Autores
Gonçalves, R.B. (UFPE) ; Fonsêca, D.N. (UFPE) ; Lira, D.R. (UFS) ; Corrêa, A.C.B. (UFPE)
Resumo
A bacia do rio Mamanguape insere-se no contexto do relevo marginal do Nordeste brasileiro e da abertura do Oceano Atlântico. Apresenta relevo marcado pela alternância de altos e baixos topográficos, transversais à linha de costa, concordantes com os lineamentos geológicos herdados das estruturas antigas, estabelecendo uma morfologia grábens e horsts. Este estudo tem por objetivo auxiliar na identificação das formas e como elas evoluíram ao longo do Cenozoico através do material transportado e como esses depósitos se desajustaram topograficamente a partir da influência da neotectônica. Para extração dos índices RDE foram gerados perfis de relevo onde a relação entre declividade e extensão do canal expõem seus trechos anômalos. A partir da análise dos perfis de drenagem foi possível concluir que a área da bacia em apreço possui anomalias das variadas ordens, concentrando a maioria delas na porção Oeste, onde se aloca o Planalto da Borborema.
Palavras chaves
Rio Mamanguape; RDE; Anomalias
Introdução
A evolução geomorfológica depende de uma interação dinâmica entre os fatores endógenos e exógenos de formação do relevo. Os fatores exógenos desencadeiam processos denudacionais e deposicionais que, associados aos processos endógenos, fornecem os registros morfológicos necessários para o estudo da evolução da paisagem. Inúmeras pesquisas vêm sendo realizadas desde o início da década de 1940 no intuito de identificar e classificar as superfícies deposicionais no território brasileiro, a partir da delimitação de grandes compartimentos regionais calcados em sucessivos eventos erosivos de escala temporal longa (BIGARELLA & AB’SABER, 1964; DEMANGEOT, 1961; DEMARTONNE, 1943; DRESCH, 1957; RUELLAN, 1956). As bacias sedimentares marginais brasileiras, apesar de estarem situadas em um contexto tectônico de margem continental passiva, não são completamente inativas tectonicamente, estando sujeitas a uma lenta e contínua deformação tectônica, que até mesmo ao longo do Quaternário, tem resultado na modificação morfológica das áreas fontes e receptoras de sedimentos terrígenos (OLLIER, 1985; THOMAS, 1994). Embora a maior parte da sua evolução geomorfológica dependa do complexo tectônico/estrutural herdado das fases de rifteamento continental do Mesozoico Superior são notáveis as evidências de reativações tectônicas ocorridas ao longo do Cenozóico, estabelecendo uma nova hierarquização de formas denudacionais e agradacionais sobrepostas ao arcabouço mais antigo. Nesta linha de investigação, estudos geocronológicos recentes têm mostrado que a porção oriental da Província Borborema, e suas bacias marginais adjacentes, vêm sofrendo episódios recorrentes de epirogênese pelo menos desde o final do Cretáceo, e especialmente durante o Neógeno (LIMA FILHO et al, 2006, BEZERRA et al., 2008). Segundo Gerbova & Tikhomirov (1962) a neotectônica vem chamando a atenção de estudiosos desde o século XIX, quando pesquisadores russos como I.D. Sokolov, em 1939, e G.E. Schurovsky, em 1965 perceberam que a configuração da crosta da Terra não acontecera apenas no passado, como se defendia naquela época, mas ocorreria também no tempo presente. Então, começaram a surgir as primeiras metodologias de reconhecimento de movimentos neotectônicos, estando relacionados com as mudanças e geração de novas formas na paisagem geomorfológica. Sendo relevantes para o desenvolvimento dessa fase inicial, os estudos de W.M. Davis em 1899, A. Penck em 1924 e G.F. Mirchink em 1929, dentre outros.
