Autores
Boni, P.V. (UFMS) ; Gradella, F.S. (UFMS) ; Braz, A.M. (UFMS)
Resumo
O Pantanal está localizado no interior da Bacia do Alto Paraguai. A planície pantaneira é uma bacia sedimentar, deprimida e plana caracterizada por sofrer inundações anuais. Dentre as várias regiões do Pantanal, tem-se a Nhecolândia, área onde foi realizado o presente trabalho e que é caracterizado pela existência de lagoas, sendo que algumas são salinas. O objetivo desse estudo foi realizar análise pedoestratigrafica de forma comparativa entre duas áreas da porção leste da Nhecolândia. Realizou-se trabalho de campo para coleta de amostras com trado do tipo holandês, fazendo assim a descrição da cor com auxílio da tabela de Munsell, a espessura do material e a umidade. Após, procedeu a análise granulométrica e, em gabinete, analisou-se os resultados obtidos com a elaboração de gráficos e perfis esquemáticos. Como resultado, foi possível verificar que as duas áreas apesar de diferença nas características do relevo possuem características granulométricas semelhantes ao longo do perfil.
Palavras chaves
Geomorfologia; análise granulométrica; sedimentação
Introdução
A planície pantaneira brasileira ocupa área de aproximadamente 138.183km² nos estados de Mato Grosso (48.865km²) e Mato Grosso do Sul (89.318km²) (Silva e Abdon, 1998). É uma depressão localizada no interior da Bacia do Alto Paraguai (BAP), drenada pelo seu rio principal, o Paraguai com aproximadamente 1.683 km de extensão no território nacional brasileiro. A compartimentação geomorfológica da BAP realizada por Franco e Pinheiro (1982) define os limites do Pantanal como uma extensa superfície de topografia bastante plana com áreas que frequentemente estão sujeitas a inundações, cuja rede de drenagem é comandada pelo rio Paraguai. O Pantanal é também uma bacia sedimentar, plana e deprimida assim recebe sedimentos anualmente dos tributários do rio Paraguai, que cruzam os planaltos transportando sedimentos em sua maioria arenosos das formações da Bacia do Paraná, como por exemplo, os rios Taquari, São Lourenço, Cuiabá, Itiquira, Jauru, dentre outros. De acordo com Ussami et al. (1999 apud Assine e Soares, 2004) a formação da Bacia do Pantanal é derivada da reativação tectônica Andina a aproximadamente 2.5 Ma. Acredita-se que em alguns pontos da bacia os sedimentos acumulados podem chegar a 500 m de profundidade, cuja sedimentação foi iniciada no Plioceno. Em decorrência dessa sedimentação ativa, a morfologia do relevo está em constante mudança no Pantanal, fazendo-se necessários estudos de cunho geomorfológicos, de forma a entender a dinâmica construção das formas de relevo. Há ainda a peculiaridade da região, a qual passa por alagamentos anuais, sejam elas por inundação de rios ou pela elevação do lençol freático ao longo das planícies. De forma sistemática por corroboração no desenvolvimento de trabalhos em grupo de pesquisa, estão sendo realizados estudos de cunho geomorfológico, de dinâmicas de inundação, variações microclimáticas, fitogeografia e paleogeografia. Esses trabalhos têm avançado no entendimento do Pantanal, e em particular para a área conhecida como Nhecolândia. A região da Nhecolândia é a porção sul do leque fluvial do Taquari, enquanto que na porção norte está a região do Paiaguás. Essa divisão é dada pelo rio Taquari que flui no sentido principal de leste para oeste. Esse leque foi descrito por Braun, (1977), com área aproximada de 50.000 km² e comprimento de 250 km. A morfologia da região da Nhecolândia tem sido descrita apresentando alguns elementos como as baías que são constituídas por áreas deprimidas com água podendo ser salobra com forma circulares ou irregulares, as cordilheiras são pequenas elevações, situadas entre duas baías, com 2 m acima do espelho d’água da mesma, dificilmente são alagadas, as vazantes são as depressões situadas entre a as cordilheiras (Franco e Pinheiro 1982). A Nhecolândia possui uma grande extensão com modelagem de relevo diferenciada, trazendo assim diversas teorias sobre a formação do relevo da área que contém lagoas. Almeida (1945) apresenta uma das primeiras teorias da formação, dizendo que ocorreu retrabalhamento eólico na região das lagoas, visto através de vestígios das características granulométricas. Já para Wilhelmy (1958 apud Ab’Saber, 1988) as lagoas de água salobra são resultado dos cursos meandrantes que cortavam-se, impossibilitando o acesso de águas superficiais até as lagoas, devido os diques marginais que “fechavam” as lagoas. Corroborando com a teoria do retrabalhandomento eólico, Tricart (1982) também atribui essa modelagem através de energia eólica, principalmente na parte distal do leque, por conter sedimentos mais finos que facilitavam o retrabalhamento eólico. Desse modo Soares et al. (2003) confirmou a hipótese com análises das características granulométricas e morfoscópicas, os quais tiveram como resultado material fino e bem selecionado. Diante do exposto, o presente trabalho objetiva ampliar o conhecimento das características granulométricas das geoformas da porção leste do Pantanal da Nhecolândia através das características pedoestratigraficas.
