Autores

Leonardi, F.A. (IFSULDEMINAS - INCONFIDENTES) ; Ladeira, F.S.B. (IG-UNICAMP)

Resumo

O trabalho trata-se do mapeamento de uma superfície laterítica de ferro, na Serra do Rola-Moça e Serra da Calçada (compartimento da Serra do Curral e Serra da Moeda, respectivamente), no Quadrilátero Ferrífero/MG e associação desta às paleosuperfícies e aos patamares altimétricos. Para tanto, elaborou- se um Modelo Digital de Elevação, associando-os com o material de origem, principalmente com as crostas lateríticas presente na área. Portanto, podem-se identificar três patamares principais, as crostas lateríticas aparecem na maioria das escarpas acima de 1400m, de forma bastante plana, abaixo deste patamar apresenta o quartzito, a 1200m de altitude aproximadamente, e, no terceiro patamar estão os vales abertos e colinas amplas ao descer a serra sustentada pelo ferricrete.

Palavras chaves

Quadrilátero Ferrífero; ferricrete; paleosuperfície

Introdução

Tratar de paleosuperfícies no Brasil não é tarefa fácil. Durante as décadas de 1930 a 1970 muitos autores (Moraes Rego, 1932; De Martonne, 1943; Freitas, 1951; King, 1956; Almeida, 1964; Braun, 1971; Bigarella e Ab’Sáber , 1964; Barbosa, 1965; Bigarella e Andrade, 1965) descreveram paleosuperfícies, de acordo com critérios variados, mas em sua maioria não se desprendiam muito do critério altimetria. Especificamente no Quadrilátero Ferrífero, poucos autores se destacaram, dentre eles estão King (1956) e Valadão (2009), com estudo mais recente. Nesta última década os trabalhos com esta ênfase tem ganhado destaque na academia, devido a novos métodos de datação de superfícies, como o traço de fissão, a datação por (U-Th)He e também a datação por 40Ar/39Ar, portanto, a necessidade de associar às paleosuperfíes aos perfis de alteração, no nosso caso, às crostas lateríticas. No entanto, este trabalho tem como objetivo mapear as superfícies lateríticas de ferro (crostas lateríticas), associando-as às paleosuperfícies e aos patamares altimétricos de King (1956). A área de estudo localiza-se no noroeste do Quadrilátero Ferrífero, no entroncamento entre a Serra da Calçada (compartimento do Sinclinal Moeda) e a Serra do Rola Moça (compartimento da Serra do Curral). O Sinclinal Moeda estende-se por aproximadamente 40Km, engloba praticamente todas as unidades litoestratigráficas do Quadrilátero Ferrífero, faz contato com o Complexo Metamórfico Bonfim (à oeste), e com o Complexo Metamórfico Bação (à leste). Possui um flanco normal, de direção N-S, oeste, e um flanco inverso, leste, de direção NW-SE, na porção norte, e que contorna o Complexo Metamórfico Bação no domínio sul (SILVA e GOMES, 2001). O compartimento ocidental do Sinclinal Moeda se estende de Norte para Sul, inicia-se ao norte, onde se encaixa na estrutura da Serra do Curral e vai até se perder nas rochas granitoides, nas proximidades de Jeceaba (BARBOSA, 1980). Segundo o autor (op cit) tanto na Serra da Moeda quanto na Serra do Curral o aplainamento se prende no nível de 1367m, separado por “Wind gaps” com topos marginais nivelados e muito próximos, portanto, uma continuidade da superfície entre a Serra da Moeda e do Curral, mesmo admitindo que as serras não apresentam um nível regular. A Serra do Curral está alinhada de SW para NE, se estende por mais de 80Km, desde as proximidades de Itaúna até a Serra da Piedade ao norte de Caeté, com os nomes locais de Serras da Mutuca, Rola-Moça (área de estudo), Três Irmãos, Itatiauçu, Azul, etc. (BARBOSA, 1980). De modo geral, o Quadrilátero Ferrífero localiza-se na parte central do estado de Minas Gerais, possuindo cerca de 7.200 km2.

