CONTRIBUIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS PARA O PLANEJAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A INUNDAÇÃO - BAIXO CURSO DO RIO DOCE, LINHARES - ES

Autores

Gil, A.P. (UFES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO) ; Brito, J.F.G. (UFES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO) ; Coelho, A.L.N. (UFES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO)

Resumo

O crescimento da área urbana em locais suscetíveis a desastres naturais é uma realidade constante na atualidade. O presente artigo objetiva-se na delimitação de área susceptível à inundação na margem esquerda do baixo curso do Rio Doce-ES, através do uso integrado de Sistema de Informações Geográficas e produtos de Sensoriamento Remoto, com o auxílio de conhecimentos geomorfológicos. A metodologia utilizada poderá servir como subsídio para a tomada de decisão e melhor ordenamento de tais áreas.

Palavras chaves

Ordenamento territorial; Geomorfologia fluvial; Áreas inundáveis

Introdução

Comumente, as áreas planas e mais próximas aos rios são as primeiras a serem ocupadas, devido a sua facilidade de construção e acesso (CARNEIRO e MIGUEZ, 2011). Somado a isso, o ritmo acelerado de crescimento das cidades brasileiras propicia uma ocupação urbana irregular (MARICATO, 2001), resultando em muitos casos em ocupações de áreas impróprias, às margens de encostas e em planícies fluviais. Christofoletti (2007) fala sobre a aplicabilidade da geomorfologia ao planejamento urbano, considerando a perspectiva de se analisar a vulnerabilidade das áreas urbanizadas em face dos “azares naturais”, tais como eventos de inundação. Segundo ele, a ampliação de áreas urbanizadas repercute na capacidade de infiltração do solo devido a construção de áreas impermeabilizadas, favorecendo o escoamento superficial e a ocorrência de ondas de cheia. Deste modo, a urbanização interfere no rearranjo dos armazenamentos e na trajetória da água, afetando o funcionamento do ciclo hidrológico. Nesse contexto, o principal objetivo do presente artigo foi analisar os processos que contribuem para a inundação de uma área residencial localizada na margem esquerda do baixo curso do canal principal do Rio Doce, adjacente à sede do município de Linhares (ES). A problemática surgiu a partir da construção, nesta área, de um conjunto habitacional do Programa Minha Casa, Minha Vida, contando com 1.592 unidades, que ficaram inundadas nos períodos de cheias desde o início de sua construção (anos de 2012 e 2013). A delimitação da área inundada foi realizada a partir do uso integrado de ferramentas de sistemas de informações geográficas e produtos de sensoriamento remoto.

Material e métodos

O trabalho foi dividido em duas principais etapas, sendo a primeira, revisão bibliográfica e consulta dos dados de cotas e precipitação, legislação pertinente; pesquisas referentes à caracterização da área de estudo, tais como mapas geológicos, geomorfológicos e pedológicos do Projeto Radambrasil, volume 32 (1983). Segunda, aquisição de imagens do satélite Landsat 8 no Serviço Geológico Americano (USGS, 2014), correspondentes aos períodos de vazante (data de passagem 19 de maio de 2014) e de cheia do rio (data de passagem 26 de dezembro de 2013); além de bases cartográficas no formato shapefile (IJSN 2010; ANA 2009). Os mapeamentos e processamento de todos os dados vetoriais e matriciais foram realizados no SIG ArcGIS 10.1, iniciando com a adição dos Planos de Informações do Município e adjacências que foram ajustados, quando necessário, no sistema de projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), Datum SIRGAS-2000, Zona 24 sul. A organização dos dados raster iniciou-se com o recorte dos dados para a área de estudo, através da função extract by mask. Feito isso, prosseguiu-se com o processo de composição na cor natural e posteriormente da técnica de fusão (pan sharpening) com as imagens referentes aos dois períodos, o que consiste, basicamente, em integrar a melhor resolução espacial da banda pancromática preservando o conteúdo / cor da imagem composta. O próximo passo foi a realização do processo de interpretação visual comparando as duas imagens da banda 8 Pan através das técnicas de fotointerpretação e fotoidentificação, considerando elementos básicos como tonalidade/cor, forma, textura e padrão, conforme proposta de Jensen (2009). Após este procedimento, realizou-se o processo de vetorização da área efetivamente inundada e o cálculo de sua abrangência.

