Graus de hidromorfia de solos situados em planície fluvial e em setores de interface vertente-planície na Bacia Hidrográfica do Rio Cotia/SP
Autores
Grigorowitschs, H. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Rodrigues, C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)
Resumo
Este estudo possui os objetivos de identificar graus de hidromorfia nos solos situados em fundos de vale na bacia hidrográfica do rio Cotia/SP, e estabelecer relações entre esses graus e o regime de saturação hídrica do solo. Observou-se que horizontes e camadas situadas em diferentes profundidades, morfologias e posições do relevo, apresentaram padrões distintos de distribuição dos graus de hidromorfia, condicionados por regimes de saturação hídrica variados.
Palavras chaves
planície fluvial; Gleissolos; graus de hidromorfia
Introdução
As características morfológicas e morfométricas do relevo exercem forte condicionamento na dinâmica hídrica superficial e subsuperficial e, consequentemente, na distribuição das zonas sujeitas à saturação hídrica nas bacias hidrográficas, conforme apontam Dunne et al (1975). Desta forma, solos presentes em determinadas morfologias e posições do relevo, tais como o setor inferior de vertentes e as planícies fluviais, estão sujeitos a condições de saturação hídrica temporária ou permanente, as quais promovem a formação de atributos hidromórficos tais como as feições redoximórficas, que em alguns casos correspondem aos chamados mosqueados, e os materiais orgânicos, como as turfas. Diversos estudos abordam as relações entre os atributos hidromórficos e o regime de saturação hídrica do solo (e.g. Simonson & Boersma, 1972; Franzmeier et al, 1983; Dorronsoro et al, 1988; Vepraskas, 2001; He et al, 2003). Os atributos hidromórficos de solos presentes em diferentes profundidades ou posições ao longo dos fundos de vale podem apresentar gradações de intensidade, que refletem gradações no regime de saturação hídrica, isto é, no tempo de duração e na frequência dos eventos de saturação. Neste sentido, os objetivos deste estudo consistiram nos seguintes: (i) identificação de graus de hidromorfia nos solos situados em planície fluvial e na interface vertente-planície; (ii) estabelecimento de relações entre os graus de hidromorfia identificados e o regime de saturação hídrica nas áreas estudadas. O estudo foi realizado na Alta Bacia hidrográfica do rio Cotia, município de Cotia/SP, situada no Planalto de Ibiúna (Almeida, 1964) e caracterizada basicamente por altitudes entre 850 e 1050m, embasamento cristalino (EMPLASA, 1984), clima Cfb de Köeppen (Metzger et al, 2006), Floresta Ombrófila Densa Montana (Catharino et al, 2006) e solos de ambientes não hidromórficos classificados como Cambissolos Háplicos Distróficos e Latossolos Vermelho-amarelos Distróficos (Oliveira et al, 1999).
Material e métodos
Neste artigo são apresentados os resultados do estudo realizado ao longo de um perfil transversal, denominado Perfil Transversal A (PTA), que abrange o setor inferior de vertentes e a planície fluvial de um afluente do rio Cotia. Esse perfil foi selecionado a partir da elaboração de um mapa da morfologia fluvial de parte da Alta Bacia do Rio Cotia, utilizando-se a técnica da aerofotointerpretação (Cruz, 1981), que serviu como base para a delimitação de morfologias do relevo que potencialmente conteriam solos com atributos hidromórficos, como os Gleissolos e Organossolos. Nesse sentido, partiu-se de uma abordagem geomorfológica, em função de seu caráter integrador de formas, materiais e processos (Hart, 1986). Ao longo do perfil transversal efetuou-se um levantamento morfométrico do relevo utilizando-se o pantômetro (Pitty, 1968), gerando um gráfico do perfil (figura 2b). Realizou-se a descrição e coleta dos solos em perfis de trincheiras e por tradagem. A definição dos pontos de descrição no setor inferior das vertentes baseou-se nas orientações de Boulet (1988). Na planície fluvial foram selecionados pontos em diferentes morfologias, tais como no dique marginal, na backswamp, além de outros. A descrição dos atributos morfológicos do solo foi realizada conforme Santos et al (2005) e das feições redoximórficas segundo Schoeneberger et al (2002; 2012), com adaptações. A nomenclatura e classificação dos horizontes e camadas foram efetuadas respectivamente conforme Santos et al (2005) e EMBRAPA (2013), com exceção dos casos de materiais organominerais ou orgânicos de cor muito escura ou preta (aqui denominados “DO”) que não atenderam aos requisitos de horizonte Hístico. Em laboratório realizou-se análise granulométrica (EMBRAPA, 1997) e, em alguns casos, a determinação do teor de carbono orgânico (Camargo et al, 2009). Foram efetuadas medições dos níveis d’água em cada ponto de descrição dos solos, entre os meses de setembro/2012 e março/2013.
