Autores
Vargas, K.B. (UEM) ; Sordi, M.V. (UFMG)
Resumo
O centro norte paranaense, na transição do Segundo para o Terceiro Planalto Parananese, é caracterizado por um relevo serrano, com baixos e altos topográficos. Foram escolhidas 7 bacias hidrográfica para possibilitar aplicação da integral hipsométrica e construção das curvas. Baseou-se na metodogia de Straler (1952), adaptada por Perez-Peña et al.(2009). O objetivo foi analisar a evolução de superfícies geomorfológicas a partir da metodologia supracitada. Os resultados mostram uma diferenciação das bacias hidrográficas a partir de duas variáveis: (i) unidade geomorfológica e (ii) erodibilidade do substrato. As bacias hidrográficas as quais drenam o Terceiro Planalto Paranaense, sustentadas por rochas mais resistentes, apresentam valores de Hi mais elevados, revelando superfícies mais antigas. No Segundo Planalto Paranaense as rochas sedimentares friáveis possibilitaram intensa dissecação refletindo em valores de Hi mais baixos e em superfícies mais jovens.
Palavras chaves
CURVAS HIPSOMÉTRICAS; SUPERFICIES GEOMORFOLÓGICAS; SERRA DO CADEADO
Introdução
O uso de curvas hipsométricas como ferramenta de análise geomorfológica remonta ao final do século XVIII, mas foi aprimorada com o passar dos anos. De acordo com Silva (2013) apud Zãvoianu (1985), o princípio da metodologia foi proposto por Karl Koritska em 1854, ao demonstrar que para determinar altitudes de um relevo, era necessário dividi-lo em seções horizontais, noção retomada por Albert de Lapparent em 1883, que desenvolveu a representação gráfica do cálculo. No entanto na década de 1950, tal metodologia ganhou novo impulso com o trabalho intitulado “Hypsometric (area-altitude) analysis of erosional topography” de A. N. Strahler (1952), estreitando a relação entre o método e a análise do estado evolutivo das paisagens. Esta análise se baseia na perspectiva dos ciclos de erosão de Davis (1899), que estabelece uma hierarquização e cronologia para o grau de dissecação do relevo. Segundo Strahler (1952) a aplicação da metodologia, que relaciona a área da bacia e a altitude, permite identificar a existência de ciclos de erosão, paleosuperficies e também o grau de dissecação das bacias hidrográficas. Atualmente tal metodologia foi adaptada ao uso Sistemas de Informação Geográfica (SIG), facilitando a aplicação do modelo. Destacam-se recentemente as pesquisas de Riffel (2005), na bacia de Curitiba, estado do Paraná, Maroukian et al., (2008), na península Perachora, no leste do Golfo de Corinto (Grécia), Walcott e Summerfield (2008), em bacias hidrográficas do sudeste da África, Pérez-Penã et al., (2009), no sudeste da Espanha, Grohman e Riccomini (2012) no centro leste brasileiro, Andrades Filho (2011) na bacia do Parnaíba e Silva (2013) no sudeste do estado de São Paulo, na bacia do ribeirão Laranjeiras, sopé da Serra de Paranapiacaba. No entanto, observa-se que, apesar de constituir uma técnica simples e de baixo custo, o uso da integral hipsométrica da bacia hidrográfica ainda é pouco difundido no cenário geomorfológico brasileiro. A despeito de sua subutilização, tal método pode contribuir para a análise da evolução das paisagens em longo-termo. Tendo como objetivo analisar a evolução de superfícies geomorfológicas no centro norte paranaense, foram selecionadas 7 bacias hidrográficas afluentes do rio Ivaí: rio das Antas, Apucaraninha, Preto, Claro, Bom, Chupador e Alonzo. As bacias hidrográficas analisadas encontram-se nas adjacências da Serra do Cadeado, que é um prolongamento da Serra Geral no centro norte do estado do Paraná. Essa Serra caracteriza-se por relevos típicos de cuesta, na área de transição entre o Segundo e o Terceiro Planalto Paranaense.