Material e métodos
O presente estudo foi realizado na região da Nhecolândia onde ao sul encontra as “salinas”, sendo característica principal da região, estão sempre em nível topográfico inferior ao seu entorno (“cordilheiras”, “baías”, “vazantes”), (Sakamoto et al., 1996). De acordo com Gradella (2012) essas características muitas vezes não são nítidas por possuir uma variação altimétrica muito sútil possuindo ainda a cobertura vegetal densa em diversas áreas. Foram selecionadas duas áreas (A1 e A2), que não possui salinas, estão ao leste da Nhecolândia. A A1 apresentava-se desmatada, que ocorreu no ano de 2005, onde anteriormente existia um cordão de vegetação que se estendia no sentido NE-SW, com suave diferença topográfica com pequenas elevações. Já a amostragem A2 foi realizada entre duas áreas com vegetação, com pouca vegetação e solo exposto. As duas áreas estão distantes aproximadamente 9 km em linha reta. Nessas duas áreas foram realizadas coletas de amostras utilizando a metodologia de análise bidimensional proposta por Boulet (1988 apud Sakamoto, 1997) adaptada por Sakamoto (1997) devido às condições da região pantaneira, à baixa declividade, propõe a realização de tradagem baseada em um transecto, assim é possível observar as variações horizontais e verticais que ocorrem na subsuperfície. O material utilizado em campo foi: trado holandês para coleta das amostras, tabela de Münsell para identificar a cor das amostras, fita métrica para aferir a profundidade, sacos plásticos e GPS para registrar a localização da área. No momento da coleta das amostras se analisava cor, textura e umidade em cada amostra. Em laboratório realizou-se a análise granulométrica para caracterizar o tamanho e a distribuição dos grãos de cada amostra, pois segundo Dias (2004), assim é possível definir as dimensões pelo peso ou pelo volume. A análise granulométrica exige que as amostras sejam preparadas, para isso utilizou-se a TFSA (terra fina seca ao ar). Após secas, procedeu-se com o destorroamento, separação da quantidade utilizada e pesagem em uma balança de precisão. Por fim, as amostras passaram por peneiramento em agitador de análise granulométrica. As peneiras utilizadas foram de malhas com aberturas: 2 mm, 1 mm, 0,5 mm, 0,125 mm, 0,062 mm e 0,053 mm. Desse modo, separaram-se os grânulos em areia grossa, areia média, areia fina, areia muito fina, silte e argila. Essa classificação granulométrica foi baseada na proposta de Wentworth (SUGUIO, 1980). Em gabinete ocorreu o levantamento bibliográfico, organização dos dados obtidos em campo com a tabulação da quantidade de amostras, digitação das descrições de cada amostra. As descrições de campo das amostras foram organizadas em perfis em seis profundidades. Para melhor analisar os resultados obtidos com a análise granulometrica, realizou-se a construções de dois tipos de gráficos sendo o histograma e curva granulométrica, pois esses contribuem na análise e apresentação dos resultados.
Resultado e discussão
O estudo foi realizado na porção leste do Pantanal da Nhecolândia. A Área 1
possui as coordenadas 18°58’52”S e 55°43’30”W e a Área 2 corresponde
19°03’29”S e 55°42’02”W (Figura 1).
Na A1 (Figura 2), de 0 a 20 cm possui coloração escura (5YR 4/2) devido à
matéria orgânica, pouca umidade e há presença de pequenas raízes.
Na profundida 20 a 40 cm ocorrem à transição da cor escura para cor mais
clara (5YR 4/2 para 10YR 6/3), presença de veios amarelados juntamente com
material concrecionado escuro, a umidade continua a mesma.
Na amostra de 50 a 70 cm predomina cor clara (10YR 6/3), pequenas manchas
suavemente mais claras e aumento significativo de concreções escuras e
desaparecimento dos veios amarelados, aumento da umidade.
Na profundidade de 80 a 100 cm a coloração clara continua a mesma (10YR
6/3), volta a aparecer manchas amareladas (10YR 6/8), porém não há presença
de concreções e a umidade permanece semelhante amostra anterior.
