GÊNESE E EVOLUÇÃO DE VOÇOROCAS EM ÁREA URBANA NO MUNICÍPIO DE ATALÉIA, MINAS GERAIS: um estudo preliminar

Autores

Guimarães, F.B. (ICET/UFVJM) ; Luz, B.S. (ICET/UFVJM) ; Ferraz, C.M.L. (ICET/UFVJM)

Resumo

Uso inadequado do solo desacompanhado de estudo prévio acarreta problemas socioambientais e econômicos. Ataléia/MG enfrenta riscos devido a ausência de planejamento ambiental, tendo como consequência voçorocamento gerador de sequelas à população, desacompanhado de programas de controle ou mitigação. Este estudo preliminar objetiva relatar a situação, propondo histórico da área afetada. Chama a atenção para a ausência de um planejamento ambiental e consequências negativas para população.

Palavras chaves

Voçorocas; Planejamento Ambiental; Uso do Solo

Introdução

Uso e ocupação do solo em meio urbano parece ser um desafio proporcional às dimensões das cidades, sobretudo porque conflitos tendem a aumentar em função do adensamento urbano. No entanto, intervenções antrópicas inadequadas em cidades de pequeno porte podem gerar consequências de difícil mitigação, especialmente quando desassociadas de políticas de gestão ambiental ou planejamento urbano. Este é o panorama da cidade mineira de Ataléia, situada no nordeste do estado, que enfrenta delicada situação causada pela instalação de incipiente sistema de voçorocas que tem gerado transtorno e prejuízos à população e ao meio ambiente. O contexto tem se agravado nos últimos anos, pois a cada estação chuvosa volume crescente de solo tem sido removido da vertente – associado a rápido crescimento e aprofundamento das voçorocas – invadindo residências, interrompendo trânsito nas ruas e assoreando cursos d'água. Segundo Augustin e Aranha (1999) e Andrade et al. (2005) voçorocas se formam por recorte da vertente pela concentração do escoamento pluvial superficial, gerando sulcos e ravinas, que evoluem também em decorrência de movimentos de massa, mais especificamente deslizamentos. Estes processos afetam primeiramente horizontes subsuperficiais quando expostos aos agentes erosivos, evoluindo gradativamente até atingir horizontes inferiores dos solos, dando origem às voçorocas. Para os autores, estas podem ser consideradas o estágio mais avançado da erosão. Já Bahia et al. (1992) explicam que ações antrópicas podem intensificar o aprofundamento das voçorocas ou mesmo influenciar no surgimento destas. Assim, o objetivo deste trabalho é apresentar um estudo preliminar sobre as voçorocas presentes em área específica da cidade de Ataléia, bem como analisar as possíveis causas da sua gênese e evolução. Espera-se que este esforço possa, ainda, apontar como a falta de planejamento ambiental pôde, neste caso, se relacionar a problemas ambientais, sociais e econômicos.

Material e métodos

Os trabalhos tiveram início a partir da última estação chuvosa, quando o município foi assolado por totais pluviométricos superiores às médias históricas e as consequências tornaram-se notáveis: o volume de solo na Rua Prefeito Clemente Esteves Ferraz, adjacente às voçorocas, alertou moradores e Poder Público local. Em função destes eventos, trabalhos de campo foram realizados na cidade de Ataléia, baseando-se na identificação das ravinas e voçorocas e das propriedades físicas do solo na área afetada. Estas identificadas, confirmando-se a necessidade de estudos sistemáticos, caracterização fisiográfica da área foi elaborada por meio de consulta a mapeamentos geológicos, geomorfológicos e pedológicos, além de revisão dos registros meteorológicos do município e região. Posteriormente, de volta ao campo, foram analisados fatores naturais e antrópicos que ocorreram na vertente por meio de análises in lócus e informações obtidas junto a moradores. As etapas atuais, ainda em campo, consistem no registro de imagens e mapeamento das feições identificadas no local, utilizando-se de GPS e demais equipamentos topográficos. Os dados serão transmitidos para Sistema de Informação Geográfica Quantum Gis versão 2.0, apoiados sobre dados do Globo Virtual Google Earth versão 4.0.2416 (beta) desenvolvido pela Google®. Paralelamente aos trabalhos de campo, bibliografia tem sido consultada objetivando a elaboração de sistema de referência teórico conceitual que embase as análises propostas, com base nos trabalhos citados e outros, a exemplo de Hudson (1995) ou Bertolini e Lombardi Neto (1999). Espera-se que o resultado de todo o trabalho seja o mapeamento da área afetada, possivelmente com determinação das direções preferenciais dos fluxos de drenagem, embora resultados preliminares já existam e possam ser discutidos e apresentados neste trabalho.

