Autores
Victor Vasconcelos Noberto, L. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ- UECE) ; de Holanda Bastos, F. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ- UECE)
Resumo
A configuração morfológica da serra de São Joaquim, noroeste do estado do Ceará, tem ligações diretas com fatores estruturais, tais como os tipos de rocha e as deformações crustais da área, além, de influências climáticas sobre este. O objetivo central deste artigo é pontuar e discutir, de modo geral, cada um desses fatores condicionantes do relevo. Para isso foram feitos: levantamentos bibliográficos, levantamentos cartográficos, trabalho de campo e organização das informações obtidas para a consequente elaboração deste trabalho. Observa-se ao final, que a serra de São Joaquim configura-se como um maciço residual quartzitico em forma de crista aguçada no sentido NE - SW, com declividades bastante acentuadas, constituindo um sobressalto topográfico onde a evolução foi essencialmente guiada através da erosão diferencial.
Palavras chaves
Geomorfologia estrutural; Erosão diferencial; Maciço cristalino
Introdução
A gênese e evolução dos relevos cristalinos residuais pela região Nordeste do Brasil, geralmente associam-se às interações entre as propriedades geomorfológica das rochas, especialmente, pela diferenciação de suas resistências e pelos dispositivos intempéricos derivados da ação climática, portanto, estando diretamente associados a processos de erosão diferencial. A serra de São Joaquim está situada na porção noroeste do estado do Ceará, mais exatamente se prolongando pelos municípios de Viçosa do Ceará e Granja. Constitui-se de um relevo residual aguçado, cujas cotas mais elevadas chegam a 700m de altitude (Figura 01), e se inclui no domínio morfoestrutural denominado por Souza (1988) como, o domínio dos escudos e maciços antigos, onde, de modo geral, a morfologia do terreno estaria ligada a eventos tectônicos, à erosão diferencial e as alterações climáticas. Dessa forma, os aspectos estruturais, sobretudo litológicos, junto do contexto climático e seus efeitos sobre a superfície são essenciais para a compreensão do desenvolvimento e/ou formação do relevo. Além dos fatores citados, faz-se também necessário destacar o papel das deformações estruturais pré-cambrianas nas morfologias do embasamento na Província Borborema. Assim, o artigo que se segue trará uma discussão sobre estes fatores substanciais para a configuração do relevo da serra de São Joaquim.
Material e métodos
Materias e métodos Para a elaboração desta pesquisa foram realizadas algumas etapas metodológicas, como: levantamentos e revisões bibliográficas, que remetem tanto a conceitos e princípios básicos em geomorfologia, quanto referências relacionadas ao objeto de estudo proposto; levantamentos e interpretação cartográficas, a exemplo do mapa geológico na escala de 1:500.000 disponibilizado pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM (2003), interpretação de imagem SRTM; tratamento e discussão de dados adquiridos a parir dos conhecimentos de campo; e por fim a confecção do relatório final e preparação deste artigo. Dentre os métodos ou fundamentos teóricos que se achou conveniente resgatar e utilizar como guia para o presente estudo, tem-se, alguns princípios e teorias básicas de geomorfologia desenvolvidas por diversos autores em diferentes trabalhos ao longo dos séculos XIX e XX. Destacam-se então, algumas concepções clássicas de evolução do relevo em ambientes de alternâncias climáticas, como é o caso da pediplanação de King (1956), que reconhece a evolução do relevo a partir de superfícies de erosão escalonadas, elaboradas de acordo com as mudanças climáticas cenozoicas, isto é, apoiado na existência de várias paleosuperfícies resultantes de fases de aplainamento decorrentes de ciclos erosivos, dados a partir de um soerguimento continental; e a etchplanação de Büdel (1982), que admite a evolução do relevo entre climas úmidos e secos sucessivos, ou melhor, com a formação de um espesso manto de alteração em clima úmido e a posterior remoção desse, através de um processo de erosão superficial (em detrimento de um clima seco vigente), e a consequente planificação da superfície. Além dessas concepções teóricas, também são considerados aqui alguns princípios discutidos por Thornbury (1966) que reafirmam o papel da estrutura geológica como fator de controle na evolução geomorfológica e das repercussões que clima causa sobre o relevo através de sua dinâmica ao longo das eras do tempo geológico. Penteado (1983) aponta que a estrutura tem papel importante no relevo, mas ela, sozinha, não explica a complexidade que são as paisagens, tendo-se a necessidade, portanto, de incluir nas análises de evolução e dinâmica do relevo as influências produzidas pelos fatores climáticos, ou seja, levar em consideração para a configuração da superfície, as interações das forças endógenas e exógenas (GUERRA E CUNHA, 2001).
Resultado e discussão
De modo geral, podem-se considerar dois fatores responsáveis pelo
condicionamento dos relevos da Serra de São Joaquim, são eles: as
propriedades das rochas que compõe o relevo e seu arranjo estrutural; e as
ações erosivas da dinâmica externa. Para a evolução do relevo do qual trata
este estudo, esses fatores não são diferentes, porém antes de se tecer
alguns comentários sobre eles, far-se-á um breve resumo das características
do domínio geológico onde se encontra a serra de São Joaquim.
O embasamento geológico do setor Noroeste do estado do Ceará – O Domínio
Médio Coreaú.
A serra de São de Joaquim está situada na porção setentrional da Província
Borborema, mais precisamente dentro do Domínio Médio Coreaú, noroeste do
Estado do Ceará. Em sua maior parte este domínio é formado por rochas
cristalinas e cristalofilianas pré-cambrianas, mas também existem nele,
algumas porções de rochas sedimentares, como é o caso dentre outras, dos
litótipos carbonáticos (calcários) do Grupo Ubajara, de idade proterozóica,
e das rochas conglomeráticas integrantes da bacia molássica do Jaibaras (que
inclusive ocorre junto à Zona de Cisalhamento Sobral-Pedro II).
