Fatores geomorfológicos determinantes do processo de avulsão: o vale aluvial do rio do Peixe, SP.

Autores

Morais, E.S. (UNESP-FCT) ; Prates, R.P. (UNESP-FCT) ; Rocha, P.C. (UNESP-FCT)

Resumo

O estudo avaliou a geomorfologia do rio do Peixe, SP, e identificou aspectos que contribuíram para a formação e extensão de um processo de avulsão. Informações cartográficas, levantamentos em campo e dados hidrológicos foram usados nesta análise. Os resultados mostraram o maior processo de avulsão dos últimos 50 anos no rio do Peixe que alterou a rede de drenagem criando o único trecho multicanal. Os dados indicam a largura da planície e a reocupação de paleocanais como propulsores da avulsão.

Palavras chaves

avulsão; paleocanal; rio do Peixe

Introdução

O processo de avulsão tem importante papel no desenvolvimento do padrão de canal meandrante devido à capacidade de transformação da rede de drenagem. Apesar de não ser o principal processo, avulsões são recorrentes nesse padrão de canal (Jones & Harper, 1998; Gilvear et al. 2000; Assine & Silva, 2009; Zaconpé et al. 2009), inclusive podendo ser responsáveis pela sua metamorfose (Schumm, 2004). Diversas características do ambiente fluvial estão envolvidas nas causas desse processo, como a reocupação de paleocanais, picos de cheias, declividade e geometria do vale e entre outras (Jones & Harper, 1998; Aslan, 2005; Judd et. al. 2007; Kleinhans et. al. 2013). Os fatores que determinam avulsões tornam-se, portanto, importante fonte de informações para compreender a dinâmica do sistema fluvial. Estudos de Slingerland & Smith (2004) e Phillips (2011) apontam potenciais fatores que influenciam na ocorrência de avulsão. No entanto o reconhecimento dessas variáveis e o nível de contribuição em cada processo estão diretamente associados ao ambiente do sistema fluvial (Phillips, 2010). Por este motivo, este estudo apresenta uma contribuição à análise de um processo de avulsão registrado no padrão de canal meandrante. A avaliação ocorreu no vale aluvial do rio do Peixe localizado no oeste paulista, na região dos municípios de Dracena e Ribeirão dos Índios. Nesse trecho o rio exibe por uma extensão de 65 km um típico padrão de canal fluvial meandrante. Dentre as características do sistema fluvial, destaca-se a morfologia sinuosa do canal (>1,5), predomínio de transporte de sedimentos em suspensão, presença de barras em pontal e unidades geomorfológicas na planície de lagos, bacias de inundação e paleocanais que indicam a dinâmica de mudanças do canal (Morais & Rocha, 2012; Morais, et al. 2013; Santos, et al. 2013). Neste estudo é apresentada análise dessas unidades geomorfológicas como fatores desencadeadores do processo de avulsão.

Material e métodos

A investigação do processo de avulsão no rio do Peixe utilizou produtos cartográficos de diferentes escalas temporais e espaciais. Para isso, foram utilizados produtos cartográficos de diferentes escalas temporais e espaciais, sendo: fotografias aéreas dos anos de 1962 e 1978, com escalas de 25.000 e 20.000, respectivamente, e imagens do satélite Landsat 5/TM do período entre os anos de 1985 e 2010. Tais informações possibilitaram a investigação das mudanças do canal. Dados topográficos da missão SRTM processados pelo projeto Topodata (Valeriano & Rossetti, 2012) e dados hidrológicos do rio do Peixe da estação de Tupã disponíveis no HidroWeb (ANA, 2014) também subsidiaram a identificação das unidades geomorfológicas. Essas informações foram inseridas em banco de dados geográfico e analisadas com o uso do QGIS 2.2.0 (Nani et al. 2014). Os materiais utilizados possibilitaram averiguar a extensão desse processo, duração e relacionar com as características da geometria da planície e distribuição de unidades. Com relação à planície analisou-se a variação de seus limites, variação da largura e a distribuição de demais unidades associadas como paleocanais, lagos e bacias de inundação.

