Autores
Gaspar Sala, M. (UNINGÁ) ; Vicente Lovatto Gasparetto, N. (UEM) ; Luiz dos Santos, M. (UEM)
Resumo
Pesquisas sobre a ocorrência de solos e suas distribuições em planícies aluviais ainda são pouco expressivas no estado do Paraná, sobretudo, quando se relacionam as propriedades morfológicas com unidades morfoestratigráficas. Assim, o reconhecimento das propriedades morfológicas aliada a localização dos solos na planície aluvial do rio Ivaí-PR, auxiliou na compreensão desses sistemas deposicionais. O levantamento de perfis de solos distribuídos ao longo da planície aluvial e associado as unidades morfoestratigráficas permitiram a identificação de oito tipos solos, encontrando-se praticamente todos associados aos depósitos aluviais, e geralmente se apresentando mal drenados, devido à alta disponibilidade hídrica da planície, submetida a frequente inundações e elevação do lençol freático.
Palavras chaves
Planície Aluvial; Solos; Unidades Morfoestratigráficas
Introdução
Nas áreas de planície aluvial o relevo influencia preponderantemente nas características dos solos, principalmente nas áreas de planície de inundação em que as baixas declividades e os regimes de inundação imprimem características marcantes de hidromorfismo a partir da oxiredução de compostos ferruginosos nos solos. Nesse sentido, o conhecimento dos tipos de solos de planícies relacionados as unidades de relevo podem viabilizar a exploração sustentada dos recursos naturais para os diversos setores da atividade humana. Todavia as reduzidas dimensões geográficas das planícies, em relação aos contextos regionais podem ser o condicionante para o baixo número de trabalhos sobre esses tipos solos. Para Cursio (2006) um dos motivos pelo qual se evidencia essa carência é o número notavelmente maior de prospecções pedológicas necessárias por unidade de área que, na maioria das vezes, é difícil de ser estabelecido em função dos regimes hídricos, prevalecentes nos solos das planícies. Esse mesmo autor colaborou com esses estudos ao analisar os tipos de solos que ocorrem na planície aluvial do rio Iguaçu-PR. Gerrard (1992) corrabora com essa questão apontando que as planícies aluviais ocupam somente 3% da superfície da América do Sul. Segundo o autor o desenvolvimento das planícies exerce um grande efeito sobre o desenvolvimento pedogenético, fator que deve ser considerado ao se estudar os solos dessas áreas. Nas planícies aluviais os solos variam conforme o modelado do relevo como diques marginais, bacias de inundação, terraços, entre outras paisagens. O fator tempo de formação das unidades de relevo também deve ser considerado, exemplificando que os solos que se encontram nos terraços, antes antigas planícies de inundação, geralmente são mais desenvolvidos do que aqueles encontrados em planícies de inundação mais recentes. Ao analisar os solos de planície aluvial é preciso considerar também a dinâmica de construção e destruição dessas áreas que podem ocorrer em curto espaço de tempo, devido ao regime de inundações. Brady e Weil (1999) descrevem que a cada episódio de inundação são depositadas novas camadas de sedimentos nos solos. No entanto, ao se estudar esses tipos de solos é preciso considerar não só a heterogeneidade dos sedimentos depositados, mas também os processos pedogenéticos. Para planície aluvial do rio Ivaí os estudos dos solos são quase inexistentes, destacando os trabalhos de mapeamento da EMBRAPA/IAPAR (2008) e de Carvalho et al. (1989) que descreveram e analisaram perfis de alguns tipos de solos na área dessa planície. Quanto as unidades de relevo da planície Santos et al (2008) analisaram o substrato geológico e a geomorfologia da área, identificaram diversos sedimentares gerados em contextos geomorfológicos diferentes. Isto é, em cada subambiente (canal, paleocanal, dique marginal, planície proximal ou planície distal) do sistema deposicional pode gerar uma unidade, em razão de sua morfologia, geometria dos depósitos juntamente com a associação faciológica decorrentes dos processos geomórficos e sedimentares atuantes durante sua formação. A partir desses estudos os autores dividiram a planície aluvial em várias unidades morfoestratigráficas as quais foram utilizadas como base para essa pesquisa. Nesse contexto esse estudo procurou integrar os tipos e propriedades dos solos com as diferentes unidades morfoestratigráficas encontradas na planície aluvial do rio Ivaí. A área apresenta cerca de 276km², se desenvolvendo desde a foz com rio Paraná, nos municípios de Icaraíma e Querência do Norte até a corredeira do Ferro em Guaporema-PR, compreendida entre as coordenadas de 23°21’12.74’’S – 53°42’22.40’’W e 23°18’32.28’’S – 52°51’19.53’’W. A Figura 1 evidencia as unidades morfoestratigráficas e a localização dos perfis de solos analisados na planície aluvial do rio Ivaí.
