A produção de sedimentos em suspensão do Rio Amazonas está mudando?

Autores

Montanher, O.C. (UEM) ; Souza Filho, E.E.S.F. (UEM) ; Novo, E.M.L.M. (INPE) ; Barbosa, C.C.F. (INPE)

Resumo

Este trabalho investiga a tendência de mudança no transporte de sedimentos do Rio Amazonas. Além da base de dados do programa Hybam, também foram utilizadas estimativas a partir de 308 imagens orbitais TM. Afirma-se que a produção de sedimentos em suspensão não está se alterando linearmente (aumento ou diminuição) no período analisado (1985-2012), pois não foi observada tendência significativa de mudança (valor p: 0,27), levando em conta as estimativas referentes à estação de Óbidos.

Palavras chaves

Rio Amazonas; sedimentos suspensos; sensoriamento remoto

Introdução

Em um cenário de mudanças globais, tem havido progressivamente maior interesse em avaliar seus impactos sobre ciclos biogeoquímicos. A bacia amazônica, a maior do mundo, é um objeto de particular interesse neste campo de pesquisa, dada sua escala continental, e sua cobertura florestal, que a torna um bioma sensível às mudanças climáticas, ao desmatamento e à interação desses dois fatores. (Asner et al., 2010; Laurance et al., 2011; Feeley et al., 2012) O transporte de sedimentos é um importante indicador ambiental das condições hidrológicas de qualquer bacia, a qual pode demonstrar mudanças em processos dinâmicos como precipitação e cobertura do solo ao longo do tempo. O transporte de sedimentos suspensos (TSS) do Rio Amazonas é um objeto de estudo desde a década de 60 (Gibbs, 1967; Meade et al., 1979; Meade, 1985; Meade, 1994; Dunne et al., 1998; Guyot et al., 2005; Martinez et al., 2009). A maior parte dos trabalhos mais antigos focou na estimativa da produção anual total, enquanto que a dinâmica temporal da PSS recebeu menor atenção. A escassez de uma base de dados longa e frequente o suficiente, explica esta situação. Utilizando uma base de dados de alta freqüência, Guyot et al., (2005) e Martinez et al., (2009) lidaram com esse aspecto, mostrando uma tendência de aumento na PSS. Porém, o intervalo temporal dessas bases são respectivamente 8 e 12 anos. Neste trabalho, são usados dados de concentração de sedimentos suspensos de diversas origens para criar uma série temporal mais longa, de quase 30 anos (1985 – 2012), e menos sujeita à variabilidade interanual das estimativas. Uma base de dados maior pode confirmar os resultados anteriores, revelando uma tendência de longo prazo, ou mostrar uma dinâmica diferente. Com base nisso, o objetivo deste trabalho é avaliar as variações temporais do TSS do rio Amazonas em Óbidos (PA) ao longo do período entre 1985 e 2012 e verificar a existência de tendência de diminuição ou de aumento.

Material e métodos

A estação de Óbidos (PA) foi utilizada por se tratar da última estação de coleta de dados antes da foz do Rio amazonas. Esta possui uma série de dados de vazão desde 1968, e dados de alta frequência amostral da concentração de sedimentos suspensos em superfície (CSSS), fornecidos pelo programa HYBAM (www.ore- hybam.org). A partir deste programa foram utilizados 959 valores de CSS entre 24/03/1995 e 10/06/2013, dentre os quais: 424 coletas in situ e 535 estimativas a partir de imagens orbitais provenientes do sensor MODIS (Martinez et al., 2009). As estimativas de CSSS a partir de imagens orbitais são baseadas na relação entre a reflectância ou radiância e o nível de concentração de sedimentos na água. Devido à diversidade de restrições radiométricas e ambientais essas estimativas não são exatas, mas podem ter uma boa correlação com os valores reais (Ritchie e Shiebe, 2000; Martinez et al., 2009, Wang et al., 2009; Park e Latrubesse, 2014, Montanher et al., 2014). Dentre os dados estimados remotamente, além dos fornecidos pelo programa HYBAM baseados em produtos MODIS, neste trabalho também foram utilizadas estimativas a partir de dados Landsa5/TM (Montanher 2013, Montanher et al., 2014). Foram processadas 308 imagens Landsat segundo a metodologia de Montanher et al., 2014, as quais abrangem o período de 09/04/1984 a 26/12/1994. A vazão é fornecida diariamente em m³/s, já a CSSS, em mg/l, possui uma irregularidade amostral, pois há diversas fontes de dados. A CSSS para os dias em que não há amostragem foi estimada a partir de uma interpolação linear simples entre as coletas. A concentração de sedimentos em suspensão média (CSSM), integrada para o perfil, foi estimada a partir da relação linear encontrada por Filizola (2003): CSSM = 1,24 ∙ CSSS + 43,5. A partir da CSSM e da vazão diária, é possível obter o transporte total de sedimentos suspensos (TSS) para um determinado dia, e os valores mensais e anuais são simples somas para os períodos.