Material e métodos
As curvas hipsométricas são produzidas a partir de dados altimétricos. Para isso foram obtidos dados a partir de cenas SRTM provenientes do projeto TOPODATA (VALERIANO, 2005). A partir dos dados SRTM também foram delimitadas as bacias hidrográficas de interesse. A base para elaboração do mapa geológico foi obtida no site do ITCG-PR (Instituto de Terras, Cartografia e Geodésia do Paraná) <www.itcg.pr.gov.br>, acessado em 15/01/2016. De posse dos shapefiles do limite das bacias e dados altimétricos, as curvas hipsométricas foram elaboradas no ambiente do software ArcGis® 10.1, através da extensão CalHypso (Perez-Peña et al., 2009). A extensão cria, para cada bacia, uma curva hipsométrica onde se comparam a área acumulada (eixo Y), e a altitude média acumulada (eixo X). A extensão ainda calcula os momentos estatísticos da curva hipsométrica, baseando nas proposições de Harlin (1978), como descrevem Perez-Peña et al. (2009). Segundo Perez-Peña et al., (2009) esses momentos estatísticos podem ser utilizados para caracterizar a forma da curva hipsométrica e assim quantificar as mudanças na morfologia das baias hidrográficas. Em muitos casos, esses parâmetros são muito úteis para análises hipsométricas, especialmente em bacias com integrais hipsométricas semelhantes mas formas diferentes. De acordo com Strahler (1952), altos valores da integral hipsométrica (Hi), acima de 0,6, apontam um estágio próximo a juventude. Por outro lado valores entre 0,6 e 0,35 são característicos de relevos em estágio de dissecação madura. Superfícies com estágio erosivo avançado apresentam valores de Hi abaixo de 0,35. Para Grohmann e Ricomini (2012), as curvas suaves em formato de "S" passando pelo centro do diagrama caracterizam paisagens maduras (em equilíbrio) e curvas com concavidade para cima e baixos valores da integral representam paisagens antigas e dissecadas, já as curvas com concavidade para baixo e altos valores da integral são típicas de paisagens jovens, pouco dissecadas (em desequilíbrio). Segundo Strahler (1952), a integral hipsométrica apresenta correlação inversa com os valores de desnivelamento altimétrico, declividade, densidade de drenagem e gradiente dos canais de drenagem.
Resultado e discussão
O recorte da área da presente pesquisa irá abranger uma superfície 2.930 km²
no Centro Norte Paranaense, a qual abrange as cartas topográficas de
1:50.000 de Rio Bom, Mauá da Serra, Faxinal e Bairro dos França. A área
encontra-se na transição Segundo para o Terceiro Planalto Paranaense, nas
bordas planálticas da Bacia Sedimentar do Paraná (figura 1).
De acordo com Strahler (1952), a integral da curva hipsométrica (a área sob
a curva) representa o volume de material existente acima ou abaixo de um
nível de referência, onde as curvas e integrais hipsométricas podem ser
interpretadas em termos de grau de dissecação e idade relativa a formas de
relevo (figura 2).
O índice da integral hipsométrica (Hi) foi aplicado para 7 bacias
hidrográficas (BH), sendo elas: rio das Antas, rio Apucaraninha, rio Claro,
rio Preto, rio Bom, rio Chupador e rio Alonzo, as quais estão delimitadas
sobre o mapa geológico da área de estudo (Figura 3), de modo a associar os
resultados da Hi com o contexto litoestrutural da área de estudo.
Das sete bacias hidrográficas estudadas, três delas (rio Bom; rio Chupador e
rio das Antas) drenam o reverso da Serra Geral, tendo o substrato
constituído por rochas vulcânicas da Formação Serra Geral (Figura 3). Outras
quatro bacias (rio Apucaraninha; rio Claro; rio Preto e rio Alonzo) drenam o
front da Serra Geral e apresentam embasamento mais complexo: rochas
vulcânicas da Formação Serra Geral nas áreas mais elevadas e rochas
sedimentares (Formação Botucatu, Rio do Rasto e Teresina) nas áreas mais
rebaixadas (Figura 3).