Material e métodos
Para o reconhecimento dos tipos de solos da planície aluvial foi realizado um levantamento baseado no mapa de solos da área produzido pela EMBRAPA/IAPAR (2008) e nos trabalhos de Carvalho et al. (1989). Foi realizado um mapeamento do substrato geológico e das unidades de relevo da planície para auxiliar na compreensão das propriedades morfológicas desenvolvidas. Esses mapeamentos seguiram os procedimentos propostos pela MINEROPAR (2001) e Santos et al. (2008), respectivamente. Como suporte para a identificação dos solos foi efetuado descrições morfológicas de perfis de solos localizados ao longo da planície aluvial, sobre diferentes unidades morfoestratigráficas conforme definidas na carta morfológica de Santos, et al (2008). As análises morfológicas seguiram a metodologia proposta por Lemos e Santos (1976), as cores das amostras de solo foram definidas com base na tabela de cores Munsell (1975). Nesse artigo as unidades morfoestratigráficas e os tipos de solos foram representados em uma tabela evidenciando os perfis de solos os compartimentos da área de estudos denominados de CI, CII e CIII e respectivamente localizados próximo a foz do rio Ivaí, no setor médio da planície e no setor a montante da planície.
Resultado e discussão
A planície aluvial do rio Ivaí apresentando baixas declividades entorno de 2
a 6% e desenvolve-se sobre a Formação Caiuá (SANTOS et al, 2006). Essa
Formação é constituída basicamente por arenitos das frações média, fina a
muito fina, moderadamente a bem selecionados, de cores vermelho-arroxeada a
vermelho-escura, porém quando alterado apresenta tons amarelados. A matriz
lamítica é rara, mas níveis de silte e argila podem ocorrer na forma de
finas camadas ou lentes. O quartzo é principal constituinte, apresenta grãos
subarrendados a bem arredondados, com grau variável de esfericidade,
envolvidos por uma película de óxido de ferro, secundariamente ocorrem
minerais opacos, feldspatos e subordinadamente calcedônia e muscovita
(GASPRETTO; SOUZA, 2003).
Dessa forma, a planície aluvial é constituída por um conjunto de depósitos
com mais de 20m de espessura, predominantemente formado por pelitos,
subordinadamente de areia fina e com delgadas e descontínuas camadas de
cascalho e areia grossa.
O mapa de unidades morfoestratigráficas (Figura 1) baseado em Santos et al
(2008) evidenciou que apesar da pequena diferença altimétrica da área a
planície aluvial não apresenta uma homogeneidade de feições morfológicas. O
que se encontra na área são diversas geoformas representadas por: diques
marginais, paleocanais, paleomeandros, planícies de inundação e terraços
fluviais.
Essas geoformas podem ser identificadas em todos compartimentos da área com
exceção dos terraços fluviais que não foram encontrados somente no
compartimento CII. Assim, o relevo é preponderante no desenvolvimento das
propriedades dos solos, principalmente nas áreas de planície de inundação
onde os mesmos possuem características marcantes de hidromorfismo a partir
da oxiredução de compostos ferruginosos presentes nos perfis desses solos. A
hidromorfia nos solos é expressa por forte gleização, resultante de
processamento de intensa redução de compostos de ferro, em presença de
matéria orgânica, com ou sem alternância de oxidação, por efeito de
flutuação de nível do lençol freático, em condições de regime de excesso de
umidade permanente ou periódico (EMBRAPA, 2013).
Ao analisar as propriedades morfológicas dos horizontes dos perfis
de solo localizados no compartimento CI (P1, P2, P3 P12) representados na
Tabela 1, constata-se que todos, menos o P2, apresentaram matizes de cores
semelhantes devido à influência da oscilação do lençol freático, fator comum
em solos de planície aluvial. As cores variaram de bruno-acinzentado, bruno-
amarelado a vermelho-amarelado (10 R4/2, 10YR 5/4 a 10YR 5/2). A textura
predominante foi a média nos perfis P1 e P2. Já no perfil P3, a textura foi
argilosa em todos os horizontes.
A textura do solo do perfil P12 variou entre muito argilosa a média,
oscilação que pode ser justificada pelo fato desse perfil estar localizado
em uma área sujeita às inundações do rio Ivaí e elevação do freático, ambos
responsáveis pela deposição e retirada de materiais dessa área. A estrutura
variou de moderada, pequena subangular a granular nos horizontes dos perfis
P1 e P3. No perfil P12, a estrutura apresentou-se em forte a moderada,
pequena, média subangular nos horizontes subjacentes.
A consistência dos solos desses perfis apresentou uma leve diferença
dos horizontes superficiais para subsuperficiais, ligeiramente pegajosa e
não plástica. A estrutura variou de moderada, pequena subangular a granular.
Nesses perfis a porosidade apresentou-se abundante com poros de dimensões
entre 1mm a 5mm.
Os perfis do compartimento CII, também apresentaram uma variação em
suas características morfológicas (TABELA 1). O perfil P4 apresentou com
cores variando dos horizontes superficiais para o mais profundo de bruno-
pálido a (10YR 6/3) a bruno-avermellhado (2,5YR 4/4), a textura em todos os
horizontes foi a arenosa, com estrutura de média a pequena e granular
(friável). A consistência detectada em todos os horizontes foi de não
pegajosa e não plástica quando seca e úmida. A porosidade apresentou-se em
grande quantidade, em forma de micro poros e macro poros de origem biológica
abundante, em detrimento da área ser
florestada.
