Articulações entre Geomorfologia Regional e condicionantes antrópicos na compreensão de processos e feições geomorfológicas em Chapadão do Sul (MS)
Autores
Cherem, L.F.S. (UFG) ; Magalhães Jr., A.P. (UFMG)
Resumo
Esse trabalho integra o conhecimento geomorfológico regional e de processos geomorfológicos antropogênicos em um estudo de caso do desequilíbrio erosivo em uma bacia hidrográfica localizada na transição entre as Chapadas e os Planaltos da Bacia do Paraná. A bacia estudada e o canal receptor foram compartimentados de acordo com as feições erosivas, deposicionais e padrão de canal. Os resultados demonstram que a integração proposta contribui para o melhor entendimento dos processos antropogênicos.
Palavras chaves
Processos erosivos aceler; Bacia Sedimentar do Paran; proposta metodológica
Introdução
Os processos erosivos acelerados e as feições erosivas e deposicionais correlatas são objetos constantes de estudos ambientais (1) que tem, como base científica, o conhecimento gerado pela Geomorfologia (2). Essa relação cria uma apropriação dialética do conhecimento e contribui para o desenvolvimento científico. Nesse sentido, a Geomorfologia Aplicada tem muito a contribuir no intermédio entre o conhecimento puro e a apropriação pelas demais Ciências (Engenharia, Geologia, Ciências Ambientais, entre outras), quando permite a interação conceitual entre a Geomorfologia Pura e as questões ambientais. Um exemplo bom exemplo disso é a bacia do Córrego Pasto Ruim, afluente de margem direita do Rio Aporé, em Chapadão do Sul, MS (FIG1A). Essa bacia hidrográfica apresenta dezenas de feições erosivas e deposicionais associadas, ao que parece, a alteração da cobertura e uso do solo, como é geralmente interpretado. Entretanto, essa bacia se localiza em um contexto de transição entre dois dos Domínios Morfoclimáticos do Brasil (3), porção da paisagem onde os processos intempéricos e erosivos tendem a ser mais intensos (FIG1B). Nesse contexto, a atual dinâmica dessa paisagem, sob condicionamento antrópico, é permeada pela dinâmica de uma paisagem de transição chapada/planalto, onde a dinâmica erosiva tem, naturalmente, fluxos de matéria e energia mais intensos (4). Assim, para saber a real medida em que os processos dessas duas escalas de analise geomorfológica se permeiam, é importante reconhecer, mapear e entender a distribuições das feições associadas e interpretá-las dentro dessa perspectiva. Nesse contexto, esse trabalho busca abordar as possibilidades de interação da geomorfologia de processos de pequena escala, considerando a ação antrópica, e da geomorfologia de grandes domínios morfoclimáticos tropicais, tendo como objeto de estudo a bacia do Cór. Pasto Ruim, localizada na transição chapada e planalto.
Material e métodos
A metodologia adotada é composta por 4 etapas: (a) compartimentação morfológica da drenagem principal do Córrego Pasto Ruim com identificação das feições erosivas e deposicionais e dos padrões de canal; e (b) compartimentação dos padrões de canal do trecho do Rio Aporé adjacente à bacia analisada; e (c) interpretação conjunta dos compartimentos. Para as etapas de (a) e (b) foram utilizadas imagens pancromáticas IKONOS de 21/08/2004 em ambiente SIG, em escala cartográfica de 1:5000. As feições erosivas e deposicionais identificadas foram: ravinas, voçorocas, escarpas, depósitos coluvionares inconsolidados (com e sem vegetação) e depósitos aluvionares inconsolidados (com e sem vegetação). Os padrões de canais mapeados foram: o padrão entrelaçado (braided), ‘anabraided’, anastomosado, meandrante e retilíneo, onde foram identificadas as feições típicas: barras, ilhas e multipos canais, planícies (5, 6). Depois os mapas gerados são analisados em conjunto para guiar a discussão referente à interação da dinâmica geomorfológica e sua relação com impactos ambientais. A área de estudo corresponde à bacia do Córrego Pasto Ruim, localizada sobre os sedimentos inconsolidados da Formação Cachoeirinha do Eoceno, depositados sobre os arenitos quartzosos da Formação Santo Anastácio, Grupo Caiuá do Cretáceo Superior, pertencentes à Bacia Sedimentar do Paraná. A Formação Cachoeirinha localiza-se sempre nos topos dos chapadões (~800m) localizados nos limites dos estados de Goiás e do Mato Grosso do Sul (7). Essa área faz parte do domínio das Chapadas e Planaltos da Bacia do Paraná, segunda classificação de Ross (2).
Resultado e discussão
A bacia do Cór. Pasto Ruim tem 33km de extensão desde sua cabeceira mais a
montante até sua foz e é dividida em 8 segmentos - SEG (FIG2A). O SEG 1 (13km),
com canal intermitente, não tem alterações morfológicas. O SEG 2 (2km), com
canal intermitente, também não tem alterações. O SEG 3 (1km), com canal
intermitente, já tem alterações no talvegue, com incisão fluvial. O SEG 4 (6km),
com canal perene e padrão retilíneo a meandrante, tem incisão fluvial e também
inúmeras ravinas na borda da planície ao longo de todo trecho. O SEG 5 (3km),
com canal perene retilíneo a meandrante, tem apenas incisão fluvial,
concentrando 3 voçorocas e 2 ravinas. O SEG 6 (4,5km) tem canal meandrante sem
impactos. O SEG 7 (2,5km) tem canal meandrante e depósito aluvionar sem
cobertura vegetal. O SEG 8 (1km) tem canal anastomosado e também deposito
aluvionar sem cobertura.
