Evolução temporal e espacial das paleovoçorocas presentes no município de Loanda/PR.
Autores
Goulart, A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR)) ; Santos, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR))
Resumo
Este trabalho objetivou analisar a evolução de algumas feições erosivas do município de Loanda/PR, a partir da observação de fotografias aéreas e imagens de satélite e radar. Os resultados mostram que essas incisões erosivas precedem o processo de ocupação, corroborando com a hipótese de se tratarem de paleovoçorocas, formadas em condições edáficas e climatológicas diferentes das atuais, remontando sua provável origem ainda no Quaternário.
Palavras chaves
Paleovoçorocas; Quaternário; Noroeste Paranaense
Introdução
A ocupação e a colonização da região noroeste do Paraná foram permeadas desde o seu início, ainda no século XVI, por atividades econômicas ligadas à agropecuária. Alguns exemplos foram o cultivo da erva-mate, organizado pelos jesuítas, e o café e a pecuária sistematizados pelo sistema de glebas das companhias de terras privadas e estatais já no século XX (KOHLHEPP, 2014). A partir dessa organização em glebas formaram-se núcleos funcionais, ligados por rodovias e ferrovias, nos pontos mais altos do relevo. A partir desses núcleos desenvolveram-se centros urbanos de diversos portes, como Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama Esta organização do espaço ficou conhecida como “espinha de peixe” (KOHLHEPP, 2014). A substituição da vegetação nativa por atividades agropecuárias trouxe profundas alterações na paisagem. Para Maack (2012) o rápido desaparecimento das matas não correspondia ao aumento da população. A retirada da vegetação a montante das bacias predominantemente constituídas de solos arenosos desenvolvidos sobre a Formação Caiuá, resultaram na formação de voçorocas e essas avançaram até a área urbana de muitas das cidades da região (MAACK, 2012). Grande parte dessas voçorocas estão relacionadas às propriedades naturais da paisagem, principalmente as características morfológicas dos solos. Conforme Bigarella (1985) destaca, existe uma densa dissecação localizada a leste do rio Paraná, com características visuais idênticas as voçorocas ativas frequentemente encontradas por todo o noroeste paranaense, contudo algumas dessas parecem remeter a períodos anteriores à ocupação da região, sendo denominadas por esse autor de paleovoçorocas. Deste modo, o objetivo desse trabalho é analisar a evolução temporal e espacial dessas feições erosivas presentes no município de Loanda/PR, a partir da observação de fotografias aéreas e imagens de satélite e radar.
Material e métodos
Para a realização da pesquisa foram utilizadas, como base, imagens de radar Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), fotografias aéreas de voos realizados nos anos de 1953 e 1963, além de imagens do satélite Landsat 5 sensor thematic mapper (TM) dos anos de 1984, 1990, 1996, 2000, 2006 e 2010. A imagem de radar SRTM foi utilizada para a primeira identificação dessas feições erosivas, através da elaboração da imagem sombreada (hillshade) o que contribuiu com a interpretação das feições estudadas. Com o produto gerado a partir da imagem de radar foi possível criar um arquivo vetorial (shapes), que delimitou as erosões analisada. Contudo, segundo Bigarella (1985), a diferenciação entre as formas pretéritas de voçorocas e as ativas é praticamente impossível, utilizando somente imagens de radar, o que justificou o emprego de outras imagens e fotografias aéreas na metodologia. As fotografias aéreas analisadas foram do ano de 1953, período que representa, concomitantemente, o boom do café e a intensificação da colonização na região (KOHLHEPP, 2014). Essas foram disponibilizadas pela mapoteca do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências do Paraná (ITCG). As fotografias disponíveis e imagens de satélite foram georreferenciadas utilizando como base as imagens SRTM (30m) e Global Land Survey (GLS) respectivamente. Após o registro e a sobreposição do vetor, a área foi interpretada visualmente, conferindo se ainda havia vegetação nativa ou se já havia intervenção antrópica capaz de gerar o processo erosivo com tal dimensão, o que seria uma primeira abordagem sobre a gênese dessas paleovoçorocas.
Resultado e discussão
Na interpretação visual das imagens de radar, SRTM e imagem sombreada, pode-se
perceber e identificar áreas com intensa dissecação no noroeste paranaense
conforme Figura 01 - A.
A análise do mosaico das fotografias aéreas de 1953 demonstra que a vegetação
nativa (Floresta Estacional Semidecidual), na região noroeste do Estado, ainda
encontra-se com pouca intervenção antrópica, quase inalterada (Figura 01 - B).