Em 120 a 150 cm, a cor predominante é clara (7.5YR 6/3) e uma mudança de cor
para o acinzentado (7.5YR 6/1), a mudança de coloração apresenta uma
pegajosidade no material, ocorrendo um aumento da cor amarelada e a umidade
aumenta significativamente.
Na amostra final de 170 a 200 cm ocorre a predominância da cor acinzentada
(7.5YR 6/1), aumento da pegajosidade com a diminuição das manchas amareladas
e encontra-se água livre.
É possível notar a relação da cor do material com a característica da
cobertura (Figura 2), pois apesar de ser uma área desmatada apresenta
acúmulo de matéria orgânica, mas que no passado havia vegetação tipo
cerradinho. Já na A2 apesar de ser uma área aparentemente com pouca
alteração antrópica, a cobertura é de uma vegetação de gramíneas esparsas,
diminuindo a possiblidade de presença de matéria orgânico de forma
consistente.
Na primeira amostra de A2, de 0 a 20 cm a coloração predominante é o amarelo
escuro (7.5YR 5/6), a umidade é pouca há presença de concreções milimétricas
de cor escura.
Na segunda profundidade 20 a 30 cm a coloração predominante é a mesma da
amostra anterior (7.5YR 5/6) havendo um pequeno clareamento na ponta do
trado (7.5YR 6/3), a umidade permanece a mesma.
A amostra 30 a 50 cm ocorre a predominância da cor (7.5YR 6/3) com
mosqueados em amarelo (7.5YR 6/8), a umidade permanece a mesma.
Em 50 a 60 cm de profundidade ocorre a predominância de amarelo escuro
(7.5YR 5/8), que antes era apenas mosqueado, há presença de concreções e a
umidade permanece a mesma.
Com 60 a 70 cm permanece o amarelo escuro (7.5 YR 5/8) mosqueada com cor
mais clara (7.5YR 6/3), ocorre aumento da umidade.
Na última amostra, de 70 a 100 cm volta a predominar a cor clara (7.5YR
6/3), nesse não há mosqueado nem presença de concreções, ocorre apenas o
aumento significativo da umidade.
Os dados de A1 (Figura 3) demonstram de modo geral que os grão estão
concentradas entre areia fina e silte, totalizando uma média geral entre
todas as profundidades de 83%. A maior parte dos grãos são do tamanho de
0,125 mm, com média aproximada de 44%, a segunda maior parte estão
concentrados em 0,25 mm com média de 23%, e a terceira maior parte dos grãos
estão em 0,062 mm com média de 16%.
Apesar de seguir a tendência das demais profundidades com maior
concentração em 0,125 mm, a profundidade 80 a 100 cm apresenta-se como
exceção, por ser mais bem distribuída, com quantidade significativa em todos
os diâmetros.
Observando o histograma e a curva granulométrica nota-se que na profundidade
de 170 a 200 cm a presença de pegajosidade devido uma maior quantidade
material fino (silte e argila) que foi localizado no fundo da peneira e a
profundidade 80 a 100 cm ocorre uma distribuição significativa dos grãos em
todos os diâmetros.
Em A2 (Figura 4), encontram-se areias médias e finas, com média total de 81%
encontrado nas profundidades. A maior quantidade de grãos encontra-se em
0,25mm com média aproximada de 47%, ou seja, quase metade da quantidade
total está nessa peneira.
Encontra-se em 0,125mm a segunda maior quantidade de grãos com média
35%, a terceira maior parte dos grãos encontra-se em 0,5mm com média
aproximada de 10%. A peneira com o valor de 0,062 recebe média aproximada de
5% dos grãos. As quantidades de grãos de cada profundidade são parecidas em
quantidade e espessura, não havendo grandes variações, identificam-se os
dados obtidos no histograma e na curva granulométrica referente à A2.
De forma geral, é possível perceber que as amostras de A1 possuem o mesmo
padrão de A2, diferenciando-se na concentração maior de partículas onde em
A1 a maior quantidade está na peneira 0,125 mm e em A2 em 0,25 mm. Assim, a
uma pequena diferença na espessura dos sedimentos, onde A1 possui areia fina
e A2 areias médias, que é visível no gráfico de curva granulométrica pois no
A1 as amostras possuem uma distribuição desigual e em A2 a distribuição
uniforme entre os diâmetros.
Os grãos presente nas duas áreas são bem selecionados de areia fina,
sinalizando possível transporte eólico, o que corrobora com as
características descritas na literatura das áreas SW da Nhecolândia onde
estão presentes as lagoas.
Localização das duas áreas estudadas no contexto Brasil.
Perfis pedoestratigráficos das Áreas 1 e 2. Ao lado são as fotos dos locais onde ocorrerão as tradagens.