Resultado e discussão
A partir da análise das características dos solos e da identificação de
gradações de intensidade em seus atributos hidromórficos, foram definidos 7
graus de hidromorfia, cuja descrição é apresentada na figura 2. Cada grau de
hidromorfia corresponde a um padrão específico de atributos hidromórficos,
produzido por determinado regime de saturação hídrica. Solos com graus de
hidromorfia mais elevados possuem atributos hidromórficos mais acentuados, por
permanecerem mais tempo sob condições de saturação hídrica e anaerobismo e/ou
passarem por essas condições com maior frequência quando comparados a solos com
graus de hidromorfia mais baixos.
A figura 1 apresenta a distribuição espacial dos graus de hidromorfia
identificados na área estudada. De maneira geral, foram observadas algumas
tendências como: (i) na maioria dos pontos, aumento nos graus de hidromorfia com
o aumento da profundidade; (ii) nos pontos da vertente (V1, V2 e V3), transições
verticais mais suaves e graduais, partindo dos graus mais baixos aos mais
elevados em maiores profundidades; (iii) na planície (pontos P1 a P5),
ocorrência de graus de hidromorfia médio e elevado (4 a 6) desde os horizontes
superficiais ou próximos da superfície; (iv) nos pontos da planície próximos ao
sopé (S1 e S2), ocorrência de grau de hidromorfia elevado (6) nos horizontes
superficiais, e grau 7 na backswamp (ponto B), que consiste em um ambiente atual
de acúmulo de material orgânico, onde o nível d’água permanece aflorante.
A partir desses resultados, observa-se que os perfis de solos localizados em
diferentes morfologias e posições do relevo, influenciados por processos
distintos, apresentam diferentes padrões de distribuição dos graus de
hidromorfia.
A respeito da relação entre os graus de hidromorfia e o regime hídrico do solo,
as seguintes correlações foram identificadas. Os horizontes classificados de
acordo com baixos graus de hidromorfia (1, 2 e 3) estão associados a eventos de
saturação hídrica pouco frequentes e de curta duração, decorrentes de episódios
de precipitação extremos na estação chuvosa, ou mesmo associados a eventos raros
de saturação ocorridos em anos com precipitação acima da média, como
possivelmente é o caso do grau 1. Essas condições hídricas são suficientes
apenas para formar atributos hidromórficos pouco acentuados.
Os horizontes com graus 4 e 5 de hidromorfia permanecem bastante úmidos ou em
condições próximas da saturação hídrica durante um período de tempo
significativo ao ano, atingindo a saturação nos períodos mais chuvosos, e/ou
passam por eventos de saturação hídrica algumas vezes ao ano em decorrência de
precipitação intensa ou moderada e prolongada. Essas condições hídricas
propiciam a redução e mobilização da maior parte do Fe da matriz do solo,
gerando significativa gleização.
Os horizontes/camadas que apresentaram grau máximo (7) de hidromorfia estão
associados a uma das seguintes condições hídricas: (i) localizam-se abaixo do
lençol freático, permanecendo sob condições de saturação o ano todo ou a maior
parte do ano; (ii) correspondem à franja capilar; (iii) consistem em zonas com
solos de textura argilosa, localizadas acima do lençol freático, que permanecem
saturadas ou em condições muito próximas da saturação hídrica o ano todo. Esta
última condição também ocorre em alguns dos horizontes com grau 6 de
hidromorfia. Essas condições hídricas propiciam a manutenção de ambientes
anaeróbicos e quimicamente redutores, e consequentemente do ferro em estado
reduzido.
Nos perfis estudados também ocorrem horizontes ou camadas de materiais
organominerais e orgânicos, em alguns casos classificados como horizontes
Hísticos, tendo-se atribuído a esses materiais uma provável equivalência ao grau
7 de hidromorfia.
Foram identificadas algumas zonas com solos que, apesar de possuírem atributos
hidromórficos, não apresentaram um padrão bem definido de feições que permitisse
seu enquadramento segundo os graus propostos, conforme indicado nas figuras.
Graus de hidromorfia no Perfil Transversal A
Legenda da Figura 1 e Localização dos pontos de descrição e coleta de solos
Conclusões
Este estudo propiciou a identificação e representação da sucessão espacial de diferentes graus de hidromorfia, evidenciando assim a relação entre a geomorfologia, os processos e condições hídricas e a morfologia do solo, em escala de detalhe. De maneira geral observou-se a ocorrência de atributos hidromórficos mais acentuados, aos quais se atribuiu graus de hidromorfia mais elevados, em horizontes sujeitos a condições de saturação hídrica permanente, prolongada e/ou frequente, e atributos hidromórficos pouco acentuados, associados a graus de hidromorfia mais baixos, em horizontes sujeitos a eventos de saturação hídrica menos frequentes e de menor duração. Cabe mencionar que, ainda que as condições de saturação hídrica sejam fundamentais no desenvolvimento dos atributos hidromórficos, há também outros fatores que influenciam esse processo, como a mineralogia do material de origem, a presença ou ausência de matéria orgânica oxidável e as características da solução do solo.
Agradecimentos
À FAPESP (processo 2011/03909-4), ao Laboratório de Pedologia do Departamento de Geografia/FFLCH/USP e ao José Roberto Nali, do Sistema Alto Cotia/SABESP.
