CARACTERIZAÇÃO PEDOLÓGICA DE CAMPOS DE MURUNDUS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO GUAPORÉ NO ESTADO DE MATO GROSSO

Autores

Silva, F.L. (UNEMAT) ; Pierangeli, M.A. (UNEMAT) ; Santos, F.A.S. (UNEMAT) ; Sousa, J.B. (IFMT) ; Serainm, M.E. (IFMT) ; Sousa, C.A. (UNEMAT)

Resumo

Este trabalho apresenta a descrição morfológica de três perfis (I, II e III) e atributos químicos de solos de campos de murundus. Foram abertas trincheiras sobre o “murundu” e na área plana (“plano”) no seu entorno. Não houve distinção entre as classes de solo do ambiente "plano" e "murundu". Os solos foram classificados como Plintossolo Háplico distrófico típico (perfil I), Cambissolo Háplico distrófico plintossólico (Pefil II) e Neossolo Quartzarênico hidromórfico plintossólico (perfil III).

Palavras chaves

áreas úmidas; mosqueados; planícies

Introdução

Os campos de murundus são áreas úmidas caracterizados pela presença de inúmeros montes arredondados de terra, formando micro-relevos com presença de vegetação arbórea, circundados por uma área plana, onde ocorre principalmente o desenvolvimento de gramíneas (Oliveira-Filho e Furley 1990; Marimon et al. 2012). Os campos de murundus aqui estudados são característicos de savanas, e ocorrem principalmente na região central do Brasil, sendo a estes atribuídas hipóteses de formação associada à atividade biológica, erosão do solo ou pela ocorrência simultânea de tais processos (Oliveira-Filho 1992b; Araujo Neto et al. 2009; Midgley 2010; Silva et al. 2010). Áreas úmidas apresentam uma rica diversidade de plantas e animais, os quais são suscetíveis a atividades antrópicas, além da própria dinâmica do solo e da água desses ambientes que podem sofrer graves transformações pelo seu uso imprudente (Price e Waddington 2000; Pott et al. 2011). Esses campos de murundus assumem grande importância ecológica, com funções hidrológicas e ecossistêmicas, tal como destacam Bullock e Acreman (2003) sobre o papel das áreas úmidas nos ciclos hidrológicos. Por outro lado, há necessidades econômicas e sociais que envolvem a utilização de áreas úmidas para agricultura, seja para produção de alimentos e como meio de subsistência para milhões de pessoas (McCartney et al. 2010; Verhoeven e Setter 2010). Portanto, neste cenário evidencia-se a necessidade de pesquisas que permitam desenvolvimento de uma adequada gestão desses ambientes. Nesse sentido, a classificação do solo torna-se importante por permitir inferir sobre sua potencialidade e restrições sobre uso e manejo, fato que permite definir sobre sua capacidade de uso para agricultura Resende et al. 2007). Assim, objetivou-se nesse estudo a descrição morfológica, física e química e a classificação de perfis de solo dos campos de murundus da bacia hidrográfica do Rio Guaporé, sudoeste do estado de Mato Grosso, Brasil.

Material e métodos

Os campos de murundus ora estudados situam-se na região conhecida como pantanais do Vale do Rio Guaporé, sub-região da Depressão Guaporé, caracterizada por áreas planas com altitudes em torno de 200 m, elaborada em sedimentos arenosos, síltico-arenosos e arenoconglomeráticos recentes de idade quaternária provenientes da desagregação e posterior deposição de rochas do Complexo Xingu e do Grupo Aguapeí, recoberto por Savana Estépica e formação do contato Savana Arbórea Aberta/Savana Estépica (Brasil 1982; Moreira e Vasconcelos 2007). Apresenta clima Aw – Savana Equatorial com inverno seco, segundo classificação de Köppen e precipitação média anual em torno de 1.500 mm, com temperaturas médias de 25 a 35° C. Para fazer a caracterização morfológica, química e física dos perfis de solo, foram selecionados três sítios de coleta, os quais pudessem representar os mais variados pedoambientes dos campos de murundus observando-se critérios de paisagem de acordo com Lepsch et al. (1991). Em cada sítio de coleta, abriu-se uma trincheira onde se observou o perfil do solo na área plana, no entorno do murundu, doravante denominado ambiente “plano”, e no “murundu” propriamente dito. A localização dos sítios de amostragens pode ser observada na Figura 1 (Sítio I – 59°48’20” W, 15°24’50” S; Sítio II – 59°46’31” W, 15°01’10” S; Sítio III – 59°32’25” W, 15°09’25” S). A descrição morfológica dos perfis foi realizada no período da seca, no mês de setembro de 2012. Para cada perfil de solo foi realizada a descrição morfológica dos perfis, observando-se características tais como transição entre horizontes, profundidade e espessura, cor, textura, estrutura e consistência conforme Santos et al. (2005), além da análise dos atributos físicos e químicos (EMBRAPA, 2013). A classificação dos perfis seguiu metodologia descrita no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS) preconizada pela EMBRAPA (2013).