As imagens Landsat analisadas evidenciam a continua interferência do homem nas
proximidades e até mesmo adentrando parcialmente na área identificada como
paleovoçoroca, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, imagens de 1984
(Figura 02 - A), 1990 (Figura 02 - B) e 1996 (Figura 02 - C). Após este período,
imagens de 2000 (Figura 02 - D), 2006 (Figura 02 - E) e 2010 (Figura 02 - F), a
vegetação que recobre essas feições sofreu alterações pontuais, permanecendo em
bom estado de conservação principalmente a montante da drenagem, local de maior
relevância para a estabilidade dos processos erosivos.
A partir dos resultados descritos pode-se afirmar que, diferentemente das
voçorocas atuais, as feições analisadas tiveram sua morfologia definida
anteriormente ao processo de ocupação da região. Porém, com os resultados
indicando a presença da vegetação durante todo o período analisado não é
possível precisar sobre a gênese dessas paleovoçorocas, mas apenas descartar sua
origem pós-ocupação da região.
Sendo assim, podem ser feitas algumas inferências sobre as condições ambientais
em que se encontrava a paisagem durante os processos que deram origem a tais
feições morfológicas possivelmente correlatas.
Alguns estudos como o de paleoclimas do Quaternário, mais especificamente do
final do Pleistocêno, evidenciam épocas cíclicas de desertificação generalizada,
quando então as condições de semi-aridez atingiram todo o sul do Brasil
(BIGARELLA, 1985). Ainda segundo Bigarella (1985), a origem de tais
paleovoçorocas pode ser explicada pelos episódios de erosão e/ou sedimentação
deste ultimo grande período glacial, responsável pela escultura do modelado
topográfico e pela natureza dos depósitos colúvio-aluvionares, principalmente
daqueles da Formação Paranavaí.
Condições edáficas e climáticas são, basicamente, as responsáveis pela
distribuição espacial da vegetação. Assim, alguns estudos biogeográficos
corroboram com a hipótese que estas flutuações climáticas podem ter originado
essas feições pretéritas. A análise da distribuição espacial da vegetação
relictual de climas mais secos, Cerrado, em meio a atual predominância da
Floresta Estacional Semidecidual na área revela flutuações climáticas do
Quaternário, o que reforça a hipótese de atuação de um clima mais frio e seco ao
final do último grande período glacial (BIGARELLA, 1985; MAACK, 2012).
Análises utilizando técnicas laboratoriais com o Berilo 10 em amostras dessas
voçorocas pretéritas, ainda não publicadas, revelam índices elevados de taxas de
erosão. Estes altos valores caracterizam uma reativação dos processos erosivos,
o que confirma o caráter cíclico dessas paleovoçorocas.
(A) Imagem SRTM com identificação das paleovoçorocas, linha vermelha. (B) Mosaico de fotografias aéreas de 1953 e paleovoçorocas, linha vermelha.
Imagens Landsat: (A)1984, (B) 1990, (C) 1996, (D) 2000, (E) 2006 e (F) 2010.
Conclusões
Os resultados e a discussão, demonstrando a presença da vegetação em toda a série temporal e as ações paleoclimaticas que podem ter agido diretamente na formação da paisagem na região estudada, atestam que a origem dessas feições precede o processo de ocupação da região, porém novos estudos devem ser feitos para assegurar a gênese de tais feições. Para uma análise mais criteriosa sobre a época em que foram formadas tais feições e um melhor aprofundamento sobre quais elementos atuaram na paisagem durante o Quaternário, será necessária a aplicação de técnicas para identificação e interpretação de fitólitos presentes nos estratos do arenito Caiuá, embasamento litológico da região. A extração e interpretação dos fitólitos poderia sugerir uma mudança das plantas de ciclo C3 para C4, de climas secos para úmidos, em camadas de deposição que indicariam uma mudança de fração dos sedimentos, sugerindo assim que as paleovoçorocas foram formadas durante o ultimo grande período glacial.
Agradecimentos
Os autores agradecem a UFPR e o Departamento de Geografia e em especial ao Programa de Pós-graduação em Geografia desta unidade, pela infraestrutura que possibilitaram o desenvolvimento da pesquisa.
Referências
BIGARELLA, J.J. e MAZUCHOWSKI, J.Z. Simpósio nacional de controle de erosão. Anais. Maringá, 1985.
MAACK, R. Geografia física do Estado do Paraná. 4. ed. Imprensa UEPG, Ponta Grossa, 2012.
KOHLHEPP, G. Colonização agrária do norte do Paraná: processos geoeconômicos e sociogeográficos de desenvolvimento de uma zona subtropical do Brasil sob a influência da plantação de café. 1 ed. Editora da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2014.