Referências
ALMEIDA, F. F. M. de. Fundamentos Geológicos do Relevo Paulista. Boletim IGC. São Paulo: Instituto Geográfico e Geológico, n. 41, p. 168-274, 1974.
BOULET, R. Análise estrutural da cobertura pedológica e cartografia. In: Anais do XXI Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, Campinas, S.B.C.S, 1988.
CAMARGO, O.A.; MONIZ, A.C.; JORGE, J.A.; VALADARES, J.M.A.S. Métodos de análise química, mineralógica e física de solos do Instituto Agronômico do Estado de São Paulo. Campinas: Instituto Agronômico (Boletim Técnico, 106), 2009.
CATHARINO, E. L. M.; BERNACCI, L. C.; FRANCO, G. A. D. C.; DURIGAN, G.; METZGER, J. P. Aspectos da composição e diversidade do componente arbóreo das florestas da Reserva Florestal do Morro Grande, Cotia, SP. Biota neotropica, Campinas, SP, v. 6, n. 2, p. 1-22, 2006. Disponível em <http://www.biotaneotropica.org.br > Acesso: 20/01/2007.
CRUZ, O. Alguns conhecimentos básicos para a fotointerpretação. In: Aerofotogeografia, (25). São Paulo: IGEOG/USP, 1981.
DORRONSORO, C.; ALONSO, P. y RODRIGUEZ, T. La hidromorfía y sus rasgos micromorfológicos. Una revisión. Ana. Edaf. y Agrob. XLVII, 243-278, 1988.
DUNNE, T.; MOORE, T.R. & TAYLOR, C.H. Recognition and prediction of runoff-producing zones in humid regions. Hydrological Sciences Bulletin. 20(3):305-327, 1975.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISAS AGROPECUÁRIAS (EMBRAPA). Centro Nacional de Pesquisa de Solos (Rio de Janeiro, RJ). Manual de métodos de análise de solo. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro, 1997.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISAS AGROPECUÁRIAS (EMBRAPA). Sistema brasileiro de classificação de solos. 2ª edição, Embrapa Solos, Rio de Janeiro, 2006.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Sistema brasileiro de classificação de solos. 3ª edição. Brasília, 2013.
EMPRESA METROPOLITANA DE PLANEJAMENTO DA. GRANDE SÃO PAULO S.A. (EMPLASA). Carta geológica da Região Metropolitana de São Paulo. Folhas: Osasco, Embu-Guaçu, Juquitiba. São Paulo: Emplasa, 1984.
FRANZMEIER, D.P.; YAHNER, J. E.; STEINHARDT, G. C.; SINCLAIR, H.R. Color patterns and water table levels in some Indiana soils. Soil Science Society of America Journal, 47: 1196-1202, 1983.
HART, M. G. Geomorphology, pure and applied. George Allen and Unwin, Londres, 1986.
HE, X., M.J. VEPRASKAS, D.L. Lindbo and R.W. Skaggs. A method to predict soil saturation frequency and duration from soil color. Soil Sci. Soc. Am. J., 67: 961-969, 2003.
METZGER, J. P.; ALVES, L.; GOULART, W.; TEIXEIRA, A. M. G.; SIMÕES, S. J.; CATHARINO, E. L. M. Uma área de relevante interesse biológico, porém pouco conhecida: a Reserva Florestal do Morro Grande. Biota neotropica, Campinas, SP, v. 6, n. 2, p. 1-28, 2006. Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br > Acesso: 26/10/2006.
OLIVEIRA, J. B.; CAMARGO, M. N.; ROSSI, M.; CALDERADO FILHO, B. Mapa pedológico do Estado de São Paulo, escala 1:500.000. Campinas: IA, 1999.
PITTY, A.F. A simple device for the field measurement of hillslopes. Journal of Geology, v. 76, p. 717-720, 1968.
SANTOS, R.D.; LEMOS, R.C.; DOS SANTOS, H.G.; KER, J. C.; DOS ANJOS, L.H.C. Manual de descrição e coleta de solo no campo. 5.ed. Viçosa, MG, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2005.
SCHOENEBERGER, P.J.; WYSOCKI, D.A.; BENHAM, E.C.; BRODERSON, W.D. (editors). Field book for describing and sampling soils, Version 2.0. Natural Resources Conservation Service, National Soil Survey Center, Lincoln, NE, 2002. Disponível em: <http://soils.usda.gov/technical/fieldbook/> Acesso: 13/01/2012
SCHOENEBERGER, P.J., WYSOCKI, D.A., BENHAM, E.C. & Soil Survey Staff. Field book for describing and sampling soils, Version 3.0. Natural Resources Conservation Service, National Soil Survey Center, Lincoln, NE, 2012.
SIMONSON, G.H. & BOERSMA, L. Soil morphology and water table relations: II.
Correlation between annual water table fluctuations and profile features. Soil Sci.Soc. Amer. Proc. 36:649-653, 1972.
VEPRASKAS, M.J. Morphological features of seasonally reduced soils. In: Richardson, J.L. and Vepraskas, M.J. Wetland Soils; Genesis, hydrology, landscapes, and classification, Lewis Publishers, Boca Raton, FL, 2001.