O trecho da planície do Rio Aporé, com 5,5km para montante e 9,5km para jusante
da confluência com o Cór. Pasto Ruim, é dividida em 7 segmentos (FIG2B). O SEG A
(5km) tem canal meandrante sem barras com planície de até 600m de largura. O SEG
B (1km) tem canal ‘anabraided’, planície de até 420m e é limitado à montante
pelo leque deltaico do Cór. Pasto Ruim. O SEG C (3km) tem canal anastomosado e
planície de até 770m. O SEG D (3,5km) tem canal predominantemente meandrante e
trechos anastomosados com planície de até 380m. O SEG E (1,5km) tem canal
meandrante com barras de pontal e planície de até 500m. Entre esse trecho e o
seguinte, o SEG F (1,5km), existe uma cascata. O SEG F, por sua vez, tem canal
meandrante sem barras e planície de até 400m. O SEG G (0,5km) tem canal
retilíneo encaichoerado, drenando sobre rocha. A partir desse ponto, o canal
segue com padrão meandrante, predominantemente, sem barras.
A bacia estudada tem características típicas de uma área com desequilíbrio
erosivo, onde os trechos erodidos (SEG 3, 4 e 5) correspondem a porções da bacia
onde predomina a retirada de materiais. Os trechos sob processos de deposição
aluvial são os SEG 7 e 8. Os demais segmentos (SEG 1, 2 e 6) correspondem a
porções que estão em equilíbrio no transporte de materiais, entretanto, nesses
três últimos SEG, existem ravinas e voçorocas bem desenvolvidas que fornecem uma
carga sedimentar expressiva. No Rio Aporé, os trechos A, E, F e G têm
características que indicam equilíbrio no transporte. Os trechos B, C e D têm
desequilíbrio com excesso de carga em relação à capacidade e competência de
transporte. Não existem trechos sendo erodidos.
Essas características indicam que, em geral, a bacia do Cór. Pasto Ruim fornece
excesso de carga sedimentar para seu captor, oriunda tanto da erosão de encosta
quanto da erosão fluvial no leito e margens. Assim, no SEG 6, o excesso de
carga fornecido pela erosão se equilibra com a erosão fluvial contribuindo para
a configuração de um padrão meandrante. Em seguida, nos SEG 7 e 8, a
proximidade com a confluência em baixas declividades e condicionam um ambiente
deposicional em desequilíbrio com padrão anastomosado. Esse desequilíbrio
erosivo na bacia afluente condiciona a dinâmica deposicional do canal receptor
(Rio Aporé) por cerca de 6km, quando o Aporé recupera suas características
originais. Assim, o desequilíbrio na deposição nos trechos SEG B, C e D
demonstra que o canal deposita todo o material em excesso e depois recupera suas
características originais, ou seja, o SEG A é igual a E, F e G.
A bacia do Cór. Pasto Ruim insere-se no contexto de transição entre as Chapadas
recobertas pela Fm. Cachoeirinha (800m) e os planaltos rebaixados (500m), cujo
perfil longitudinal marca essa transição. As características do perfil
longitudinal do canal (FIG2A) mostram que SEG A e B inserem-se no domínio das
chapadas e os SEG C ao G estão inseridos no domínio de escarpa. Assim, os
limiares para desencadear os processos erosivos, que são menos intensos nas
escarpas que nas chapadas, mostram que há diferenciação entre esses ambientes.
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FIG1 – Mapa de localização da área de estudo: contexto do relevo da bacia hidrográfica (A) e perfil altimétrico dos domínios morfoclimáticos (B).
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FIG2 – Compartimentação do Córrego Pasto Ruim (A) e do trecho do Rio Aporé adjacente ao córrego estudado (B).
Conclusões
Assim, essa porção em transformação de chapada para planalto da zona de escarpa é regida pela incisão fluvial e desmonte das vertentes, processos esses comuns a áreas impactadas. Entretanto, nessa bacia, eles se localizam apenas na zona de escarpa e não na chapada. Dessa forma, o entendimento da dinâmica regional da paisagem abre frente para entender os processos acelerados pela ação antrópica, buscando entender seus limiares, limites e transitoriedade na resposta. Assim, acredita-se, nesse sentido, que o contexto regional da bacia influencia o comportamento da “erosão antrópica’: sua magnitude espacial, zona de influência e magnitude de efeitos.
Agradecimentos
Referências
1- Sanchez, L. E. Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos. Oficina de Textos. 2006.
2- Guerra, A.J.T; Cunha, S.B. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 5.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 472p.
3- Ross, J.L.S. Registro cartográfico dos fatos geomorfológicos e a questão da taxonomia do relevo. Revista do Departamento de Geografia. 17-29 pp. São Paulo, IG-USP, 1992.
4- Chrsitofoletti, A. 1999. Modelagem Sistemas Ambientais, Rio de Janeiro: Bluncher. 1999.
5- Riccomini, C.; Coimbra, A.M.. Sedimentação em rios entrelaçados e anastomosados. Bol. IG-USP, Sér. didát., São Paulo, n. 6, nov. 1993
6- Silva, J.P.; Rodrigues, C. Revisão teórica dos sistemas de classificação de canais fluviais aluviais geomorfologia fluvial, 9º SINAGEO, 2012.
7- Moreira, M.O. et.al. 2008. Geologia do Estado de Goiás e do Distrito Federal: Texto explicativo do mapa geológico do Estado de Goiás e Distrito Federal. Escala 1:500.000 . Goiânia:CPRM. 141 p. il. Anexo 1 mapa.
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