Material e métodos

Uma das primeiras etapas do trabalho foi a elaboração do Modelo Digital de Elevação (MDE) do Quadrilátero Ferrífero, destacando os principais patamares altimétricos da área. O MDE foi elaborado no Sistema de Informação Geográfica “ArcGis 9.3”, com base em imagem de radar topográfico SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), na escala de 1:250.000. A identificação dos perfis lateríticos foi realizado preliminarmente através do processamento digital da imagem do sensor ETM+ (Enhanced Thematic Mapper Plus) a bordo do satélite Landsat 7 de 26 de junho de 2000, com resolução de 30m, órbita/ponto 218/74, que foi adquirida gratuitamente no site da Global Land Cover Facility (ftp://ftp.glcf.umd.edu/glcf/Landsat/). Além da identificação dos perfis lateríticos de ferro representativos na área, esta imagem serviu mais tarde para a pré-seleção de áreas com crostas lateríticas com o objetivo de orientar o mapeamento deste tipo de alvo nas áreas de detalhe no quadrante noroeste do Quadrilátero Ferrífero (Serra do Rola Moça e Serra da Calçada). O processamento da imagem Landsat teve por finalidade o entendimento do comportamento espectral dos alvos para manipulação das bandas do sensor ETM+ objetivando o realce de áreas ricas em ferro. Por fim, elaborou-se um mapa da distribuição dos perfis lateríticos de ferro presentes na área com base nas informações de campo, cartas topográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na escala de 1:50000 e no mapa geológico (LOBATO et al, 2005).

Resultado e discussão

Mapeamento da Superfície Laterítica de Ferro As áreas onde são demarcadas paleosuperfícies no Quadrilátero Ferrífero guardam algumas características comuns e também muitas diferenças, principalmente se tratando do material na qual as crostas evoluíram e diferenças também relacionadas às altimetrias na qual elas se apresentam. Na região noroeste do Quadrilátero Ferrífero a superfície laterítica de ferro (ferricrete) é relativamente fácil de ser mapeada em campo através de sensores remotos, principalmente porque a vegetação se restringe a espécies que sobrevivem em ambiente com falta de nutrientes e água, devido ao horizonte litoplíntico, que impede o aprofundamento do sistema radicular das plantas e a circulação da água, que se limita às fraturas e diaclases que por ventura ocorram. Quando o ferricrete apresenta-se mais fragmentado, permite a permanência de uma vegetação com porte maior, mas ainda bastante deficiente em nutrientes. É bastante comum a presença no ferricrete de cavernas e grutas, como já mapeado por pesquisadores na área de espeleologia (SIMMONS, 1963; AULER e PILÓ, 2005; FERREIRA, 2005; OLIVEIRA et al, 2011). Para Simmons (1963) algumas cavernas derivam de processos de erosão (erosão de partículas de granulometria fina devido processos do tipo piping), algumas de dissolução (pode ser da sílica, do dolomito, também do quartzo e até da hematita) e outras formam da ação combinada de erosão e dissolução. Nesta área (Figura 1), a superfície laterítica apresenta-se acima de 1400m de altitude, no patamar mais alto das Serras do Rola Moça e também da Serra da Calçada (Compartimento da Serra da Moeda). A 1000-1300m, encontram-se a base do perfil laterítico, com fragmentos da rocha e não crostas lateríticas. A superfície dá suporte aos caminhos principais e também aos pontos de visitação do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, apresenta uma superfície bem plana, mantendo-se o topo da escarpa, que chegam a 300m de altura, com os últimos 30m de crosta laterítica (Figura 2). Por conseguinte, não houve tanta dificuldade para mapear esta superfície, visto que ela se encontra nos topos de morros e em áreas abertas, onde a vegetação não tem um grande porte e as superfícies permeiam as estradas principais. O resultado do mapeamento desta área pode ser visto na Figura 3. A crosta laterítica não tem espessura homogênea, sendo que em determinados locais possuem 1m e em outros chegam até 30m de espessura, aproximadamente. Entre a crosta laterítica e o horizonte imediatamente inferior formam cavas onde o material mais friável é removido e a crosta fica ressaltada na paisagem. Nesta região o ferricrete evoluiu da rocha in situ (itabirito), de acordo com Lobato et al (2005). O itabirito apresenta-se invertido, em decorrência do forte dobramento que afetou as unidades do Supergrupo Minas. Em patamar mais baixo que a superfície de ferricrete, em torno de 1200-1300m de altitude, pode ser observada áreas com quartzito apresentando-se deformado por dobramentos, com lineamento no sentido N-S, na Serra do Ouro Fino. Escarpas, limites e rede de drenagem Na maioria dos limites da superfície laterítica estão as escarpas com desníveis que chegam a 500m, principalmente na Serra do Rola Moça. Em algumas áreas a base está em torno de 1000m de altitude e o topo a 1500m. O contato da crosta com o vale é abrupto, resultado da erosão mecânica, pois muitas escarpas trazem cicatrizes de solapamentos, devido à ocorrência de fraturas no ferricrete que futuramente levam a desabamentos. Analisando a geomorfologia do setor sudeste da área mapeada, especificamente na Serra da Calçada (compartimento da Serra da Moeda), a declividade do terreno é menor a leste desta Serra, aos arredores do Jardim Canadá e do Condomínio Retiro das Pedras – Nova Lima/MG, onde as vertentes são menos escarpadas; e maior a oeste da mesma Serra (sentido a Casa Branca, Município de Brumadinho/MG), onde formam paredões abruptos. Na imagem abaixo (Figura 4) pode ser observado à direita a Serra da Calçada (no patamar mais alto) e à esquerda a Serra do Rola-Moça, com destaque ao segundo patamar, que apresenta um afloramento de quartzito na Serra do Ouro Fino (1200m de altitude), com superfície de caimento de 45° aproximadamente e ainda no patamar mais baixo o vale onde se encontra o povoado de Casa Branca, no município de Brumadinho – MG. Paleosuperfícies no Quadrilátero Ferrífero King foi um dos precursores da discussão sobre as paleosuperfícies nesta área. Ele faz observações de campo em grande parte do Brasil, especialmente em Minas Gerais. Das suas observações podemos destacar a superfície Gondwana, Post-Gondwana e a Sul-Americana na área. A superfície Post-Gondwana, encontra-se em áreas mais restritas, não como um peneplano completo. Para King (1956) ela pode ser observada ao sul de Belo Horizonte, a 1100m de altitude, contrastando com a crista do ciclo Gondwana, na serra da Moeda, a 1400m de altitude, no oeste do Quadrilátero Ferrífero. King (1956) correlaciona uma superfície mais alta muito bem desenvolvida claramente mais jovem que a superfície Gondwana, entre 1300-1400m em algumas partes da região a sul de Belo Horizonte, ao nível post-Gondwana. Segundo Dorr (1969) estas superfícies suavemente onduladas ao qual King se refere ao ciclo post-Gondwana são encontradas no sinclinal Moeda, dissecadas por cursos de água profundamente incisivos. Segundo o autor (op cit) a superfície Sul-Americana no Quadrilátero Ferrífero está entre 800 – 1200m de altitude. King (1956) afirma ainda que as diferenças altimétricas entre as superfícies são, muitas vezes, regulares de região a região. Por exemplo, na região de Itabirito e nas serras ao sul de Itabirito na Serra da Moeda, as superfícies mais altas estão associadas a superfície Gondwana por King, área onde foi mapeada a superfície de ferricrete, a 1400m de altitude. No entanto, Barbosa (1965) ressalta que a superfície Gondwana de King estaria em altitudes superiores a 1300m e possui idade cretácea inferior média.

