DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DE TOPO DE MORROS DA BACIA DO RIO SAGRADO (MORRETES - PR), CONFORME DIFERENTES INTERPRETAÇÕES DO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO.
Autores
Almeida, A.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Paula, E.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ)
Resumo
A nova versão do Código Florestal Brasileiro, ao alterar as normas para delimitação das Áreas de Preservação Permanentes de topo de morros, montes, montanhas e serras, permite três interpretações referentes à base da elevação destas feições geomorfológicas, as quais foram analisadas no presente estudo. Na bacia do rio Sagrado (Morretes/PR) a diferença entre as áreas de topo que devem ser conservadas chegou a 96,96%, o que evidencia a necessidade de se discutir a subjetividade da lei em questão.
Palavras chaves
Código Florestal; APP's; Topo de morros
Introdução
O Código Florestal Brasileiro estabelece normas de delimitação das Áreas de Preservação Permanente (APP’s), que são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas (Brasil, 2012). Os topos de morros foram incluídos como categoria de APP a partir da Lei 4.771/65, mas somente com da Resolução CONAMA 303/02 é que foram estabelecidas normas, parâmetros e definições para sua delimitação. O Art. 4°, inciso IX, da Lei n° 12.727/12, define APP de topo da seguinte maneira: no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d'água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação. Além de apresentar modificações nos critérios de delimitação das APP’s, a lei em vigor adota o ponto de sela como base de elevação de relevos ondulados. Todavia, o Art. 3°, inciso XXIII, define que o relevo ondulado pode ser classificado como suave ondulado, ondulado, fortemente ondulado e montanhoso. Sendo assim, o conceito de base de elevação é subjetivo, pois os cursos d’água e o ponto de sela podem ser interpretados como base de elevação. O presente trabalho teve como objetivo efetuar análise comparativa das APP’s de topos, delimitadas a partir de três possíveis interpretações da lei. A área de estudo selecionada refere-se à bacia do rio Sagrado, a qual está localizada no município de Morretes, litoral paranaense, e apresenta área de 137,7 km². Segundo PAULA (2010) esta bacia apresentou maior aumento na produção de sedimentos dentre aquelas que drenam para a baía de Antonina.
Material e métodos
O processo de delimitação das APP’s de topo foi realizado em ambiente SIG, por meio do software ArcGIS 9.3. A base cartográfica utilizada contemplou arquivos no formato shapefile, escala 1:25.000, correspondentes às curvas de nível, hidrografia e pontos cotados. Estes dados foram produzidos no ano de 2002 pelo DSG (Departamento de Serviço Geográfico do Exército), e posteriormente editados por Paula e Cunico (2006). A partir da base cartográfica supramencionada, também com o auxílio do ArcGIS 9.3, foi construído o Modelo Digital do Terreno (MDT), do qual se extraiu as informações de declividade, necessárias à delimitação dos topos. As três interpretações do conceito de base de topo de morros, montes, montanhas e serras, extraídas do Art 4°, inciso IX, da Lei n°12.727/12, encontram-se a seguir descritas: Interpretação 1- A base de topo consiste no curso d’água adjacente mais baixo ao redor do pico (NOWATZKI et al., 2010; ALMEIDA, 2013); Interpretação 2- A base refere-se ao ponto de sela com menor distância horizontal do cume (eixo x) (CORTIZO, 2007); Interpretação 3- A base é o ponto de sela verticalmente mais próximo do topo, ou seja, o ponto de sela ao redor do topo que possui a maior altitude e portanto, menor amplitude de altura em relação ao topo (eixo y). As etapas consideradas no processo delimitação foram: 1- Identificação dos topos isolados da bacia; 2- Seleção dos picos que possuem, em pelo menos uma das suas vertentes, a declividade mínima de 25°; 3- Verificação da amplitude altimétrica, permanecendo as elevações com no mínimo 100 metros entre o topo e a base; 4- Cálculo das cotas dos terços superiores, através da seguinte equação implementada no Microsoft Excel: ((Pico – Base) / 3) x 2) + Base); 5- Criação de um arquivo poligonal (shapefile); 6- Vetorização dos terços superiores; 7- Foram retiradas as sobreposições entre as APP’s de topo delimitadas e as APP’s de nascente e margem de rio, com o uso da ferramenta Erase, disponível extensão ArcToolbox.
Resultado e discussão
A delimitação das APP’s de topo, na bacia do rio Sagrado, permitiu a
identificação de 96 topos passíveis de proteção quando se considerou como base o
curso d’água mais baixo ao redor da elevação (Interpretação 1). Esta
interpretação resultou na maior extensão de APP’s, com 15,095 km², o que
representa 10,96% da área total da bacia. Quando se considerou como base o ponto
de sela com menor distância horizontal em relação ao topo (Interpretação 2), a
perda em extensão de APP foi expressiva, totalizando 0,612 km², sendo
delimitados apenas 10 topos. A redução foi de 95,95% em relação à primeira
interpretação e correspondeu apenas a 0,44% de toda bacia. Por fim, quando o
ponto de sela com maior proximidade vertical do pico foi considerado como a base
(Interpretação 3), a área total de APP foi de 0,459 km² e mais 3 topos perderam
a proteção, o que resultou na diminuição de 25% de extensão em relação à
Interpretação 2 e 96,96% em comparação com a primeira interpretação. Desta
forma, esta última interpretação correspondeu a apenas 0,33% da área total da
bacia estudada.
