Autores

Luiz, E.L. (UDESC) ; Bini, G.M.P. (UFSC) ; de Gasper, B. (UDESC) ; Gerente, J. (INPE)

Resumo

uma discussão sobre a relação entre a presença de lineamentos estruturais e a ocorrência de movimentos de massa é realizada para a bacia do rio Luís Alves/SC. Em novembro de 2008, chuvas excepcionais provocaram numerosos movimentos nas encostas da bacia. Os terrenos da bacia sofreram três eventos deformacionais ao longo do tempo, o que provocou muitas falhas, juntas, injeções hidrotermais, metamorfismo, com formação de novas rochas e transformação de outras. Foi realizado inventário das ocorrências de movimentos de massa na bacia e um mapa de lineamentos estruturais, bem como observações em campo. Foram mapeadas 474 ocorrências de movimentos de massa, a maioria delas concentradas na parte sul da bacia, mesma região onde estão a maior concentração e o cruzamentos de lineamentos. A criação de novas rochas e o fraturamento de partes do corpo rochoso, pode criar descontinuidades hidráulicas e diferentes comportamentos mecânicos dos materiais, o que causaria suscetibilidade a movimento de massa.

Palavras chaves

movimentos de massa; lineamentos estruturais; desastre no vale do Itajaí/SC

Introdução

Em novembro de 2008, o médio e baixo vale do rio Itajaí em Santa Catarina sofreu com as consequências de chuvas excepcionais nos dias 23 e 24, com totais próximos de 250 mm/dia, segundo dados da estação meteorológica de Blumenau, situada na bacia. Deve-se ressaltar que estava chovendo neste ano de forma quase contínua desde setembro. As consequências deste evento foram inundações, fluxos torrenciais e inúmeros movimentos de massa, principalmente na bacia do rio Luís Alves, um dos afluentes do rio Itajaí. Além da grande quantidade de ocorrências, os movimentos de massa também mobilizaram significativa quantidade de materiais nas encostas, modificando-as permanentemente pelos fenômenos de ruptura e de deposição, assim como os fundos de vale receberam grande carga sedimentar que levantou os níveis de base locais. Muitas propriedades rurais tiveram seu terreno inviabilizado para atividades agropecuárias devido ao depósito de fragmentos rochosos de variados tamanhos (SERRANO, 2011). Além da própria precipitação como fator deflagrador em si, diferentes condicionantes podem ser elencados na suscetibilidade a movimentos de massa, tais como a declividade e a forma da encosta, a resistência dos materiais, descontinuidades mecânicas e hidráulicas nos solos, presença de falhas e fraturas e outras formas de lineamentos (CROZIER, 1986; SELBY, 1993; FERNANDES e AMARAL, 1996). Certas estruturais geológicas, tais como como xistosidade, foliação, estratificação, falhas, fraturas e contatos litológicos condicionam um maior ou menor grau de intemperismo, bem como a geração de diferenças mecânicas e hidráulicas no interior de um maciço rochoso ou de um manto de alteração, ou seja, condicionam os fatores que podem gerar suscetibilidade a movimento de massa. E o intemperismo diferencial e as descontinuidades influenciam até o tipo de movimento de massa que pode ocorrer em determinada área, como queda de blocos, corridas de detritos ou de lama ou ainda deslizamentos planares ou rotacionais. Dependendo do ângulo de mergulho e da direção de foliações, de falhas e de fraturas em relação à orientação e inclinação da encosta, elas podem servir de superfície de ruptura de um movimento de massa (FERNANDES E AMARAL, 1996). Além disso, grandes lineamentos podem também condicionar as formas de relevo local ou regional, pois criam rochas mais ou menos resistentes ao intemperismo e à erosão, levando a formação de cristas e fundos de vales alinhados ou superfícies muito inclinadas, como escarpas de falha. O substrato rochoso da bacia do rio Luís Alves é muito antigo, com rochas de idade em torno de 2,8 bilhões de anos e, por isso, sofreu a ação de diferentes eventos tectônicos (FORNARI, 1998). Este conjunto de rochas e estruturas geológicas é denominado Complexo Granulítico de Santa Catarina e foi afetado, segundo Fornari (1998), por três eventos de deformação, sendo o primeiro de fácies granulito até fácies anfibolito (com presença de zonas de cisalhamento dúctil), o segundo de fácies xisto verde (com geração de planos de foliação e estiramento mineral) e o terceiro representado por intenso metamorfismo dinâmico, a partir de juntas e falhas distensionais, cisalhantes e compressionais. A área também foi afetada pela Reativação Wealdeniana na era Mesozóica. Na bacia do rio Luís Alves, os lineamentos estruturais criados nestes diferentes eventos deformacionais podem ser um importante condicionante na localização e distribuição das ocorrências de movimentos de massa, pois eles influenciam na geração de descontinuidades mecânicas e hidrológicas nos mantos de alteração e na esculturação das formas de relevo. O presente trabalho pretende discutir a influência de lineamentos estruturais na suscetibilidade a movimentos de massa na bacia do rio Luís Alves/SC a partir das ocorrências deflagradas com as chuvas intensas de novembro de 2008. Técnicas de sensoriamento remoto foram empregadas no mapeamento dos lineamentos