No perfil P5, as cores dos horizontes variaram de vermelho-pálido
(2.5YR 7/2) a vermelho (2.5YR 4/6). A textura analisada, nesse perfil, foi
média na maioria dos horizontes, com exceção do horizonte superficial que
apresentou textura arenosa, a estrutura dominante foi de blocos pequenos e
médios moderados a granular. A consistência da maioria dos horizontes
apresentou-se quando seca não plástica e não pegajosa. A porosidade
evidenciada na análise morfológica foi abundante em micro poros.
O perfil P6 apresentou cores variando da superfície para
subsuperfície de cinza avermelhado (5YR 5/2), marrom acinzentado (10YR 5/2)
a marrom avermelhado (5YR 5/3). A textura identificada em todos os
horizontes foi a arenosa, estrutura granular não coerente a blocos pequenos
fracos a granular. A consistência manteve-se de não pegajosa e não plástica
quando seca e molhada em toda a profundidade. Identificou-se a presença
abundante de micro poros e macro poros devido à estrutura, à presença de
raízes e à atividade biológica.
No perfil P7, foram constatadas cores variegadas, devido à elevação
do lençol freático, bruno-acinzentado (10YR 4/2) a cinza escuro (10YR 4/2).
A textura encontrada nos horizontes foi a argilosa com estrutura
moderada/fraca pequena e média, em forma de blocos subangulares que se
desfazem com facilidade, em detrimento, também da presença abundante de
nódulos ferruginosos de 2mm a 5mm de diâmetro.
A consistência dos solos desse perfil gradou em profundidade de
ligeiramente pegajosa a ligeiramente plástica com elevado número macro e
micro poros entre 2mm a 6mm.
Em relação a morfologia dos perfis do compartimento CIII (TABELA 1),
os perfis P8 e P9 apresentaram corres acinzentadas (10YR 4/2) e
mosqueamentos bruno-amarelado (10YR 5/8) em todos os horizontes
diagnosticados; a textura identificada foi de arenosa para todo perfil. A
estrutura predominante foi pequena a granular. A consistência dos solos dos
horizontes desses perfis gradou da superfície para subsuperfície de
ligeiramente pegajosa e não plástica para não pegajosa e não plástica,
apenas quando molhada, pois o nível do lençol freático encontrava-se a 60cm.
O perfil P10 revelou cores gradando em profundidade de vermelho (2.5YR
4/6); a vermelho escuro (2.5YR 3/6). A textura identificada em todos os
horizontes foi a média, a estrutura variou da superfície para subsuperfície
de blocos pequenos, subangulares moderados a blocos pequenos angulares a
subangulares moderados a fracos. A consistência dura quando seca, e
ligeiramente pegajosa e não plástica quando molhada, associada a pouca
expressividade de porosidade detectada nos horizontes superficiais desse
perfil, podem ser um reflexo da compactação dos solos pelo uso de máquinas
pesadas na cultura de cana-de-açúcar.
O perfil P11, por estar localizado sobre um dique marginal, e sujeito à
retirada e à deposição de materiais provenientes das águas do rio Ivaí,
apresentou significativas variações de suas propriedades morfológicas em
profundidade. As cores variaram da superfície para subsuperfície de marrom
escuro (7,5YR 3/4) a marrom (7,5YR 4/4). A textura variou de média a
argilosa, a estrutura predominante foi de moderada a fraca, gradando em
profundidade para uma estrutura em grãos simples não coerentes. A
consistência foi de ligeiramente pegajosa a não plástica com porosidade
abundante e diversificada em macro e micro poros, e, uma intensa atividade
biológica. Destaca-se, nesse perfil, a presença abundante de nódulos
ferruginosos de tamanho variando de 1mm a 5mm.
Figura demonstrando os compartimentos morfoestratigráficos CI, CII e CIII, os perfis de solos identificados por pontos e a geologia da área.
TABELA RESUMINDO E EXPLICANDO OS DADOS DA FIGURA 1
Considerações Finais
Essa pesquisa permitiu identificar que os solos variaram em pelo menos algum atributo conforme o modelado aluvial ocupado como diques marginais, planície de inundação, terraços fluviais entre as outras feições morfológicas encontradas nas unidades morfoestratigráficas representadas nos compartimentos CI, CII e CII da planície aluvial do rio Ivaí. A maioria dos solos analisados são naturalmente formados em condições de má drenagem, devido à alta disponibilidade hídrica da planície aluvial, imprimindo nestes solos, características de hidromorfia com cores cinza amareladas com presença de mosqueamentos. Destacando que os Gleissolos localizados em geoformas mais antigas, como exemplo nos terraços fluviais, apresentaram características pedogenéticas mais evoluídas do que os Gleissolos localizados nas áreas de planície de inundação.
Agradecimentos
Ao Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente-GEMA, pela concessão de toda infraestrutura e ao CNPQ Proc. no 470446/2012-9, pelo apoio financeiro.
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