Autores

Angel Costa dos Santos, M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Monteiro Nunes Cordeiro, A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; de Holanda Bastos, F. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ)

Resumo

A pesquisa foi desenvolvida no município de Farias Brito, Ceará, mesorregião sul cearense, e buscou compreender, analisar e delimitar a ocorrência de nitossolos vermelhos na porção oriental do maciço de Quincuncá. O trabalho foi realizado com base na análise do mapa geológico do Estado do Ceará e imagens de satélite, juntamente com informações pedológicas fornecidas pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos - FUNCEME. Os resultados de tais procedimentos permitiram compreender, delimitar e correlacionar a ocorrência dos Nitossolos Vermelhos no maciço de Quincuncá, a partir do intemperismo das rochas que compõem a Suíte Granitoide Serra do Deserto, que corresponde à escarpa de falha do maciço cristalino em questão. Portanto, esta pesquisa teve como motivação a possibilidade de contribuição com o aprofundamento do conhecimento sobre a gênese dos Nitossolos no Estado do Ceará.

Palavras chaves

Morfopedologia; Mesorregião Sul Cearense; Quincuncá

Introdução

Submetida aos agentes do intemperismo, a rocha por mais endurecida que seja, acaba se fragmentando e pode transformar-se em saprolito, material inconsolidado e solo representando assim, a interface existente entre os componentes abióticos e bióticos na estruturação das paisagens. Segundo Bastos e Cordeiro (2012), os solos evoluem sobre os mantos de intemperismo e dependem de fatores como a geologia, clima, relevo, seres vivos e do tempo para se desenvolverem. De acordo com Pereira et al. (2011), o Estado do Ceará apresenta variações bem evidentes desses fatores, refletindo, em consequência, uma considerável diversidade de classes de solos que podem ocorrer com mudanças frequentes ao longo de curtas distâncias em diferentes segmentos da paisagem regional. Segundo Ceará (2012), no contexto das regiões semiáridas a geologia é um dos componentes naturais que assume papel muito importante na gênese dos solos. Na área objeto de estudo, inserida no semiárido cearense, a diversidade do quadro geológico é determinante e se faz refletir na variabilidade da cobertura pedológica. O Neoproterozoico e Mesoproterozoico estão representados, na área objeto de pesquisa, em sua maioria por filitos, micaxistos, gnaisse e em menor escala ardósia (BRASIL, 2003). A mica predominante nessas rochas é a biotita, isso justifica a grande ocorrência de solos de coloração avermelhada (CEARÁ, op. cit.). Para Rocha (1994), os Nitossolos Vermelhos, anteriormente conhecidos como “Terras Roxas Estruturadas”, são mais expressivos na região sul do Brasil, ocorrendo geralmente em relevos ondulados ou levemente ondulados. O basalto, rocha ígnea resultante do resfriamento do magma, está ligado à gênese dos Nitossolos no sul do país, principalmente na região da Bacia do Paraná, nos Estados do Paraná e São Paulo. De acordo com Santos (2013), os Nitossolos são solos minerais, não hidromórficos, originados em decorrência do intemperismo atuante nas rochas ultrabásicas e básicas, como o basalto, estando subdivididos em três subordens: Vermelhos, Brunos e Háplicos. Segundo Lepsch (2010), os Nitossolos são medianamente profundos, bastante intemperizados e com fraca diferenciação dos horizontes, porém com macroagregados nítidos e reluzentes no horizonte B. Essa classe de solo, praticamente, não apresenta policromia acentuada no perfil, ou seja, variação de cor em profundidade no perfil do solo (SANTOS, op. cit.). O Estado do Ceará apresenta uma cobertura pedológica bastante diversificada. Os municípios de Araripe, Santana do Cariri, Crato, Potengi, Nova Olinda, Altaneira, Assaré e Farias Brito, todos inseridos na mesorregião sul cearense, apresentam em seus levantamentos pedológicos os Nitossolos Vermelhos (CEARÁ, 2012). A presença de Nitossolos Vermelhos no município de Farias Brito encontra-se em maior concentração na serra do Quincuncá. O maciço do Quincuncá corresponde ao conjunto de terras altas contínuas que se distribuem entre as zonas de cisalhamento transcorrente dextrais de Tatajuba e Farias Brito, ao norte da Chapada do Araripe, acima da cota de 450 metros, indicando uma forte relação estrutural com o seu modelado, amplamente trabalhado pelos processos erosivos. Essa pesquisa se justifica pela possibilidade de contribuição com o aprofundamento do conhecimento sobre a gênese dos Nitossolos, classe de solo, que apenas recentemente foi incluída no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos – SiBCS (2006), e ainda acrescentar estudos sobre a cobertura pedológica da mesorregião sul do Estado do Ceará, área intensamente explorada por atividades agrícolas. Face ao exposto, o presente trabalho objetiva identificar e mapear as áreas de ocorrência dos Nitossolos no município de Farias Brito, buscando explicar de forma preliminar a ocorrência desses solos nesse município.