Material e métodos
Perfil Longitudinal de um Rio O perfil longitudinal de um rio é entendido como sendo a curva obtida através de dados plotados em gráfico de coordenadas cartesianas, cujas coordenadas correspondem à altitude (H) em relação à distância da jusante (L) expressa pela equação: H=f(L) da qual a tangente resultante expressa o gradiente do canal no trecho estudado (MARTINEZ, 2005). McKeown et al (1988) enfatizam que a forma do perfil longitudinal de um curso fluvial deve ser entendida como em equilíbrio ao apresentar uma típica forma côncava. Na perspectiva proposta por Hack (1957) o perfil vai refletir o estado de equilíbrio da drenagem e qualquer alteração no mesmo levaria o rio a se ajustar na busca de um novo equilíbrio, erodindo seu próprio leito ou gerando agradação. A partir desta ideia, entende-se que trechos da drenagem que estejam fora da curva de equilíbrio indicam que a drenagem se encontra desajustada. Nestes casos pode-se interpretar as anomalias como indicativas de atividade tectônica recente (ETCHEBEHERE et al., 2004), assim como de diferença estrutural ou litológica sobre a morfologia do sistema (MONTEIRO, 2010). Análise do Índice de Relação entre Declividade – Extensão (RDE) Ao propor o emprego de um índice que relacionasse a declividade e a extensão de um rio para identificar trechos fora do padrão considerado normal, Hack (1973) contribuiu para evidenciar e favorecer a identificação de setores anômalos no gradiente do perfil longitudinal, tomando como pressuposto que este deveria apresentar uma diminuição gradativa da declividade desde a cabeceira até a foz (MARTINEZ, 2005). A utilização deste índice permite identificar, ao longo do perfil longitudinal do rio, alterações em seu curso "ideal", pois relaciona a declividade do canal fluvial com a extensão do trecho em apreço, fornecendo um índice comparativo entre trechos de um curso d'água de diferentes magnitudes. O Índice de Hack - IH por trecho é calculado através da seguinte fórmula: SLtrecho=(Δh/Δl)*L onde Δh é a diferença altimétrica entre dois pontos selecionados do curso d’água, Δl corresponde à projeção horizontal do trecho analisado e L é a extensão total do canal desde a nascente até o ponto final para onde o índice está sendo calculado. Da mesma forma é possível calcular o IH de um canal fluvial em toda a sua extensão. Para isto considera-se a diferença altimétrica entre a cota superior e a inferior do canal, ou seja, o ΔH da cabeceira até a foz (em metros) e o logaritmo natural da extensão total do curso de água, sendo a fórmula: SLtotal=ΔH/lnL Seeber & Gornitz (1983) consideraram como anômalos os índices de SLtrecho que, quando divididos pelo índice de SLtotal, resultaram em valores acima de 2 (dois). Estas anomalias se subdividem em anomalias de segunda ordem, cujos valores estão entre 2 (dois) e 10 (dez) e as anomalias de primeira ordem que possuem valores iguais ou superiores a 10 (dez). As anomalias de primeira ordem são encontradas em trechos onde a declividade é bastante elevada, ou seja, setores em que o rio não teve tempo ou competência para suavizar o perfil, enquanto que as anomalias de segunda ordem são encontradas em trechos com declividade pouco acima da curva normal para o padrão da drenagem. Desta forma, a partir da análise do perfil longitudinal de um rio e da aplicação de parâmetros morfométricos, a exemplo do IH, pode-se apresentar um esboço das características de uma drenagem, no que diz respeito às feições estruturais e tectônicas desenvolvidas.
Resultado e discussão
Setores anômalos foram encontrados em toda extensão da bacia, sejam de
primeira ou segunda ordem. Percebe-se que a maior concentração de anomalias
de primeira ordem está situada no setor noroeste e nordeste da bacia. Sobre
estes setores que se localizam os principais afluentes da margem esquerda do
rio Mamanguape, além da maior concentração de canais, fato que corrobora a
ideia de assimetria da bacia e maior atuação do controle tectono-estrutural.
Os setores de anomalia de primeira ordem da área pertencente ao Planalto da
Borborema são nitidamente condicionados pelas reativações das zonas de
cisalhamento brasilianas, que criaram zonas de fraqueza e juntamente com as
diferenças da dureza de rochas estabelecem boa parte dos knickpoints nestes
setores, partindo para uma análise mais detalhada dos perfis longitudinais,
pode-se perceber que alguns perfis possuem comportamentos semelhantes, sejam
eles ligados às configurações litológicas e/ou tectono-estruturais.