Material e métodos

Os lineamentos foram traçados mediante segmentos de cristas e de fundos de vales alinhados, de acordo com interpretação da imagem de radar interferométrico da missão SRTM (Shuttle RadarTopography Mission) da NASA (National Aeronautics and Space Administration) de 30 metros de resolução espacial. Para melhor definir os lineamentos, foi aplicada uma operação de vizinhança, mediante a técnica de filtragem. Essa técnica permite salientar as bordas ou linhas que ocorrem numa determinada direção. O filtro escolhido foi o linear direcional, do tipo Kernel 3x3, executado no programa Envi 4.7, com direção de ângulo do filtro nos azimutes 45° e 315°. As imagens hibridas (filtradas) foram salvas em GeoTiff e sobre elas, no programa ArcGis 10.1, foram vetorizados os lineamentos em shapefile. O inventário das cicatrizes de movimentos de massa deflagrados em 2008 na área de estudo ocorreu por interpretação e vetorização em tela sobre fotografias aéreas digitais ortorretificadas do levantamento realizado pelo governo do estado de Santa Catarina entre 2010 e 2012, com resolução espacial de 0,39 cm. Para auxiliar na interpretação das cicatrizes foi utilizado como apoio, imagens históricas do programa Google Earth, sobretudo uma imagem em alta resolução de maio de 2009, pois esta foi captada em momento mais próximo da ocorrência dos movimentos de massa. O uso do Google Earth também permitiu o emprego da visualização em três dimensões (3D) para sanar dúvidas sobre o contorno das cicatrizes e as diferenciar de cortes ou desmatamentos. Neste mapeamento, considerou-se como cicatriz tanto a zona de ruptura, como as zonas de passagem de depósito. As ocorrências presentes em cortes de encosta e nas margens de rios foram desconsideradas, pois a dinâmica de sua criação envolve a ação humana e dos rios respectivamente. Foi criado um arquivo em formato Shapefile (SHP) no ArcCatalog do programa ArcGis 10.1 e utilizada a ferramenta Editor deste software para vetorizar as cicatrizes.