Resultado e discussão

A área estudada abrange uma região, entre os municípios de Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade, sudoeste do estado de Mato Grosso, estendendo- se além da fronteira Brasil-Bolívia, ocupando uma área estimada de aproximadamente 5.500 km², em que os “murundus” apresentam uma área média de 80 m², recobrindo cerca de 25% da superfície do solo desses ambientes, conforme estimativas realizadas utilizando imagens do Google Earth 2014. A descrição morfológica dos perfis de solo é mostrada na Tabela 1. Em síntese, de acordo com o SiBCS (EMBRAPA 2013) o sítio I (Plano e “murundu”) podem ser classificados como Plintossolos Háplicos distróficos típicos (FXd), com argila de atividade alta e ausência de transição textural abrupta. Os perfis do sítio II foram classficados como Cambissolos Háplicos Tb distróficos plintossólicos (CXbd), ocorrendo baixa atividade da fração argila, relação silte/argila < 0,7, sem transição clara de horizontes, ausência de B textural e insuficiência de plintitas para o horizonte plíntico. Os perfis dos sítio III foram classificados como Neossolo Quartzarênicos hidromórficos típicos (NQg), não havendo plintita suficiente para o caráter plíntico. Em todos os perfis observou-se a ocorrência de plintitas e mosqueados. A presença de mosqueados e plintitas nesses solos (Tabela 1) permite que os mesmos sejam classificados como de drenagem moderada a mal drenada, embora eles apresentem textura arenosa a média. A densidade do solo (Ds) variou de 1,14 a 1,67 Mg m-3 valores abaixo dos considerados críticos para solos de textura argilosa e franco arenosa,segundo Reinert et al. (2008). Em relação aos atributos químicos (o pH em água variou de 4,12 a 5,01 nos Plintossolos, enquanto nos Cambissolos e Neossolos esses valores foram mais elevados variando de 4,94 a 6,7. Em todos os horizontes dos perfis estudados, o pH em água foi superior ao pH em KCl em torno de 1 a 2 unidades, resultando em Δ pH negativo, ou seja, solo com predomínio de cagas negativas no complexo de troca. Observou-se baixos e médios teores (Tabela 2) de bases trocáveis, V, P e CO em todos os perfis e teores altos de saturação por alumínio, acidez potencial (H+Al) sendo muito alto nos Plintossolos. As CTCs efetiva e CTC potencial foram baixas nos CX e NQs, sendo médias nos horizontes superficiais, enquanto nos FXd foram médias na camada superficial e mais elevadas nos horizontes mais profundos. Os altos teores de Al3+ conjugado com acidez elevada, tal como verificado por Coringa et al. (2012), em solos hidromórficos do Pantanal, pode ser resultante de processo de ferrólise comum em solos sujeitos a encharcamento periódico. A ferrólise pode favorecer ainda, um gradiente textural, tal como o verificado para esses perfis de solo (Tabela 2). No ambiente do “murundu”, ocorrem valores de CO pouco superiores ao ambiente “plano”, e que pode ser associado à deposição de serrapilheira. Adhikari et al. (2009) destacam que áreas úmidas em geral acumulam CO, sendo este o principal ecossistema natural para sua acumulação. No CX foram observados os valores mais elevados de Al2O3 e de Fe2O3, favorecendo valores de Ki e Kr mais baixos (1,3 e 1,55,respectivamente)indicando solos mais intemperizados. As elevadas relações Al2O3/ Fe2O3 (6,85; 5,38 e 19,38 para FXd, CXbd e NQg, respectivamente) observadas, juntamente com os baixos teores de óxidos de Fe evidenciam, também, a remoção de Fe dos perfis analisados. Os baixos teores de óxidos de Fe, tal qual o verificado nesses pedoambientes, estão relacionados com as condições de alagamento, que mesmo por períodos curtos, resultam em processos de oxidação e redução. Esses processos promovem a redução das formas oxidadas de Fe3+, presente na estrutura dos óxidos de Fe, a Fe2+ - mais solúvel, podendo ser removido do perfil – ocasionando solos mais claros, conforme relatado por Costa e Bigham (2009).

Tabela 1

Descrição morfológica dos solos dos sítios I, II e III, dos campos de murundus da bacia hidrográfica do Rio Guaporé, Amazônia Meridional.

Tabela 2

Atributos químicos dos Plintossolos (FXd), Cambissolos (CXbd) e dos Neossolos (RQg) dos campos de murundus da badia do Rio Guaporé, Amazônia Meridiona

Conclusões

Os solos dos campos de murundus foram classificados como Plintossolos Háplicos distróficos típicos, Cambissolos Háplicos Tb distróficos plintossólicos e Neossolos Quartzarênicos hidromórficos típicos. Estratégias de ordenamento territorial para esses ambientes devem ser direcionadas no objetivo de preservar suas características naturais, minimizando danos às funcionalidades ambientais desses ecossistemas. Com relação aos Neossolos desses ambientes, devido à granulometria variar de franco-arenosa a areia, há pouca capacidade de manter a umidade do solo durante o período sazonal de seca. Nesses, ainda, devido à fraca estrutura, baixa coesão do solo e predominância da fração areia, há ainda o risco de iniciar um processo de arenização, devido à retirada da vegetação para algumas práticas agrícolas ou devido ao pisoteio excessivo do gado.

Agradecimentos

As fontes financiadoras do projeto: Rede Pró-Centro Oeste de Pesquisa, Pós- Graduação e Inovação, FAPEMAT, CNPq e Capes, por disponibilizar os meios para a execução da pesquisa, inclusive a bolsa de estudos.

Referências

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