O principal corpo hídrico da bacia, o rio Mamanguape, possui inúmeras
quebras de patamares nos primeiros 40 quilômetros, estando acima da chamada
linha de tendência para o curso normal (Figura 01), correspondendo a uma
área que ainda se encontra em processo de suavização do relevo, e, portanto,
ajuste do curso do rio. O trecho em questão está associado a zonas de
cisalhamento e alternâncias bruscas nas características litológicas,
resultando em vários trechos com anomalias de primeira ordem. O maior valor
de anomalia (133,9) encontrada na cota de 300 metros, pode ser considerado o
knickpoint de ruptura da escarpa do Planalto da Borborema neste setor.
Figura 01. Perfil Longitudinal do Rio Mamanguape.
A partir desse patamar, a drenagem tende a assumir um perfil mais semelhante
à linha de tendência, mesmo apresentando algumas quebras de patamar
relacionadas às mudanças litológicas, até novamente apresentar um trecho de
desajuste na cota de 60 metros, que possivelmente está relacionado à ruptura
para o Gráben do Mamanguape.
Comportamento semelhante pode ser observado no perfil longitudinal do rio
Zumbi, afluente direto do rio Mamanguape, sendo um dos poucos localizados à
margem direita do curso principal da bacia. Tem suas nascentes no município
de Massaranduba, estando seu curso atravessando o Agreste paraibano, até
confluir com o rio Mamanguape no município de Alagoa Grande. Não apresenta
um perfil longitudinal com uma concavidade contínua que possa ser
considerada “normal”, demonstrando que a drenagem ainda não atingiu o seu
perfil de equilíbrio (Figura 02).
Figura 02. Perfil Longitudinal do Rio Zumbi.
Em toda sua extensão pôde-se encontrar setores anômalos, sejam de primeira
ou segunda ordem. As anomalias de primeira ordem estão concentradas entre as
cotas de 320 e 200 metros, sendo o maior índice encontrado (26,7) situado
também na cota de 320 metros, podendo ser observado no gráfico do perfil
longitudinal do rio, respaldando a ideia que é neste trecho em que há a
quebra de patamar da escarpa da Borborema, tal qual observado no perfil
longitudinal do rio Mamanguape.
A partir deste ponto, há uma alternância entre anomalias de segunda ordem e
de primeira ordem, possivelmente relacionadas aos diferentes tipos
litológicos alternantes entre rochas migmatíticas e metabasálticas. Ademais,
o trecho final da drenagem apresenta um desajuste da drenagem em contas
inferiores à 140 metros e mesmo sendo anomalias de segunda ordem estariam
relacionadas às zonas de cisalhamento de caráter transcorrente e
compressional, fortalecendo o conceito das reativações dessas zonas de
cisalhamento.
O maior afluente do rio Mamanguape, apresenta uma configuração longitudinal
diferente da encontrada no rio Mamanguape. O rio Araçaji apesenta um pouco
mais de 100 quilômetros de extensão, tendo suas nascentes situadas no
município de Areial também no Agreste paraibano, até desaguar no rio
Mamanguape no município de Araçagi, cruzando um total de nove municípios.
Ao longo de todo o percurso do rio, há trechos apresentando anomalias de
primeira e segunda ordem muitas vezes alternados por trechos sem anomalia,
conferindo características peculiares ao seu perfil longitudinal. No setor
da cabeceira da drenagem, que corresponde aos primeiros 25 quilômetros do
rio, a análise dos dados apontam para um certo equilíbrio da drenagem,
estando o seu perfil abaixo da linha de tendência e que pode ser corroborado
pelo fato deste trecho estar assentado sobre um único tipo de rocha, sendo
as anomalias encontradas decorrentes a possíveis falhas responsáveis pelos
knickpoints (Figura 03).
Figura 03 Perfil Longitudinal do Rio Araçaji.
A partir da cota de 500 metros, o curso d’água sofre uma mudança para a
direção NW-SE que coincide com o basculamento das morfoestruturas nesta
mesma direção e com a Zona de Cisalhamento Patos que atravessa a área com
direção SW-NE, a grosso modo. Observando o gráfico do perfil longitudinal,
nota-se que é a partir deste ponto que a curva representante da drenagem
apresenta um maior desajuste em relação à curva de tendência e onde se
encontra a maior concentração de anomalias de primeira e segunda ordem.