Resultado e discussão

Observa-se que a série de dados utilizada neste trabalho permite avaliar de forma abrangente a dinâmica temporal do transporte de sedimentos suspensos do Rio Amazonas, a partir das estimativas da CSSS via imagens Landsat 5 (Figura 1.A). Os dados diários de vazão e transporte de sedimentos suspensos mostram o bem conhecido comportamento do Rio Amazonas em que o pico de concentração de sedimentos suspensos ocorre em torno de três meses antes do pico de vazão (Figura 1.B). O trabalho de Martinez et al. (2009), um dos poucos que lida com a dinâmica temporal da PSS do Rio Amazonas apresenta uma análise de tendência para o período de 1996-2007. Segundo os autores, há uma tendência linear de aumento do transporte sedimentar para este período, significativa para o nível de significância de 1%. O trabalho não deixa claro a técnica utilizada para estimar a tendência, mas aparentemente os autores utilizaram uma regressão linear simples, em que, quando a distribuição dos dados abrange satisfatoriamente o período analisado, e a distribuição dos erros é normal, pode ser aplicada para verificação de tendências temporais. Neste trabalho foram calculadas as produções anuais totais para o período de 1985-2012, os quais são anos completos de dados (não foram utilizados os anos de 1984 e 2013), e suas tendências foram analisadas pela regressão linear simples. Assim como observado por Martinez et al., (2009) para o período de 1996-2007, a vazão média anual tende à ser estável também para o período de 1985-2012 (Figura 2.A). No entanto, quando a série de transporte de sedimentos suspensos é analisada, observa-se que não há uma tendência de aumento (Figura 2.A). Para fins de comparação, foram feitas duas análises de regressão, uma para o período de 1996-2007 e outra para o período de 1985-2012, as quais estão apresentadas na Figura 2.B. Conforme mencionado por Martinez et al., (2009), para o período de 1996-2007 há uma tendência de aumento da PSS com o tempo, significativa para o nível de 1% (valor p = 0,0027). No entanto, ao se analisar a série de dados mais abrangente (1985-2012), nota-se que o coeficiente angular possui um valor menor, e que esta tendência não é significativa (valor p = 0,271). Esta última série permite observar intervalos em que há aumento do transporte (1987-1992 e 1997- 2003), estabilidade (2004-2009) e redução (1992-1997 e 2009-2012). A questão de não haver um aumento sistemático do transporte e consequentemente da produção de sedimentos deve ser explicada pelo fato de que grande parte das mudanças na cobertura vegetal não está ocorrendo nas áreas de alta produção sedimentar, como na região orogênica dos Andes, que seria responsável pelo fornecimento de 90% do suprimento sedimentar (Latrubesse et al., 2005). O desmatamento das áreas cratônicas ocorre em áreas de baixa declividade e aparentemente o escoamento superficial não difere entre coberturas florestais e cultivos de soja nessas regiões amazônicas (Hayhoe et al., 2011). Portanto a energia disponível para o transporte de sedimentos para os rios deve ser muito semelhante para áreas florestais e áreas que tiveram sua cobertura vegetal natural alterada. Além disso, um eventual aumento da produção de sedimentos nestas áreas poderia passar despercebido porque a maior parte do suprimento detrítico é proveniente de outras áreas.

Figura 1

A – Série de dados de CSSS considerando as duas fontes de dados. B – Dados diários de vazão e TSS. Os dados referem-se à estação de Óbidos – PA.

Figura 2

A – Dados anuais de vazão e TSS para o Rio Amazonas, para o período de 1985-2012. B –Regressão linear para todo o período e para 1996-2007.

Conclusões

Para responder a questão postulada no título, a atual base de dados, maior do que as utilizadas anteriormente permite afirmar que a produção de sedimentos em suspensão não está alterando-se linearmente em alguma direção constante (aumento ou diminuição), pois não foi observada tendência significativa de mudança, levando em conta a estação de Óbidos e o período de 1985-2012. Por sua vez, a existência de ciclos de aumento, estabilidade e diminuição do transporte explica os resultados obtidos por Martinez et al., (2009), cujo período de amostragem coincidiu com uma fase de aumento de fornecimento detrítico. É possível que a explicação para a existência de tais ciclos possa ser encontrada em estudos a respeito das variáveis climáticas dos Andes.

Agradecimentos

Referências

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