Resultado e discussão

A bacia do rio Luís Alves está situada no nordeste do estado de Santa Catarina, entre as coordenadas 26º37’33” e 26º53’03” lat. S e 48º45’37” e 49º03’03” long. W. (Figura 1). Esta é uma bacia afluente da bacia do rio Itajaí. A área da bacia é de aproximadamente 582 km2. A densidade de drenagem na bacia é maior ao norte do que ao sul e a rede hidrográfica apresenta-se mais condicionada por lineamentos estruturais ao sul. O padrão de drenagem ao norte é mais próximo do dendrítico e, ao sul, do padrão retangular. Ao sul, as elevações apresentam maiores altitudes e encostas mais longas e declivosas (Figura 2). As altitudes variam de aproximadamente o nível do mar, junto à foz do rio Luís Alves no rio Itajaí, até mais de 800m em áreas como o Morro do Cachorro e Morro do Baú, situados ao sul. O relevo consiste de elevações na forma de morros e montanhas, com vales encaixados. As planícies fluviais não são extensas, a não ser aquela que se desenvolve no médio e baixo vale do rio Luís Alves. Há muitas planícies fluviais do tipo alveolar, ou seja, pequenas planícies fechadas. Nos fundos de leitos fluviais, é possível observar afloramentos rochosos, formando corredeiras e pequenas cachoeiras. Estas são rochas mais resistentes e em observações em campo foi possível observar veios de quartzo e rochas cataclásticas muito fraturadas. A maior parte dos terrenos da bacia é constituído por gnaisses enderbíticos segundo Fornari (1998), os quais são constituídos por plagioclásio, quartzo e piroxênio. Com essa constituição mineralógica e sob o clima quente e úmido presente na região, se desenvolve um manto de alteração bastante espesso, como é observado em vários cortes de encosta presentes na área de estudo. No entanto, nas zonas de cisalhamento e falhamentos há a formação de rochas miloníticas, quartzitos e veios hidrotermais (FORNARI, 1998). Segundo este autor, podem ser encontradas cristas no relevo formadas por quartzitos com extensão de mais de 300m. Os lineamentos na área de estudo condicionam significativos trechos de rios e de divisores d’água, muitos destes últimos ocorrem na forma de cristas. Ao sul da bacia, há segmentos de rios encaixados em falhas conjugadas 60-120 graus, como é o caso do rio Serafim e seu afluente o rio do Bugre, indicando processos compressionais nas rochas desta região no passado. Os principais lineamentos mapeados em função de sua visibilidade por causa do extenso alinhamento de trechos de divisores d’água e de vales apresentam direção NE – SW e até quase N – S. Fornari (1998) coloca que estas direções representam as foliações metamórficas regionais e fraturas, sendo características do primeiro evento deformacional que a região passou. Este evento foi de caráter cisalhante. Contudo, estas direções de lineamentos também foram identificadas por Fornari (1998) como resultado da deformação rúptil gerada pelo terceiro evento tectônico que ocorreu neste trecho da litosfera. Ao autor coloca que as direções preferencias dos falhamentos desenvolvidos neste evento foram NNE e N-S. Também, neste evento devem ter sido geradas as rochas cataclásticas observadas em campo. Secundariamente é possível observar a direção E – W com variações nas direções N30°W e N30°E. Estes lineamentos são menos extensos e em menor número na área de estudo, sendo resultado do segundo evento tectônico que ocorreu na área, o qual teve caráter dúctil segundo Fornari (1998). Isto permitiu grandes deformações nas rochas e injeção de fluidos hidrotermais, criando e modificando as rochas pré-existentes. Fornari (1998) comenta que este evento desenvolveu lineamento secantes e até perpendiculares aos criados pelo primeiro evento. Desta forma, os lineamentos encontrados na área de estudo representam tectônica rúptil e dúctil, o que criou fraturas, planos de falhas e ainda a geração de rochas cataclásticas, veios hidrotermais com minerais mais resistentes (quartzo e feldspato possivelmente), bandeamentos gnáissicos regionais. Houve a quebra dos materiais rochosos e a formação de novas litologias em uma geometria muito complexa por causa da sobreposição de eventos de deformação. Foram criadas partes mais ou menos fraturadas em um mesmo corpo rochoso e/ou litologias diversas, mas próximas, pela ação de metamorfismo dinâmico e ação hidrotermal. Esta complexidade das litologias na área de estudo condiciona o intemperismo diferencial, o que faz com que tenham propriedades mecânicas e hidráulicas diferentes, podendo criar zonas de saturação nas encostas e materiais com menores resistências ao cisalhamento. Também a existência de fraturas e foliações metamórficas podem servir como superfícies de ruptura por causa de suas posições em relação à inclinação e à orientação das encostas. A maior densidade de lineamentos ocorre ao sul do fundo do vale do rio Luís Alves e é também nesta região que estão a maioria dos 474 polígonos de ocorrências de movimentos de massa do desastre de 2008 mapeados (Figura 3). Nesta porção da bacia hidrográfica, ocorre o cruzamento das duas principais direções de lineamentos regionais, produzidos em eventos tectônicos diferentes. Há muitas ocorrências que parecem alinhadas com os lineamentos principais de direção NE-SW. As cicatrizes localizam-se, sobretudo, na porção centro-sul da bacia do Rio Luís Alves conforme mostra a Figura 3. Ocorreram em maior número na sub-bacia do Ribeirão Baú (município de Ilhota), sub-bacia do Ribeirão Braço Baú (Município de Ilhota e uma pequena parte em Luís Alves) e sub-bacia do Ribeirão Sorocaba. Estas áreas citadas também coincidem com o relevo de maior altitude da bacia, ou seja, com modelado de morros e montanhas, provavelmente sustentadas por rochas mais resistentes geradas ou transformadas por falhamentos e/ou injeções hidrotermais. Foi observado que muitas cicatrizes possuíam mais de uma área de ruptura. Isto pode ser explicado por dois motivos. Um deles é que em certas áreas nas encostas, houve rupturas muito próximas umas das outras e seus materiais rompidos coalesceram. O outro motivo é aquele que envolve os movimentos de massa do tipo corrida, pois os materiais liquefeitos que escoavam encosta abaixo escavavam o terreno, o que provocava a retirada do suporte basal das encostas laterais, provocando novas rupturas nestes locais. As encostas dos morros e montanhas são longas, o que facilita e permite a ocorrência de movimentos de massa do tipo corridas de detritos, pois há maior extensão para os materiais mobilizados agregarem água em seu trajeto, principalmente se entrarem nos talvegues (figura 4). Na cicatriz da corrida de detritos da figura 4, foi observado em campo que os materiais mobilizados escavaram o trajeto por onde passavam, deixando afloramentos rochosos. Havia uma sucessão de afloramentos rochosos ao longo deste trajeto, desde gnaisse enderbíticos, veio de quartzo e rochas cataclásticas muito fraturadas. Pela forma alongada de várias cicatrizes e pela visualização dos depósitos de sedimentos espraiados nas planícies dos fundos de vales, pode-se supor que muitos dos movimentos de massa caracterizam corrida de detritos. A mobilização do manto de alteração nas rupturas ou nas zonas de passagens de corridas gerou depósitos de sedimentos significativos nos fundos dos vales, inclusive com mudança das feições destes locais, produzindo entulhamento e reentalhamento pela drenagem. É interessante destacar que a maioria das ocorrências de movimentos de massa observados nas fotos aéreas, imagens e em campo apresentava os materiais rompidos e mobilizados completamente liquefeitos, o que pode indicar um alto grau de saturação no momento da ruptura ou no seu trajeto encosta abaixo.