Resultado e discussão

A área analisada neste trabalho é caracterizada como morro de topo aplanado, com vertente íngreme que possui ruptura de declive entre o terço superior e médio (Figura 01). Apresenta cobertura vegetal em avançado estágio de modificação antrópica, hoje pastagem degradada. Parte do topo permanece vegetada. Exibe solo exposto, ravinas e voçorocas e na base, ocupação urbana caracteriza o meio (figuras 1 e 2). O histórico de uso e ocupação do solo da área, de acordo com dados obtidos em trabalhos de campo e entrevistas junto aos moradores, se deu inicialmente pela extração de cristais de quartzo com finalidade econômica, comercializados na região como pedras semipreciosas. Estas informações podem ser confirmadas pela existência de rejeitos de garimpo identificáveis em campo. Paralelamente à abertura destas minas (regionalmente consideradas garimpo) processou-se remoção da cobertura vegetal para uso como carvão e lenha. Moradores informam que o transporte da madeira se dava “morro abaixo”, sendo puxada por animais no sentido da declividade. Além destes dados, notou-se durante os trabalhos de campo a existência de cercas construídas também no sentido da declividade, geralmente acompanhadas de aceiros, o que pode ter contribuído para a instalação dos processos erosivos verificados (Pereira, 2000). Com base nestes dados, ainda que se trate de uma interpretação preliminar, é possível esboçar a evolução da degradação. A extração de quartzo deve ter sido acompanhada dos primeiros episódios de desmatamento da área para abertura dos garimpos. Neste cenário os primeiros sulcos e zonas de concentração de escoamento superficial se formaram por ação antrópica direta. Paralelamente, outros pontos foram afetados por se tornarem rejeito da garimpagem, ampliando o processo em curso. Quando as atividades extratoras tiveram fim, a área foi convertida em pastagem, o que demandou desmatamento da vertente, sendo a madeira resultante puxada “morro abaixo” para usos secundários. As áreas já frágeis passaram a ser palco de pisoteio de animais, impacto direto de gotas de chuva e escoamento pluvial superficial concentrado, provavelmente iniciando os processos de ravinamento, acentuados pelas cercas e aceiros. Recentemente a cidade foi afetada por eventos de chuvas concentradas, o que é comum no clima do nordeste de Minas Gerais. Nos episódios de 2002, 2005, 2009 e 2013, muito bem registrados pela imprensa local, o volume de solos que chegou às ruas e residências foi progressivamente aumentado, o que pode indicar o aprofundamento das ravinas e voçorocas. O penúltimo evento chuvoso parece ter sido agravado por outra intervenção inadequada: a prefeitura tentou conter o escoamento superficial concentrado por meio de terraços construídos com uso de máquinas pesadas (Figura 2). No entanto, não houve projeto para que estes seguissem curvas de nível e não foi prevista drenagem da água direcionada pela obra. Como resultado, fica evidente no campo que estes terraços mais contribuíram para acentuar do que mitigar a situação já instalada na vertente, muitas vezes canalizando os fluxos erosivos diretamente para dentro das voçorocas. Este histórico permite compreender que não somente a construção dos terraços, bem como a anterior ocupação e uso do solo foi realizada sem qualquer estudo prévio das condições pedológicas, climáticas ou de relevo. Avaliando as causas destes problemas ambientais percebe-se que a aplicação de políticas de planejamento ambiental poderia evitar ou prevenir as consequências danosas para a população e meio ambiente, hoje verificáveis no município. No presente, a ausência de medidas de controle das voçorocas expõe a inexistência de planejamento ambiental na cidade. A grande preocupação é que a perda contínua de massa do solo pode acarretar a instabilidade de toda a vertente comprometendo a segurança da população que fica sujeita a soterramentos, podendo haver vítimas fatais.

Figura 1

Vista da vertente investigada. Notar degradação do solo, ravinas e voçorocas ao longo de sua extensão.

Figura 2

Vista aérea da área afetada. Ver a extensão dos danos e os terraços instaurados pela prefeitura.

Conclusões

Analisando o local percebe-se que atividades de uso e ocupação inadequadas do solo são a gênese das voçorocas. Estas por sua vez têm evolução favorecida pelos fatores climáticos regionais e características físicas do solo. Pode-se apontar que as atividades de garimpo realizadas, o desmatamento, e a utilização da área para pasto fragilizaram e expuseram o solo aos processos erosivos e propiciaram o avanço da degradação, levando a estágio crítico da erosão: o voçorocamento. Os problemas de degradação ambiental apresentadas neste trabalho poderiam ser evitados ou amenizados se houvesse um efetivo planejamento das ações no município, além de um estudo prévio das condições físicas do solo. Os resultados da continuidade deste trabalho (mapeamento e monitoramento das voçorocas e ravinas) podem contribuir para mitigação dos problemas socioambientais relatados, desde que o Poder Público e a sociedade civil entendam a necessidade e urgência da tomada de providências com relação à área.

Agradecimentos

Referências

ANDRADE, A. G.; PORTOCARRERO, H.; CAPECHE, C. L. Práticas Mecânicas e Vegetativas para Controle de Voçorocas. Comunicado Técnico. Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Rio de Janeiro-RJ, 2005.

AUGUSTIN, C.H.R.R.; ARANHA, P.R.A. Tropical landscape evolution: weathering and erosion processes in Gouveia, Minas Gerais, Brazil. In Regional Conference on Geomorphology - The Brazilian Geomorphological Union (UGB), Rio de Janeiro – RJ, p. 67. 1999.

BAHIA, V.G.; CURI, N.; CARMO, D.N.; MARQUES, J.J.G.S.M. Fundamentos de erosão do solo (Tipos, formas, fatores determinantes e controle). Informe Agropecuário. Belo Horizonte, v.16, n. 176, p. 25-31, 1992.

BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do Solo. 4. ed. São Paulo: Ícone, 1999. 355 p.

HUDSON, N. Soil Conservation. 3.ed. Ithaca: Iowa State University Press, 1995. 391p.

PEREIRA, S. B. Desprendimento e arraste do solo em decorrência do escoamento superficial. 2000. 81 p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.


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