O ensino da geomorfologia do semiárido na geografia escolar
Autores
da Conceição Neves, D. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ) ; Lopes Pinto, B. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA) ; Barreto Franco, G. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo a realização de uma atividade pedagógica para se trabalhar o conteúdo de geomorfologia do semiárido na geografia escolar. A abordagem Geomorfológica em sala de aula deve ser contextualizada com a realidade do aluno, visando à superação das generalizações do livro didático e o melhor entendimento da escala de análise dos fenômenos. Portanto, faz-se necessário criar momentos de aprendizagem que possibilite o aluno a construir um conhecimento acerca do relevo local.
Palavras chaves
Geografia escolar; Semiárido; Relevo
Introdução
A Geografia escolar ainda é ancorada em práticas pedagógicas que supervalorizam a descrição do que está posto no livro didático ao apresentar uma Geografia Geral descontextualizada da realidade do aluno. Desse modo, a Geografia ensinada na escola não consegue atingir o seu objetivo de formar sujeitos capazes de construir um raciocínio geográfico que possibilite o estudante a fazer uma leitura crítica do espaço (CAVALCANTI, 1991). Baseado nessa perspectiva do ensino de Geografia percebe-se que as discussões que envolvem a Geomorfologia do semiárido é praticamente nula. Sendo atribuída como umas das temáticas físico-geográficas mais complexas de ser ensinada, a Geomorfologia hoje é trazida de forma generalizada e pouco contextualizada. A Geomorfologia se propõe enquanto ciência a estudar as formas da superfície terrestre e os processos que operam em sua composição (PENTEADO, 1980). O relevo do semiárido está intrinsecamente associado à temporalidade da dinâmica climática. Para Casseti (2005), a variação climática ocorrente na área que hoje é entendida como o semiárido brasileiro, apresentou no passado geológico, uma dinâmica climática úmida e com características geomorfológicas diferenciadas da que temos hoje. Mediante as oscilações climáticas mais recentes do período do quaternário, o relevo do semiárido perpassou por sucessivas fases de aplainamentos (pediplanação) com a presença constante do processo de desagregação mecânica ocasionando assim o recuo paralelo das vertentes. Desse modo, objetiva-se trazer a Geomorfologia do Semiárido de forma reflexiva para os estudos da geografia escolar. Este artigo justifica-se pela necessidade de abordar com mais precisão o ensino do relevo em ambiente semiárido e seus processos geradores de modo a superar as generalizações apresentadas no livro didático que traz um conteúdo de Geomorfologia do Semiárido vago e descontextualizado.
Material e métodos
Como etapas procedimentais deste trabalho, foi feita a revisão de literatura acerca da temática abordada bem como momentos de intervenção na escola locus dessa pesquisa. Como ações interventivas ministrou-se aula expositiva e dialogada com os alunos, fez-se uma aula de campo e em seguida construiu-se painéis temáticos a partir da coleta de narrativas sobre as experiências dos alunos nas ações feitas dentro e fora da sala de aula. Como espaço locus dessa pesquisa, foi escolhido o 5º ano do Ensino Fundamental II do Colégio Estadual de Bandiaçú que está situado no distrito de Bandiaçú, Conceição do Coité-BA. O município localiza-se na formação geomorfológica estrutural da Depressão Periférica ou também conhecida como Depressão Sertaneja. Para Ab’saber (1956, p. 02) a estrutura geomorfológica em questão foi “[...] esculpida em fases climáticas mais úmidas do Paleogeno e que, posteriormente, no Pleistoceno, atingiram condições de semiaridez pronunciadas [...]”. Na aula expositiva foram feitas a revisão teórica acerca do conceito de Ciência Geomorfológica, tipos de relevo e os processos exógenos e endógenos de elaboração destes. Na aula de campo foi escolhida como roteiro a área rural do município de Conceição de Coité tendo como foco a área onde o distrito está inserido. Vale salientar que para as aulas expositivas foi utilizado o volume 01 do livro didático “Geografia geral e do Brasil” dos autores Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira do ano de 2010. Compreende-se que o mesmo está destinado ao ensino médio, contudo, devido à precarização e ausência de livros para o ensino fundamental na escola locus, os livros do ensino médio são reutilizados para o ensino fundamental II. Como resultados dessas duas primeiras ações, foram coletadas as narrativas dos alunos. Em seguida, foram construídos painéis temáticos utilizando-se de papel metro, lápis de cor, lápis, papel sulfite tamanho A4, cola, jornal, revistas e fotografias da área onde foi realizada a aula de campo.
Resultado e discussão
A abordagem em sala de aula dos conteúdos relacionados à dinâmica do relevo do
semiárido foi apresentada no primeiro momento utilizando o livro de didático
“Geografia geral e do Brasil” que traz apenas as representações do relevo
estrutural do Brasil a partir dos estudos de Aroldo de Azevedo e Aziz Ab’Saber
(figura 1a) bem como a dinâmica do relevo estrutural da região nordeste do
Brasil a qual se inclui a Depressão Periférica (figura 1b). Foi trabalhado com
os estudantes a diferenciação entre relevo estrutural composto por formas de
caráter regional assim como o relevo escultural que é entendido como feições de
pequeno porte a partir dos mapas e imagens trazidos pelo livro.