Figura 1

localização da Bacia do Rio Luís Alves,SC

Figura 2

Mapa planialtimétrico da bacia do rio Luís Alves, SC

Figura 3

Mapa de lineamentos da bacia do rio Luís Alves, SC

Figura 4

Cicatriz de corrida de detritos no Ribeirão Máximo, porção sul da bacia do rio Luís Alves.Observar que a corrida começa em segmento reto da encosta e depois encontra um talvegue onde ganha mais água e se torna mais móvel. Notar também que há uma parte da

Considerações Finais

A bacia do rio Luís Alves apresenta muitos lineamentos estruturais que foram gerados em eventos de deformação diferentes. Estes lineamentos, além de representar vários fraturamentos nas rochas também permite a criação de rochas diferenciadas por metamorfismo de atrito. Também, os eventos deformacionais tiveram a participação de injeções hidrotermais que seguiram pelas juntas/falhas, criando também novas rochas. O mapeamento dos lineamentos presentes na área de estudo mostrou que a maior densidade deles está ao sul da bacia e que a direção dos principais lineamentos é NE-SW e que a outra direção predominante é quase ortogonal a esta, criando cruzamentos. Foi possível observar também cruzamentos com configuração 60-120º, o que indica movimentos de compressão na região. A sobreposição do mapeamento das cicatrizes dos movimentos de massa com a localização dos lineamentos presentes mostrou significativa correspondência onde há maior ocorrência de lineamentos e seus cruzamentos. Muitas cicatrizes se dispõem no relevo ao longo de direções preferenciais. A ligação ocorrência de movimento de massa – presença de lineamentos provavelmente ocorre em função da criação de heterogeneidades nos maciços rochosos e seus respectivos mantos de alteração pela geração de novas rochas e de regiões mais ou menos fraturadas em um mesmo corpo rochoso, o que facilita a existência de materiais com diferentes comportamentos mecânicos e descontinuidades hidráulicas.

Agradecimentos

Referências

CROZIER, M. J. Landslide: causes, consequences & enviroment. London: Crom Helm Ltd., 1986. 252p.
FERNANDES, N. F.; AMARAL, C. P. Movimentos de massa: uma abordagem geológico-geomorfológica. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (Eds.) Geomorfologia e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 123-194.
FORNARI, A. Geologia e metalogênese da porção meridional do Cráton Luís Alves/SC. 1998. 136p. Tese (Doutorado em Geociências). Programa de Pós-Graduação em Geociências da Universidade de Campinas. São Paulo, 1998.
SELBY, M. J. Hillslope materials & processes. New York: Oxford University Press, 1993. 451p.
SERRANO, Ioruá Giordani. Modificações impostas às atividades agropecuárias pelo desastre de 2008, nas planícies do Ribeirão Sorocaba, Luís Alves/SC. 2011. 56 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Curso de Geografia, Florianópolis, 2011.