Este desajuste pode ser explicado pelo soerguimento do Planalto da Borborema
e reativação das zonas de Cisalhamento, fazendo com que a drenagem passasse
a buscar seu novo equilíbrio. As pequenas quebras de patamares que se
observam no perfil longitudinal, explicam-se pelo fato da colagem orogênica
que estrutura o planalto fomentar o trabalho da erosão diferencial a partir
da alternância entre rochas mais ou menos resistentes.
Do mesmo modo dos perfis analisados anteriormente, a partir da cota de 300
metros, ocorre uma série de knickpoints que coincidem com anomalias de
primeira ordem, mas somente a partir da cota de 200 metros ocorre uma quebra
mais acentuada e as anomalias de primeira ordem de maior relevância (110,6;
122), já no final do médio curso do rio Araçaji, demonstrando que neste
setor da bacia a ruptura da escarpa do Planalto da Borborema ocorre numa
altitude inferior, indicando que o recuo da escarpa não se deu de forma
igual para toda a bacia do rio Mamanguape.
O rio Araçaji-Mirim, principal afluente do rio Araçaji, possui metade da
extensão deste (cerca de 51 quilômetros), banhando seis municípios do
agreste paraibano e com suas nascentes no município de Casserenge e foz no
município de Pilões, onde conflui com o rio Araçaji. O perfil longitudinal
do rio Araçaji-Mirim não apresenta concavidade suave e contínua para ser
considerado em “equilíbrio” apresentando configuração semelhante à do rio
Araçaji.
Em seus primeiros trechos apresenta anomalias de segunda ordem bastante
sutis (não superior a 4,0) estando relacionadas a áreas de contato tanto
entre litologias distintas quanto a zonas de cisalhamentos, o que confere
uma curva abaixo da linha de tendência (Figura 04). A partir da cota de 400
metros, o rio muda de direção passando a correr na direção NW-SE, e assim
como no rio Araçaji, corrobora a ideia do basculamento das morfoestruturas
nesta mesma direção. Neste setor, as anomalias de primeira ordem são
responsáveis por uma pequena quebra de patamar – que pode ser observada no
gráfico – e que corresponde às zonas de fraquezas geradas por zonas de
cisalhamento, conferindo inúmeros trechos retilíneos à drenagem.
Figura 04. Perfil Longitudinal do Rio Araçaji-Mirim.
Comparando com a linha de melhor ajuste, o perfil longitudinal do rio
Araçaji-Mirim apresenta a convexidade mais acentuada abaixo dos 350 metros
de altitude, tendo uma leve diminuição somente abaixo dos 200 metros,
demonstrando o desajuste erosivo da drenagem. É neste setor que se encontram
os maiores valores para o índice de Hack nesta drenagem, sobretudo a partir
dos 220 metros que apresenta um valor de 128,9, indicando que a ruptura da
escarpa do Planalto da Borborema neste setor se dá numa altitude menos
elevada.
Figura 01. Perfil Longitudinal do Rio Mamanguape.
Figura 02. Perfil Longitudinal do Rio Zumbi.
Figura 04. Perfil Longitudinal do Rio Araçaji- Mirim.
Considerações Finais
A porção da bacia em que se chamou atenção nesse estudo apresentou maiores concentrações de anomalias de primeira ordem, a assimetria da bacia e a maior atuação do controle tectono-estrutural é fundamentada no fato de que sobre este setor se localizam os principais afluentes da margem esquerda do rio Mamanguape, assim como a maior concentração de canais. Nas áreas em que se configuraram anomalias de primeira ordem dentro do contexto do Planalto da Borborema são claramente relacionados pelas reativações das zonas de cisalhamento, tais zonas de fraqueza associadas as diferenças de dureza de rochas são os responsáveis por criarem quantidade significativa de quebras de patamares, gerando suas respectivas anomalias. Os perfis aqui expostos se apresentaram desajustados em relação às linhas de tendência ideais, para cada rio, com os maiores knickpoints atrelados às principais zonas de cisalhamentos e alternâncias de tipos de corpos litológicos, assim como as maiores quebras encontradas nos quatro perfis demarcam a escarpa do Planalto da Borborema.
Agradecimentos
Referências
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