Em seguida, os alunos foram conduzidos à atividade de campo para
compreenderem a dinâmica de distribuição das feições geomorfológicas locais e os
processos que atuam em sua formação (figura 2a). Em campo, os alunos puderam
visualizar as formas do relevo local bem como a vegetação e o curso d’água. A
partir da atividade de campo o aluno 01 afirmou que “o relevo daqui é muito
baixo. Os morros que tem aqui são baixos e as ladeiras não são muito inclinadas.
Tem morro aqui que só tem rocha, a gente não vê nem terra e nem a planta”
(narrativa do aluno 01).
Neste momento voltou-se à explicação da dinâmica do intemperismo físico
que é mais presente no ambiente, bem como a função da vegetação na produção da
biomassa e sua função na contenção de processos erosivos mais avançados. Os
alunos também notaram o afloramento de algumas rochas que estão apresentadas
como testemunhas de paleoerosões. Para o aluno 02 “aqui tem muita rocha e a
terra é muito rasa e não dá para plantar em todo lugar. Além disso, o clima
daqui é muito seco e por isso que a terra não é tão molhada” (narrativa do aluno
02). Nessa fala percebe-se que o aluno conseguiu relacionar o clima com a
formação de solos rasos que se configura como uma característica pedológica
local.
O aluno 02 ainda afirma que “Os rios aqui não correm o ano todo e
geralmente não são fundos. Quando os rios estão secos dá para ver uma areia mais
fina e em outros lugares umas rochas maiores no fundo do rio”. Este aluno ainda
pôde perceber a função da precipitação como fator determinante para a tipologia
dos rios (perenes ou intermitentes) e o comportamento da dinâmica fluvial do
semiárido como a variação de leitos presentes na área.
Já em sala de aula foram confeccionados painéis com figuras,
textos e desenhos que representam as ações antrópicas que aconteciam no
semiárido e que auxiliam na esculturação do relevo. Para o aluno 03 “a gente
quis mostrar nas figuras como o nosso relevo aqui é plano e não tem muito lugar
alto. Também achamos umas imagens legais que mostram o desmatamento que acontece
aqui na caatinga e isso deixa alguns buracos no chão depois que chove”. Na
figura 2b foi apresentado imagens do desmatamento que acontece no
ambiente estudado. Nesse momento foram explorados ainda mais a função da
vegetação na preservação do solo. Para Casseti (1991), sem a vegetação e com o
solo exposto ocorre maior arraste dos agregados do solo bem como o componente
perpendicular (infiltração) torna-se menor que o componente paralelo (escoamento
superficial).
Além desses aspectos, percebe-se na fala do aluno 03 que o mesmo
compreende que com a retirada da caatinga o homem induz a geração de processos
erosivos modificando por sua vez, o próprio relevo. Observa-se também que para o
aluno o relevo local por conta dos aspectos climáticos apresenta-se de forma
aplainada e sem grandes elevações e declividade.
O aluno 04 enfatizou que “buscamos mostrar um pouco nas imagens como são
os nossos rios aqui. Eles são rasos e por conta do homem os rios estão ficando
com muita areia e não tem mais matos dos lados dos rios o que cria uns buracos
nas beiras dos rios”. Percebe-se que o aluno compreende que a retirada da mata
ciliar ocasiona o assoreamento e a erosão as margens do rio.
Figura 1a: A Geomorfologia do Brasil no livro didático. Figura 1b: A Geomorfologia estrutural do Nordeste brasileiro. Fonte: Sene e Moreira (2010).
Figura 2a: Aula de campo realizado na zona rural do município de Conceição do Coité/BA. Figura 2b: Resultado final do painel temático.
Conclusões
Percebe-se que através do trabalho de campo e a confecção dos painéis os alunos conseguiram compreender de forma reflexiva a espacialização das feições geomorfológicas locais em ambiente semiárido assim como o a dinâmica dos processos intempéricos que esculpe o relevo local. Ficou visível também a capacidade de ligação de raciocínio do aluno quando o mesmo correlaciona à geração dos processos erosivos com as atividades antrópicas presentes na área. Em suma, se faz necessário criar momentos de aprendizagem no âmbito da geografia escolar que possibilite o aluno a construir um conhecimento acerca do relevo local e seus reflexos na dinâmica social de modo que a Geografia como um todo, saia desse ciclo de abstração e possa trazer algum significado para o aluno da escola básica.
Agradecimentos
Referências
ABSABER, A. N. Depressões periféricas e depressões semiáridas no nordeste do Brasil. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, n. 22, p. 1-10, 1956.
CASSETI, Walter. Ambiente e Apropriação do Relevo. São Paulo: Contexto, 1991.
CASSETI, W. Geomorfologia. Goiânia: Editora da UFG, 2005. Disponível em: <http://www.funape.org.br/geomorfologia/>. Acesso em: 02. fev. 2014.
CAVALCANTI, L. de S. O ensino crítico de Geografia em escolas públicas do ensino fundamental. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia – GO, 1991.
PENTEADO, M. M. Fundamentos de Geomorfologia. Rio de Janeiro: IBGE, 1980.
SENE, E. de; MOREIRA, J. C. Geografia geral e do Brasil. Livro didático, Volume 01: espaço geográfico e globalização. São Paulo: Editora Scipione, 2010.