A BH do rio Bom apresentou índice Hi 0,53, e sua curva exibe um trecho
inicial retilíneo e seguindo forma côncava até o fim do perfil. É uma das
menores bacias analisadas, em área drenada, mas que apresenta o maior índice
Hi. Ela encontra-se estruturada sobre basaltos das Formação Serra Geral. A
BH do rio Chupador apresenta-se semelhante a do rio Bom, tanto com relação
ao índice Hi (0,52) quanto ao modelado da curva. Ambas as bacias são
embasadas pelos basaltos da Formação Serra Geral.
A BH do Rio das Antas encontra-se inserida no norte da área, entre as bacias
do rio Bom e Chupador, apresentando índice Hi semelhante às bacias
supracitadas (0,46). A curva apresenta forma retilínea, com suave mudança do
padrão para côncava ao final. Está bacia tem seu maior domínio sobre os
basaltos da Formação Serra Geral.
A bacia hidrográfica do rio Apucaraninha apresentou índice Hi de 0,35. A
curva da integral inicia-se como suavemente côncava, modificando-se para
levemente convexa no fim do perfil (Figura 4). Apesar de, no trecho
estudado, esta bacia drenar apenas rochas da Formação Serra Geral, ela na
verdade pertence ao Segundo Planalto Paranaense.
As bacias dos rios Claro e Preto estão localizadas no quadrante nordeste da
área de estudo, inseridas em uma área de transição litológica e apresentam
índice Hi próximo (Figura 4). Na bacia hidrográfica do rio Claro o índice Hi
é 0,34, caracterizado por uma curva retilínea (Figura 4), enquanto na bacia
do rio Preto o índice Hi=0,40 e a curva mostra tendência a retilinearidade,
assumindo forma suavemente côncava no segmento final do perfil. O formato
das curvas evidencia a maior exposição aos efeitos erosivos em comparação as
bacias vizinhas. A geologia dessas bacias hidrográficas compreende as
Formações Serra Geral, Botucatu e Rio do Rasto. A característica
diferenciada dessas curvas se deve a maior declividade e complexidade
litoestratigráfica na área da borda planáltica (Figura 4). A mudança para
forma côncava na curva do rio Preto está associada as variações topográficas
locais, relacionadas ao Alto Topográfico de Mauá da Serra.
A bacia do rio Alonzo, no sul da área de estudo, apresentou Hi de 0,28, e o
formato da curva exibe tendência a forma côncava (Figura 4), sugerindo uma
maior dissecação do relevo e consequentemente um relevo mais antigo. A
geologia se constitui de rochas sedimentares Paleozoicas e Mesozoicas das
Formações Teresina, Rio do Rasto, Pirambóia e Botucatu, as quais já foram
intensamente erodidas.
No presente estudo, podem se diferenciar dois comportamentos heterogêneos
quanto à forma das curvas e o valor da integral hipsométrica. O primeiro
deles, se refere as bacias que drenam o reverso da Serra Geral, embasadas
por rochas vulcânicas, mais resistentes, com menor declividade. Essas
características se referem as bacias do rio Chupador, Bom e das Antas. Essas
bacias apresentam curvas hipsométricas retilíneas com trechos finais
tendendo a concavidade. Os valores do Hi estão acima de 0,45.
Por outro lado as bacias dos rios Apucaraninha, Claro, Preto e Alonzo,
apresentam curvas que tendem a convexidade, especialmente em seu trecho
final. Da mesma forma, os valores de Hi são mais baixos – abaixo de 0,4.
Esses dados confirmam estudos prévios que afirmam que as variações
litológicas podem interferir na análise hipsométrica devido ao diferente
grau de resistência dos tipos litológicos à denudação, uma vez que as
variáveis devem ter correlação direta com taxas de denudação, a integral
hipsométrica deve ser inversamente proporcional à erosão de uma dada área
(ANDRADES FILHO et al., 2011; GROHMANN e RICCOMINI, 2012).