Material e métodos

Para alcançar os objetivos propostos, aplicou-se o roteiro metodológico concebido por Castro e Salomão (2000). Segundo os autores, o produto da relação entre o substrato rochoso, relevo, solos e agentes da dinâmica externa, examinados em escala de maior detalhe, pode caracterizar e expressar ordens de grandeza intermediárias ou pequenas, conhecidas como unidades morfopedológicas. Ou seja, a partir da ideia de compartimentos morfopedológicos, pode-se chegar a interpretações até então não vistas quando os elementos do meio físico são analisados de forma separada, já que a análise conjunta desses, em especial do solo, relevo e substrato geológico, se traduz em respostas. Portanto, o levantamento de dados geológicos, geomorfológicos e pedológicos possibilita o conhecimento da estrutura, composição e dinâmica da paisagem objeto de estudo. Esse estudo pode ser definido como a busca pela compreensão desses atributos na relação rocha-relevo-solo (VILLELA, 2011). Ao serem entendidas as características do terreno e do solo, e os fluxos químicos de matéria que resultam em diversos processos e como se dá a setorização de suas relações, compreende-se o meio em uma visão mais detalhada, estruturada, e até mesmo hierarquizada. A presente pesquisa foi desenvolvida a partir de levantamentos bibliográficos, informações e dados referentes à área de estudo. Os procedimentos metodológicos foram divididos em quatro etapas. Na primeira etapa foram realizadas consultas a documentos disponíveis em órgãos públicos e instituições de referência, com a finalidade de obter informações a respeito da temática. A segunda etapa consistiu na obtenção de dados de base cartográfica e imagens de satélites. Na terceira etapa, foram realizados os trabalhos em campo, com registros fotográficos dos perfis dos Nitossolos e obtenção de pontos georreferenciados. Na quarta etapa, foi realizada a compilação dos dados obtidos em campo com os levantamentos bibliográficos e cartográficos.

Resultado e discussão

O relevo do município de Farias Brito é marcado por uma esculturação desenvolvida em materiais rochosos diversificados e, em grande porcentagem, ricos em deformações tectônicas, destacando-se extensas zonas miloníticas, que condicionam a evolução de formas bastante variadas (VASCONCELOS e GOMES, 1998). Com forma mais elevada, onde as cotas atingem aproximadamente 800m, destaca-se a serra do Quincuncá, onde um conjunto de cristas circunda esse maciço. Os recursos hídricos da área em destaque dependem de modo significativo, das influências morfoestruturais e climáticas, sendo o rio Cariús, que nasce no município de Santana do Cariri, o principal sistema de drenagem superficial no município de Farias Brito, tendo seu curso quase que totalmente retilíneo, no domínio das rochas cristalinas, devido as influências estruturais relacionadas às falhas e fraturas. Foram identificados, no município de Farias Brito, quatro classes de solos: Argissolos, Neossolos Flúvicos, Neossolos Litólicos e Nitossolos (BRASIL, 2003). No entanto, os Nitossolos identificados estão associados, preferencialmente, ao intemperismo das rochas que compõem a Suíte Granitoide Serra do Deserto (Figura 1). Segundo Medeiros (2008), essa suíte é datada do Paleoproterozoico (~1800 a 1600 Ma), sendo representada por augenortognaisses graníticos, à biotita +/- hornblenda, servindo de encaixantes para corpos de tonalitos ou quartzodioritos e sienogranitos gnaissificados, e corresponde à escarpa de falha do maciço de Quincuncá, onde nas observações preliminares de campo encontramos os Nitossolos Vermelhos em posições de topos planos do maciço em apreço (Figura 2). Esse fato indica que poderia haver na área uma relação entre os sistemas pedológicos e as formas de relevo associadas às estruturas litológicas. Portanto, o produto da relação entre o substrato rochoso, relevo, solos e agentes da dinâmica externa, examinados em escala de maior detalhe, pode caracterizar e expressar ordens de grandeza intermediárias ou pequenas, conhecidas como unidades morfopedológicas. Dessa forma, segundo Castro e Salomão (2000), os compartimentos ou unidades morfopedológicas representam as externalidades do meio físico biótico e abiótico que revelam um tipo reconhecível e delimitável de porções do relevo, suportado por organizações/estruturas litológicas e pedológicas, cujos atributos e funcionamentos revelam os processos histórico-evolutivos responsáveis pelo comportamento atual do meio físico, no tempo e no espaço.

