horizontes, o limite de liquidez é rapidamente atingido durante os episódios de chuva intensas e prolongadas (Collins; Znidarcic, 1997). Embora os perfis não correspondam a segmentos de uma mesma encosta, dada sua representatividade das condições topográficas, foi possível afirmar que, no que diz respeito às características granulométricas dos perfis, os setores de média e baixa encostas apresentaram condições mais favoráveis à instabilidade o. Nesse sentido, Furian et al. (1999) ao analisarem a mineralogia dos solos em condições semelhantes na Serra do Mar, afirmaram que as áreas mais suscetíveis a escorregamentos são os terços inferiores das encostas, sendo que movimentações posteriores, porém menores, podem ocorrer em setores superiores para que haja um reajuste da topografia.


Figura 1. Percentuais de argila, areia e silte das amostragens dos pontos P1, P2 e P3.

Considerações Finais

Considerando-se que o objetivo deste trabalho foi caracterizar a granulometria dos perfis de alteração da Serra do Mar e sua influência nos escorregamentos rasos, acredita-se que os resultados apresentados mostraram como a dinâmica hidrológica das encostas da Serra do Mar é dependente direta desta propriedade física dos solos. Nesse sentido, a variação da granulometria nos perfis corroborou alguns trabalhos que avaliaram a relação entre propriedades físicas e hidrológicas dos solos da Serra do Mar. Além da distribuição granulométrica ao longo do perfil, destaca-se a espessura destes solos, os quais, embora se desenvolvam em condições de morfogênese acentuada, podem atingir até uma dezena de metros. Este trabalho também pretendeu colaborar para a maior disponibilidade de dados pedológicos coletados in situ na Serra do Mar, visando incrementar a base de dados locais para utilização em modelos de previsão de áreas suscetíveis a escorregamentos rasos. Espera-se também contribuir para a definição de áreas para monitoramento hidrológico em tempo real de áreas de elevada instabilidade na Serra do Mar.

Agradecimentos

Referências

ALMEIDA, F.F.M. (1964) Fundamentos geológicos do relevo paulista. In: Geologia do Estado de São Paulo, São Paulo – IG/USP: 56-62.

COLLINS, B.; ZNIDARCIC, D. (1997) Triggering Mechanisms of Rainfall Induced Debris Flows. In 2a Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas/2nd Pan-American Symposium on Landslides, Rio de Janeiro: 277-286.

CRUZ, O. (1974). A Serra do Mar e o Litoral na Área de Caraguatatuba – SP. Contribuição à Geomorfologia Litorânea Tropical. Tese de Doutorado. IG – Série Teses e Monografias nº 11, 181p.

DE PLOEY, Y. e O, CRUZ. (1979). Landslides in the Serra do Mar, Brazil. Catena 6: 111 -122p.

FUJIEDA, M.; KUDOH, T.; DE CICCO, V.; CARVALHO, J.L. (1997) Hydrological processes at two subtropical forest catchments: the Serra do Mar, São Paulo, Brazil. Journal of Hydrology 196: 26-46.

FÚLFARO, V. J.; PONÇANO, W. L.; BISTRICHI, C. A.; STEIN, D. P. (1976). Escorregamentos de Caraguatatuba: expressão atual, e registro na coluna sedimentar da planície costeira adjacente. In: CBGE, 3, Rio de Janeiro: 341-350.

FURIAN, S. (1987) Estudo Geomorfológico do escoamento superficial pluvial em parcelas experimentais no parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Cunha, SP: Um esboço metodológico. Mestrado em Geografia, FFLCH-USP, São Paulo, 187pp.

FURIAN, S.; BARBIÉRO, L.; BOULET, R. (1999) Organization of the soil mantle in tropical southeastern Brazil (Serra do Mar) in relation to landslides processes. Revista CATENA, Amsterdam, v. 1, n. 38, p. 65-83.

SHOAEI, G. & SIDLE, R. C. (2009) Variation in soil characteristics and hydrologic properties associated with historic land use near a recent landslide, Nagano Prefecture, Japan. Geoderma, 153, p.37-51. Doi: Doi:10.1016/j.geoderma.2009.07.012.

VIEIRA, B.C.; FERREIRA, F.S.; GOMES, M.C.V. (2015) Propriedades físicas e hidrológicas dos solos e os escorregamentos rasos na Serra do Mar paulista. Ra’ e Ga 34, 269-287.Doi: http://dx.doi.org/10.5380/raega.v34i0.40739.

WOLLE, C. M.; HACHICH, W. (1989). Rain-induced landslides in southeastern Brasil. Proceedings of 12th International Conference Soil Mechanics and Foundation Engineering. Rio de Janeiro, v.3: 1639-1642.