Pode-se interpretar que as bacias hidrográficas do front apresentam
maiores taxas de erosão e, por consequência, menor maturidade, também por
drenar substratos mais friáveis. No reverso, porém, as maiores resistências
das rochas vulcânicas são responsáveis por controlar o processo denudacional
onde as taxas denudação são menores e as formas do relevo são mais antigas,
mantendo-se melhor preservadas ao longo do tempo.
Dentro da mesma unidade geomorfológica, porém, ocorrem discrepâncias. Por
exemplo, o valor do Hi da bacia hidrográfica do rio Preto (0,4), se
comparado com as bacias vizinhas da mesma unidade geomorfológica,
principalmente com a bacia do rio Alonzo (Hi = 0,28), que encontra-se também
embasada por rochas da Formação Rio do Rasto, pode ser considerado anômalo.
Tal diferenciação no valor Hi, estaria associada a atividade neotectônica no
Alto Estrutural Mauá da Serra (FORTES et al., 2014). De acordo com os
autores, a atividade tectônica quaternária local é sugerida pela presença de
falhas normais em estilo dominó em rochas da Formação Rio do Rasto e que
afetam as coberturas inconsolidadas quaternárias.
Além disso a hierarquização da drenagem mostra que a instalação da rede de
drenagem da bacia do rio Preto é posterior a da bacia do rio Alonzo. Tal
fato justificaria a diferença de dissecação entre as duas bacias
identificadas por meio do índice Hi. O baixo topográfico do rio Alonzo marca
uma importante descontinuidade no padrão de relevo regional, cuja posição
atual das escarpas evidencia o recuo erosivo do Alto Estrutural. Localmente,
as cotas altimétricas variam de 500m no baixo topográfico do Rio Alonzo a
1200m nos pontos mais elevados do Alto Estrutural Mauá da Serra.
Estas diferenciações de padrões topográficos sobre a morfologia sugerem
correlação das áreas de topo no reverso, com antigas superfícies de
aplainamento. Atualmente essas superfícies estão sofrendo processo de
denudação o que na literatura clássica permitiria as classificar como
superfícies de erosão. Tais informações necessitam de estudos complementares
específicos para comprovação.
Vale ressaltar ainda que o desnivelamento topográfico ocasionado pelo
soerguimento do Alto Estrutural Mauá da Serra durante o Cretáceo influenciou
diretamente na compartimentação e estruturação da paisagem atual, criando
diferenciações locais do padrão regional.
Figura 1: Localização da área de estudo.
Figura 2: Relação entre forma da curva e maturidade da paisagem. Adaptado de Perez-Peña et al., 2009
Figura 3: Localização das bacias hidrográficas as quais foram aplicados o índice da Integral Hipsométrica.
Figura 4: Integral Hipsométrica das bacias hidrográficas analisadas do centro norte paranaense.
Considerações Finais
O uso da integral hipsométrica, como técnica geomorfométrica, apresentou resultado satisfatório na área de estudo, sendo que esta apresenta grande complexidade geológica e geomorfológica, por corresponder a área de borda planáltica. A técnica foi capaz de diferenciar a morfologia assimétrica e a variações litológicas regionais. A técnica da integral hipsométrica pode auxiliar a compreender o papel do comportamento litológico na estruturação das superfícies geomorfológicas a longo-termo, bem como, identificar o arranjo das camadas através da propriedade de assimetria do relevo e da drenagem, como já discutidos por Soares ; Fiori (1976). No entanto, para poder correlacionar mais precisamente a forma da curva e o índice Hi com as morfoestruturas e morfodinâmicas atuantes na evolução na paisagem são necessárias investigações complementares, como campanhas de campo e a obtenção de taxas de denudação de longo-termo, por exemplo.
Agradecimentos
A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão das bolsas de doutorado para os autores deste artigo.
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