Figura 1

Localização da área de estudo

Figura 2

Superfície Laterítica de Ferro no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça/MG.

Figura 3

Superfície Laterítica de Ferro mapeada no quadrante da Serra do Rola Moça e Serra da Moeda/Quadrilátero Ferrífero/MG.

Figura 4

Vista aos três patamares altimétricos. 1º Serra do Rola Moça e Serra da Calçada; 2º Serra do Ouro Fino; 3º vale onde se encontra Casa Branca.

Considerações Finais

As crostas lateríticas (ferricretes) foram fáceis de serem mapeadas no relevo, por apresentarem um relevo plano, por onde passam algumas estradas principais do Quadrilátero Ferrífero. O ferricrete evoluiu sobre o itabirito “in situ” e sobrevive sobre ele uma vegetação rupestre, pobre em nutrientes, e também estão presentes nesta área muitas cavernas e grutas, no contato da crosta laterítica com o material de origem, que chegam a quilômetros de extensão. Na área mapeada podem-se identificar três patamares principais: as crostas lateríticas aparecem na maioria das escarpas acima de 1400m, de forma bastante plana, de acordo com King (1956) associadas a superfície Gondwana, do cretáceo inferior; abaixo deste patamar está o quartzito deformado por dobramentos, a 1200m de altitude aproximadamente; e, os vales abertos e colinas amplas começam a aparecem ao descer a serra sustentada pelo ferricrete, no sentido de Casa Branca.

Agradecimentos

À Fapesp pelo financiamento da pesquisa (processo nº 2009/15285-5 e 2011/23325-7), ao Instituto Estadual de Florestas pela autorização e apoio na pesquisa dentro do parque Estadual da Serra do Rola Moça e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais/IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes. O segundo autor agradece ao CNPq pela bolsa Produtividade em Pesquisa.

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