Conforme se pode observar na Figura 1, diferenças significativas ocorreram
quando consideradas as três interpretações do conceito de base de elevação,
tanto na quantidade de topos a serem protegidos, como na dimensão do terço
superior destes topos. Diante disso, estes resultados destacam que houve
importante decréscimo de APP’s quando a base de elevação deixou de ter como
referência os cursos d’água (Interpretação 1) e passou a se considerar o ponto
de sela, principalmente o vertical (Interpretação 3).
Na Figura 2 tem-se representado o perfil transversal relativo à linha de
cumeadas, destacado no zoom da Figura 1, considerando-se as três interpretações
em análise. De acordo com este perfil torna-se evidente a redução das cotas de
preservação, quando comparadas as duas primeiras interpretações. Enquanto que a
Interpretação 3 implicou na ausência de APP de topo nesta porção da bacia do rio
Sagrado em destaque.
A diferença entre os valores obtidos com as três interpretações, sobretudo em
termos de área, revela-se expressiva por duas razões. A primeira corresponde ao
fato de os pontos de sela situarem-se mais próximos aos topos, ou seja, têm
amplitude consideravelmente inferior em relação aos cursos d’água mais baixos,
que geralmente encontram-se situados próximos ao sopé dos morros, conforme
representado na Figura 2.
A segunda razão refere-se ao elevado valor atribuído à amplitude mínima
obrigatória entre o topo e a base dos morros, montes, montanhas e serras, que
passou a ser de 100 metros com a aprovação da Lei 12.727/12. Sendo que
anteriormente, a Resolução CONAMA 303/02 estabelecia o valor de 50 metros para
esta amplitude.
Sendo assim, verifica-se que a subjetividade da redação apresentada no inciso em
análise, ao permitir interpretações geomorfológicas diversas, além de dificultar
o processo de delimitação das APP’s também pode proporcionar uma importante
redução de áreas que demandem proteção, tal como ocorreu na bacia hidrográfica
selecionada no presente estudo.
A bacia do rio Sagrado apresenta a maior densidade de ocupação e de estradas
rurais, dentre as bacias que drenam para a baía de Antonina, bem como seus topos
de morro denotam elevada suscetibilidade geopedológica à produção de sedimentos
(PAULA, 2010). Contudo, se considerada a Interpretação 1, as porções de topo
ainda encontram-se recobertas por Floresta Ombrófila Densa. Entretanto, se
adotadas as Interpretações 2 e 3, tem-se o risco eminente de expansão da
ocupação em ambientes suscetíveis, o que certamente implicará no aumento da
produção de sedimentos e resultará na intensificação do processo de assoreamento
da baía de Antonina.
APP's de topos da bacia do rio Sagrado, conforme distintas interpretações de base de elevação (Lei n° 12.727/12).
Conclusões
As mudanças no Código Florestal Brasileiro (Lei n° 12.727/12), relacionadas ao aumento da amplitude mínima entre a base e o topo de morros, montes, montanhas e serras para 100 metros, além da extinção da categoria de APP referente às linhas de cumeadas, implicaram em importante redução das áreas de topo protegidas. Entretanto, a redação desta nova Lei está sujeita a diferentes interpretações, sendo que algumas das mesmas permitem redução, ainda maior, das áreas de preservação, a exemplo do que ocorre para a bacia do rio Sagrado. Já que quando o ponto de sela foi considerado (Interpretações 2 e 3) percebeu-se diminuição em mais de 95% das APP’s de topo, se comparada à interpretação que contemplou os corpos hídricos adjacentes. Diante do exposto, recomenda-se que profissionais especialistas em geomorfologia apresentem contribuições à redação da legislação vigente, com o intuito de se obter maior objetividade e clareza, quanto à interpretação e delimitação da categoria de APP em questão.
Agradecimentos
Referências
ALMEIDA, A. M. Avaliação das Modificações do Código Florestal Brasileiro: Delimitação das APP's da Bacia do Rio Sagrado (Morretes - PR). In: EVINCI, 21., 2013, Curitiba. Livro de Resumos ... Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2013. p 126.
BRASIL. Lei Federal nº 4771/65, de 15 de setembro de 1965, alterada pela Medida Provisória nº 2.166 – 67, de 24 de agosto de 2001. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2001.
_______. Lei Federal n° 12.651, de 25 de maio de 2012, alterada pela Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012. Brasília, DF. Congresso Nacional, 2012.
_______. Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012. Altera as Leis nos 12.651, de 25 de maio de 2012; 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; e revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. Brasília, DF. Congresso Nacional, 2012.
_______. Resolução do CONAMA 303, de 20 de março de 2002, Dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2002b.
CORTIZO, S. P. Topo de Morro na Resolução CONAMA n° 303, de 20 de Março de 2002. 2007. Disponível em <http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/ FBF21C00/TopoMorroResolucaoCONAMA3031.pdf>. Acesso em 20/03/2014.
NOWATZKI, A.; SANTOS, L. J. C.; PAULA, E. V. Utilização do SIG na Delimitação das Áreas de Preservação Permanente (APP's) na Bacia do rio Sagrado (Morretes/PR). Revista Sociedade & Natureza, Urbelândia, 22 (1): 121-134, abr. 2010.
PAULA, E. V. Análise da Produção de Sedimentos na Área de Drenagem da Baía de Antonina/PR: uma abordagem geopedológica. 220 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Departamento de Geografia, Setor de Ciências da Terra, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.