Resultado e discussão

O registro do maior processo de avulsão do rio do Peixe nos últimos 50 anos ocorreu em seu alto vale aluvial, alterando a rede hidrográfica para único trecho de sistema multicanal. A avaliação dos produtos cartográficos indica que a avulsão teve início com o rompimento do dique marginal entre os anos de 1962 e 1978, seguindo com o estabelecimento do canal entre os anos de 1978 e 1985. Este primeiro período compreende um hiato de informações cartográficas para o rio do Peixe, na qual é possível notar a ausência do processo no ano de 1962 e o arrombamento do dique marginal em 1978, quando ocorreu um fluxo que interligou o canal ao lago de ferradura. No entanto, o canal gerado pela avulsão só é constatado a partir de 1985. Como resultado, essa avulsão formou um canal secundário de 14,5 km que flui paralelo ao canal principal e conecta-se novamente ao rio do Peixe. Esse canal que já perdura por no mínimo 29 anos possui largura média de 30 metros, comparado aos 45 metros do canal principal. A migração do canal principal para o novo canal, ou mesmo para o abandono do canal formado pelo processo de avulsão pode ser estabelecido em poucos dias, ou demorar séculos para que ocorra (Kleinhans et al. 2013). Essa mudança decorre da taxa de transferência em sedimentos e vazão, que são reguladas por demais condições ambientais, como regime climático e a morfologia da planície. No vale aluvial do rio do Peixe também foi constatada a concentração de leques de espraiamento no canal da avulsão, que refletem a atividade recente deste canal. Essa forma registra o arrombamento do dique, assim como na avulsão, porém o fluxo não possui energia suficiente para a instalação de novos canais na planície. O estudo identificou claramente dois importantes fatores que contribuíram para a ocorrência do processo de avulsão: a geometria do vale aluvial e a distribuição das unidades geomorfológicas referentes à morfogênese da planície. A delimitação da planície e unidades geomorfológicas associadas possibilitou interpretações de condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento do processo. Pelas imagens analisadas, nota-se que a orientação geral da drenagem do rio do Peixe, de aproximadamente 1.500 metros à montante do local da avulsão, altera sua orientação de E-O para Se-No. Essa mudança é acompanhada pelo aumento da largura, importante condição para o desenvolvimento da avulsão (Slingerland & Smith, 2004). A planície apresenta representativo aumento em sua largura, conforme Fig. 1, formando uma faixa aluvial mais larga, consequentemente, gerando condições propícias para a atividade erosiva e mudança do canal. Do mesmo modo nota-se que o prolongamento do canal secundário avança até o estreitamento da planície, onde ocasiona a junção do canal secundário com o canal principal. Adicionalmente, a migração do canal na planície proporciona a formação de diferentes unidades geomorfológicas, como: paleocanais, lagos de ferradura e bacias de inundação. A interpretação de fotografias aéreas de 1962 e 1978, e do canal formado pela avulsão demonstram que o fluxo estabelecido pelo processo foi evidentemente favorecido pela presença de bacias de inundação e paleocanais. Essas feições foram cruciais para o prolongamento de 14,5 km de extensão do canal secundário sobre os depósitos da planície. O papel dessas unidades geomorfológicas pode ser ambíguo como aponta o estudo de Hudson & Kessel (2000), que demonstra a resistência da migração do canal devido aos depósitos argilosos formado pelos paleocanais. Por outro lado, demais estudos sugerem o favorecimento da erosão do canal com reocupação de paleocanais na planície (Aslan et al. 2005; Phillips, 2009). Mudanças do canal ao longo do vale demonstram que o rio do Peixe frequentemente erode os depósitos de canais abandonados (Morais et al. 2013) assim como reforçado no desenvolvimento desse processo de avulsão.

Fig. 1. Avulsão e aumento da largura da planície

Notar o aumento da largura da planície de inundação. Essa abertura favoreceu a ocorrência da avulsão e a formação do canal secundário.

Fig. 2. Local da Avulsão em 1962 e 1978

Em 1962 nota-se o local da avulsão com lagos adjacentes, e em 1978 o rompimento do dique marginal com o fluxo conectado ao lago de ferradura.

Conclusões

Os aspectos geomorfológicos da planície de inundação, aumento da largura e reocupação de paleocanais, demonstram importante papel na ocorrência da avulsão e foram fundamentais para a extensão do canal secundário. Demais fatores também podem determinar a avulsão, como cheias, resistência de diques marginais e agradação do canal. Preliminarmente, ressalta-se que a formação da avulsão compreende o período de maior variabilidade hidrológica (Rocha & Tommaselli, 2012) sugerindo maior atenção quanto ao papel das cheias no rio do Peixe. Já observações em campo indicam que os diques marginais possuem o preenchimento de fácies arenosas no alto vale, enquanto que no baixo vale nota-se fácies de finos associadas à fácies arenosas, possivelmente implicando em variação da resistência dos diques marginais. Finalmente, a intensa ocupação em solos da bacia (Trivellato & Peres Filho, 2012) com alto potencial de produção de sedimentos pode ter contribuído para agradação no canal fluvial.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP, processo nº 2011/11208-6, e ao CNPq, processo nº 477564/2010-0.

Referências

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