Segundo Torquato e Nogueira Neto (1996), a região de dobramentos do Médio
Coreaú, como definido originalmente por Brito Neves, corresponde a um
Cinturão Orogênico ‘Orogenic Belt’, o qual engloba uma variada gama de
litótipos com distintas idades e origens numa mesma unidade tectônica. Assim
como toda a extensão da Província Borborema, suas origens estruturais
possuem estreitas relações com os antigos eventos tectônicos de junções e
separações continentais, portanto com os ciclos orogenéticos (principalmente
Cariris Velhos e Brasiliano), que formaram os seus sistemas de dobras e
áreas falhadas (para o caso pontual da Serra de São Joaquim, destaca-se a
Zona de Cisalhamento Itacolomi) (CLAUDINO−SALES & PEULVAST, 2007);
(CLAUDINO-SALES e LIRA, 2011). É importante lembrar das possíveis
influências que as falhas e suas reativações podem ocasionar sobre o relevo,
seja, pondo lado a lado rochas com propriedades ou resistências diferentes,
proporcionando a erosão diferencial um papel definidor no condicionamento do
relevo, seja, na reorganização do padrão de drenagem, e portanto,
repercutindo sobre o modo de como irá agir ação erosiva dos rios e/ou
abertura dos vales sobre a superfície – ação da erosão linear; e também da
disposição direcional em que o relevos e encontrará sobre o terreno.
Para Claudino-Sales e Lira (2011), dentre toda essa diversidade litológica
apresentada anteriormente, se destaca a Formação São Joaquim, que têm idades
aproximadas de 2,2 a 2,3 bilhões de anos, e são formadas basicamente por
quartzitos que, devido suas importantes propriedades geomorfológicas,
condicionam os aspectos morfológicos da Serra de São Joaquim.
As características morfoestruturais da Serra de São Joaquim
Conforme destaca Penteado (1983), um único fator, seja ele estrutural ou
climático, não consegue explicar exclusivamente a condição morfológica de um
determinado relevo, ou seja, os fatores devem ser analisados de maneira
complexa e integrados.
Como visto anteriormente, o subdomínio geológico onde se insere a serra de
São Joaquim é composto por uma grande diversidade litológica, porem com
destaque para os quartzitos da Formação São Joaquim (NPmsj) (CPRM, 2003)
(Figura 2).
Estes tipos de rochas como aponta Penteado (1983), são mais resistentes, e
dessa forma, menos susceptíveis aos processos de desagregação erosivos
desencadeados pelos agentes externos do clima. Os quartzitos, de modo geral,
possuem uma resistência maior se comparadas a outros tipos de rochas também
cristalinas, pela sua composição silicosa, por sua homogeneidade, pela
natureza de seus grãos, e pelo seu fissuramento que reduz o escoamento
superficial tornando-os rochas menos solúveis, e que geralmente constituem
as cristas e as áreas mais elevadas no meio de regiões graníticas,
gnáissicas, calcárias etc. (PENTEADO, 1983).
Além da resistência do quartzito, a disposição morfológica no sentido NE -
SW se justifica pelo condicionamento derivado do direcionamento dos
falhamentos, conforme pode ser observado na figura 2.
Além dos aspectos estruturais, a área de estudo foi predominantemente
submetida à ação do clima seco e de suas ferramentas de desagregação
mecânica (precipitação, ventos, temperatura etc) e o processo de erosão
diferencial rebaixou, durante o Cenozóico, uma parcela dos terrenos
cristalinos da porção noroeste do estado, aqueles mais frágeis – formando as
depressões sertanejas ou periféricas ao Glint da Ibiapaba, e deixando em
ressalto as rochas com litologias cristalinas mais resistentes (como é o
caso de São Joaquim), criando desníveis que podem alcançar cotas acima de
700m de altura, e formando assim o que chamamos de relevos residuais
(CLAUDINO-SALES E LIRA, 2011).
Constata-se que a influência de diversos fatores é fundamental para se
analisar a configuração do relevo da serra de São Joaquim, que até então, se
caracteriza por ser um maciço residual cristalino aguçado, ou seja, em forma
de crista, com altitudes médias em torno dos 600m– 700m, ao longo dos
municípios de Viçosa do Ceará e Granja, e com vertentes bem íngremes, muitas
vezes dificultando o acesso e à instalação de atividades antrópicas. É
importante lembrar que, por ser um eminente sobressalto topográfico a serra
de São Joaquim funciona como um divisor e dispersor de águas, dos cursos
anaclinais da depressão periférica ao glint da Ibiapaba.
Considerações Finais
A discussão realizada neste artigo acerca do condicionamento do relevo da serra de São Joaquim, não finaliza de maneira alguma as inquietações sobre sua gênese e evolução. Parece incompleto deixar o condicionamento do seu modelado apenas nas mãos das propriedades geomorfológicas das rochas e das interações que estas têm com o fator climático. Acredita-se ser conveniente um maior aprofundamento teórico-referencial sobre a estruturação dos sistemas de falhas ou zonas de cisalhamentos do domínio onde se encontra o relevo, e das eventuais transformações que este tenha sofrido por conta dos últimos eventos tectônicos (neotectonismo). Enfim, o presente trabalho ajuda no entendimento parcial do relevo, e da margem para que futuras pesquisas geomorfológicas sejam realizadas não só na área em questão, mas por todo o estado do Ceará.
Agradecimentos
Referências
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