Resultado e discussão

A área onde foram implantados os conjuntos habitacionais localiza-se na planície fluvial do Rio Doce, a cerca de aprox. 500 a 600 metros de distância das margens do rio. Os cursos d’ água possuem uma dinâmica natural complexa, cujas águas podem extrapolar o leito menor e atingir o leito maior nos períodos de chuvas mais concentradas, resultando na eventual inundação das planícies fluviais (PEDRO e NUNES, 2012). De acordo com Tricart (1966) apud Infanti Jr. e Fornasari (1998), o leito menor é definido pelos diques marginais, onde é constante o escoamento das águas, impedindo o crescimento de algum tipo de vegetação. O leito maior contempla desde o leito menor até a planície de inundação dos rios, sendo ocupado pelas águas nos períodos das chuvas (Figura1-A). Dessa maneira, os regimes de secas e de cheias fazem parte da dinâmica fluvial natural, juntamente com a eventual inundação das planícies fluviais, que ocorrem devido a chuvas fortes e rápidas ou chuvas de longa duração (AMARAL; RIBEIRO, 2012, apud PEDRO E NUNES, 2012). Carneiro e Miguez (2011) reforçam que as cheias são fenômenos naturais sazonais e desempenham importante papel ambiental, entretanto são agravadas pela ação do homem. Estes mesmos autores salientam que o processo de ocupação urbana altera a situação original de equilíbrio destes ambientes, a partir da supressão da vegetação natural e da impermeabilização do solo, diminuindo a possibilidade de infiltração e aumentando o volume de água superficial disponível, o que modifica o balanço hídrico do sistema natural do rio. A inundação caracteriza-se pelo aumento do nível dos rios além de sua vazão normal, resultando no transbordamento de suas águas sobre as áreas próximas, que são chamadas de planície de inundação (KOBIYAMA et. al, 2006). As fotos da área de estudo em seu período de vazante com a mata ciliar do Rio Doce em segundo plano podem ser observadas na Figura 1-B, e as fotos da área inundada, tiradas no dia 25 de Dezembro de 2013, um dia antes da imagem de satélite utilizada para a delimitação da área inundada, em destaque na Figura 1-C. Na Figura 2-A, são apresentadas as imagens da área de estudo, em seu período de relativa estiagem, no dia 19 de maio de 2014, e seu período inundado, com a cheia de 26 de dezembro de 2013. A área efetivamente inundada abrange um total de 2,89km², afetando quase por completo os conjuntos habitacionais construídos. Analisando a dinâmica fluvial nesse setor com o auxílio da Figura 2-A, revela-se que o respectivo conjunto habitacional encontra-se a jusante da margem côncava do rio, onde a velocidade/energia das águas é mais intensa e realiza um trabalho contínuo de escavação (CHRISTOFOLETTI, 1980), o que contribui, em parte, na inundação da área. A margem côncava do rio é caracterizada também como margem de degradação ou de erosão, enquanto a margem convexa caracteriza-se como margem de agradação, ou de deposição (ZANCOPÉ, 2012 e CUNHA, 2007). Destacam-se, também, com as setas de cor verde na Figura 2-A, três pontos às margens do rio onde há ausência da mata ciliar, o que contribuiu para que as águas do rio, sem encontrar nenhum obstáculo, ocupassem a margem fluvial. Em destaque na Figura 2-B, destaca-se a cotagrama da Estação Cais do Porto, localizada no município de Linhares, com os dados de cotas máximas anuais do Rio Doce no período dos últimos dez anos (de 2003 a 2013). Estes dados evidenciam os eventos de cheias recorrentes nesta área, visto que a cota do Rio Doce vem aumentando a cada ano, e desde o ano de 2005, apresenta-se acima do nível da cota de alerta (350 cm) e da cota de inundação (380 cm) (ANA, 2010). Além disso, agrava-se o fato do município de Linhares ser o último da bacia antes do deságue do rio Doce no oceano, recebendo todo o fluxo de água dos municípios a montante, destacando a existência de importantes UHEs que eventualmente podem ser abertas em caso de necessidade, agravando a situação no município.

Figura 1



Figura 2



Conclusões

Com o estudo integrado dos aspectos geomorfológicos evidenciou-se a susceptibilidade a eventos sazonais de inundação na área estudada. Do ponto de vista ambiental, as planícies fluviais possuem importante papel para a manutenção da vida e complexidade ecológica dos sistemas fluviais. Do ponto de vista do planejamento, a Lei Federal Nº 6.766 define que não será permitido o parcelamento do solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações. A metodologia utilizada no presente artigo, com o uso de imagens orbitais associadas a técnicas de geoprocessamento mostrou-se satisfatória para a delimitação da área sazonalmente inundável. Os conhecimentos geomorfológicos contribuem significativamente para o adequado planejamento ambiental e territorial, possibilitando indicações mais adequadas de uso de áreas como a estudada.

Agradecimentos

Referências

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