Histograma e curva granulométrica da Área 1.
Histograma e curva granulométrica da Área 2.
Considerações Finais
De modo geral, ressalta-se a influência dos elementos da cobertura com a cor do material no interior dos perfis, pois se considerar essa relação, é possível hipotetizar que evolutivamente esse ambiente se encontra há certo tempo com características semelhantes as encontradas atualmente. Desse modo, em A1 há a presença de mais matéria orgânica e o material é mais escuro, enquanto que em A2 apresenta pouca matéria orgânica na superfície, predominando cores mais claras e amareladas. As análises granulométricas demonstram que os grãos encontrados possuem características distribuídas de forma semelhante, onde as diferença nas formas do relevo não se influenciam. Correlacionando com a afirmação anterior, entende-se também que apesar das diferenças do tipo de cobertura e das formas de relevo, as características granulométricas permanecem. Houve uma diferença, apesar de tênue apenas em A1 quando se identificou material mais fino. Assim, essa é uma área deve ser explorada em detalhes, pois o seu diferencial está inclusive na forma, pois apresenta as pequenas elevações. É importante ressaltar que as características da espessura dos grãos identificadas na presente pesquisa se assemelham com as características descritas na literatura das áreas com presença de lagoas, assim, área a qual apresenta geoformas totalmente diferenciadas das presentes áreas estudas. Por fim, estudos complementares deverão ocorrer para que seja melhor entendido e espacializado a ocorrência da formação do relevo e
Agradecimentos
Os autores agradecem a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul-FUNDECT pelo financiamento do projeto. Agradecem também a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul pela concessão de bolsa de iniciação científica, infraestrutura e logística.
Referências
AB’ SABER, A.N. O Pantanal Mato Grossense e a teoria dos refúgios. Revista Brasileira de Geografia 50 (número especial1-2), 9-50, 1988.
ALMEIDA, F.F.M. Geologia do Sudoeste Matogrossense. Bol. Nº116; Div. Geol. Min. – DNPM. 118 p. Rio de Janeiro. 1945.
ASSINE, M.L.; SOARES, P.C. Quaternary of the Pantanal, west-central Brazil. Quaternary International, 2004.
BRAUN, E. W. G. Cone aluvial do Taquari, unidade geomórfica marcante na planície quaternária do Pantanal. Revista Brasileira de Geografia 39, 164-180, 1977.
BOULET, R. Análise Estrutural da cobertura pedológica e cartográfica In: “A responsabilidade social da Ciência do Solo”. Congresso Brasileiro de Ciência do solo, p. 79-90. Campinas, SP, 1988.
DIAS, J. A. A análise sedimentar e os conhecimentos dos sistemas marinhos. Disponível em: http://w3.ualg.pt/~jdias/JAD/eb_Sediment.html. Acesso em: 03/02/2016
FRANCO, M. S. M.; PINHEIRO, R. Geomorfologia. In. Projeto RADAMBRASIL. Levantamento de recursos naturais. Folha SE 21 Corumbá e parte da Folha SE 20: Rio de Janeiro, 1982. 72.
GRADELLA, F. S. Morfologia do relevo da porção sul do megaleque fluvial do Taquari, Pantanal da Nhecolândia, Brasil. Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho: Rio Claro, 2012. (Tese de doutoramento)
SAKAMOTO, A. Y.; QUEIROZ NETO, J. P., FERNANDES, E., LUCATI, H. M.; CAPELLARI, B. Topografia de Lagoas Salinas e seus Entornos no Pantanal da Nhecolândia. In: II SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIOECONÔMICOS DO PANTANAL, 1996, Corumbá. EMBRAPA, 1996.
SAKAMOTO, A.Y. Dinâmica Hídrica em uma Lagoa “Salina” e seu Entorno no Pantanal da Nhecolândia: Contribuição ao Estudo das Relações Entre o Meio Físico e a Ocupação, Fazenda São Miguel do Firme, MS. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP São Paulo, 1997. (Tese de doutoramento)
SILVIA, J. S. V.; ABDON, M. M. Delimitação do Pantanal Brasileiro e suas Sub- Regiões. Pesq. Agropec. Bras., Brasília, v. 33, Numero Especial, p. 1703- 1711, out. 1998.
SOARES, A. P., SOARES, P. C.; ASSINE, M. L. Areais e lagoas do Pantanal, Brasil: Herança Paleoclimática?. Revista Brasileira de Geociências. v. 33, 2003.
SUGUIO, K. Rochas sedimentares: Propriedade, Gênese, Importância econômica. 1980.
TRICART, J. El Pantanal: un ejemplo del impacto geomorfologico sobre el ambiente. Informaciones Geograficas. Chile, 1982.