Figura 1: Distribuição de Nitossolos Vermelhos em Farias Brito, Ceará

Fonte: Elaborado pelos autores, 2016

Figura 2: Perfil de Nitossolo Vermelho em Farias Brito, Ceará

Fonte: Autores, 2015

Considerações Finais

De acordo com o que se pode constatar, é bastante curiosa a ocorrência de nitossolos no Estado do Ceará, o que demanda estudos mais aprofundados com coleta de material e análise laboratorial tanto na área como no seu entorno. No entanto, os nitossolos vermelhos constituem a classe de solos com maior representatividade espacial do maciço do Quincuncá, preferencialmente nas posições mais elevadas, referidas principalmente à superfície de cimeira (platô úmido), tendo sido formado por alteração “in situ” das rochas que compõem a Suíte Granitoide Serra do Deserto. Geologicamente, para Cavalcante (1999), a Suíte Serra do Deserto apresenta tendência alcalina e de ambiente intraplaca (microplacas), correlacionando-a com o vulcanismo félsico da Formação Campo Alegre (Grupo Orós) de idade Estateriana. Além dos aspectos pedológicos propriamente ditos, faz-se necessário também destacar o estado de conservação dos referidos solos, que apresentam significativas aptidões edáficas, porém, encontram-se significativamente degradados por cultivos de milho e feijão, com a vegetação original fortemente alterada. Portanto, o conhecimento dos processos de gênese e evolução dessa classe de solo torna-se importante não só para um uso agrícola mais racional, assim como para previsão de seu comportamento futuro.

Agradecimentos

Referências

BASTOS. F. H.; Cordeiro, A. M. N. Processos de formação das paisagens semiáridas do Estado do Ceará. In: Araujo, M. A. G. de et al. (orgs.). Geografia ensino e pesquisa: produzindo saberes. Curitiba: CRV, 2012. p. 149-170.
BRASIL. Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais. Atlas digital de geologia e recursos minerais do Ceará. Mapa na escala de 1:500.000. Fortaleza: Serviço Geológico do Brasil/Ministério das Minas e Energia, 2003.
CASTRO. S. S.; Salomão, F. X. T. Compartimentação morfopedológica e sua aplicação: considerações metodológicas. Revista GEOUSP, n. 07, São Paulo, 2000. p. 27-37.
CEARÁ. Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos. Levantamento de reconhecimento de média intensidade dos solos: mesorregião do sul cearense. Fortaleza, 2012. p. 280.
GURGEL. S. P. P. Evolução morfotectônica do maciço estrutural do Pereiro, Província Borborema. 2012. 189p. Tese de Doutorado (Doutorado em Geodinâmica). Programa de Pós-Graduação em Geodinâmica e Geofísica, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.
LEPSCH. I. F. Formação e conservação dos solos. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2010. p. 216.
MEDEIROS. V. C. de. Levantamentos geológicos básicos do Brasil. Geologia e recursos minerais da Folha Souza SB.24-X-A. Escala 1:250.000. Recife: CPRM, 2008. p. 312.
PEREIRA. R. C. M.; Rabelo, F. D. B.; Silva, E. V. Aspectos pedológicos e suas relações com processos morfodinâmicos na serra de Baturité. In: Bastos, F. H. (org.). Serra de Baturité: uma visão integrada das questões ambientais. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011. p. 77-84.
SANTOS. H. G. dos. Sistema brasileiro de classificação de solos. 3. ed. Brasília: EMBRAPA, 2013. p. 353.
VASCONCELOS. A. M.; Gomes, F. E. M. Programa levantamentos geológicos básicos do Brasil: Folha Iguatu, SB.24-Y-B. Fortaleza: CPRM, 1998. p. 107.
VILLELA, Fernando Nadal Junqueira. Análise da relação relevo-rocha-solo no contato planalto Atlântico - depressão periférica Paulista. São Paulo. 279p. Tese de Doutorado (Doutorado em Geografia Física), Programa de Pós-Graduação em Geografia Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
ROCHA. G. C. Características macro e micromorfológicas de coberturas pedológicas sobre rochas na Amazônia e sul do Brasil: relações com a evolução geomorfológica. Semina: Ci. Exatas/Tecnol., v. 14-15, n.4, 1994. p. 325-329.